O artigo que descreve o estudo foi publicado hoje na revista especializada Science Translational Medicine. Depois de extrair o DNA de placentas recolhidas em partos feitos com todo cuidado e em ambientes estéreis, os pesquisadores separaram as sequências bacterianas das humanas e conseguiram identificar os tipos de micróbios que coexistiam com os bebês durante a gravidez. “Isso nos permitiu entender que atividades metabólicas essas bactérias são capazes de executar. Por exemplo, metabolismo de substâncias e vitaminas”, explica Kjersti Aagaard, pesquisadora da Faculdade Baylor de Medicina e do Hospital Pediátrico do Texas (EUA).
Os resultados foram comparados com os DNAs bacterianos presentes na boca, na pele, na vagina e no intestino. O resultado surpreendeu ao mostrar que os micróbios encontrados na placenta não têm similaridade com as culturas próximas ao útero, mas sim com as da boca. Os pesquisadores acreditam que as bactérias viajam para o ventre por meio da corrente sanguínea, num processo chamado propagação hematogênica.
“A princípio, a placenta deveria ser estéril”, comenta Jorge Timenetsky, pesquisador do Laboratório de Microplasma do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Mas a pesquisa norte-americana mostrou que esses pequenos seres são capazes de chegar ao interior do útero e conviver em harmonia com o feto, apesar do sistema imunológico da mãe, capaz de acabar com colônias de bactérias inconvenientes. “É importante também lembrar que, sem bactérias, não existiríamos, precisamos delas. Mas conhece-se apenas parte dessa necessidade. Se elas estão lá boiando e não causam nenhum mal, então deve ter alguma contribuição”, afirma o especialista.
As bactérias placentárias são na sua maioria não patogênicas e podem ter importantes funções para o feto, como metabolizar vitaminas. Entre as espécies encontradas, a mais abundante foi a Escherichia coli, muito comum na flora intestinal. Entre os micróbios encontrados também estavam espécies típicas dos sulcos gengivais e das mucosas orais. A relação comprova uma antiga suspeita da medicina, de que infecções periodontais têm uma relação com a ocorrência de partos prematuros. “Há uns cinco anos, começamos a ver que pacientes com periodontite e com infecções na cavidade oral tinham mais partos prematuros”, lembra Herlânio Costa Carvalho, membro da Comissão de Medicina Fetal da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Estudos anteriores fizeram médicos orientar as gestantes a prestar atenção ao cuidado com a saúde bucal, mas a ciência ainda não havia confirmado a relação direta entre a gravidez e os micróbios presentes na língua, nas amígdalas e nas placas gengivais. “No raciocínio clínico, vamos ter de pensar uma coisa com a outra. São estudos prematuros, mas que nos abrem essa luz”, avalia o médico brasileiro.
Prevenção
A pesquisa também mostrou que antigas infecções do trato urinário continuam presentes mesmo depois de tratadas com antibióticos e podem afetar a microbiota da placenta. As mães que deram à luz cedo demais também apresentaram micróbios semelhantes, mostrando que esse pode ser um sinal do nascimento antes da hora. “Conforme conseguimos vislumbres da biologia microbial da gravidez, podemos ver um futuro, não tão distante, no qual vamos prevenir nascimentos prematuros ou suas complicações nos recém-nascidos, com novas abordagens visando a reforçar a microbiota saudável não somente da vagina, mas também da boca e do intestino”, acredita Aagaard.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 15 milhões de bebês nascem prematuros todos os anos, e 1 milhão deles morrem devido a complicações causadas pelo parto precoce. A taxa média é de um bebê prematuro a cada 10 partos, mas essa proporção pode subir para 50% nas comunidades menos privilegiadas. Ainda de acordo com a OMS, a tendência na maioria dos países é de que essa taxa cresça nos próximos anos, o que pode aumentar também a taxa de mortalidade dos recém-nascidos.
“O nascimento prematuro é hoje nosso maior problema em obstetrícia”, alerta Herlânio Costa. Para o especialista, um entendimento mais detalhado das bactérias presentes na placenta e de suas funções podem indicar tratamentos com antibióticos capazes de evitar o parto precoce. “Já tentaram usar antibióticos e não deu muito certo, porque a gente acreditava que a infecção era da flora da cavidade vaginal, que ascendia pelo colo e contaminava o bebê. Esse estudo abre outro caminho para nós, mostrando que a bactéria está chegando pelo sangue”, acredita o obstetra.
Nutrição vigiada
A Organização Mundial da Saúde aprovou ontem um monitoramento dos quadros globais de nutrição de mães, bebês e crianças. O secretariado da organização foi convocado a fazer recomendações que ajudem os governos a lidar com o marketing inapropriado de suplementos alimentares voltados para recém-nascidos que ainda consomem o leite materno. Também foi cobrada a criação de formas de abordar a influência excessiva da indústria alimentícia. A OMS espera que uma política global seja adotada na próxima década para lidar com os problemas da desnutrição, da deficiência de micronutrientes da obesidade e de doenças causadas por uma dieta não balanceada.