A revisão desses estudos é importante porque, em 2008, estudo de Mark Bolland, pesquisador da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, alertou para o risco da ingestão de cálcio levar a doenças cardiovasculares (infarto do miocárdio) e vascular cerebral. Desde então, dúvida e insegurança pairam sobre médicos e pacientes.
No entanto, pesquisas recentes, como o estudo Caifos, diferente do neozelandês, mostram resultados contrários. Seu resultado, publicado em março no Journal of Boneand Mineral Research, não exibiu risco aumentado. “Na pesquisa, os médicos analisaram 700 mulheres que tomaram o cálcio e outras 700 com placebo. As taxas de mortalidade por doença cardiovascular foram similares. Não houve aumento de depósito de cálcio na ultrassonografia da carótida, nem aumento da incidência de infarto do miocárdio”, explica Radominski. Outro estudo destacado por ele foi o de Framingham, publicado em 2012 no American Journal of Nutrition, que também tem como resultado o não aumento da mortalidade em quem consome o suplemento na quantidade de até 1.200mg diárias.
Radominski diz que Bolland deveria fazer outros estudos para comprovar seu achados e não apenas fazer metanálise de dados já publicados. Com as metanálises, o neozelandês achou motivo para fazer alarde. E fez. “Hoje em dia, estamos com problemas na hora de receitar o cálcio. Pacientes não querem tomar, alguns cardiologistas dizem para não usá-lo. No entanto, os estudos não foram desenhados para avaliar o desfecho cardiovascular, e, além disso, o número de pacientes era pequeno. Criou-se medo do suplemento.”
Na visão do médico ortopedista do grupo de doenças osteometabólicas do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FC/FMUSP) Márcio Passini Gonçalves de Souza, o estudo de Mark Bolland já causou muita celeuma, inclusive no meio médico, citando como exemplo a suspensão do suplemento de cálcio e vitamina D pela Secretaria Muncipal de Saúde de São Paulo na rede pública. Segundo Passini, os estudos de Bolland colocam em discussão a suplementação medicamentosa de cálcio e não o fornecimento de cálcio pela dieta. “Pessoalmente, não consigo distinguir um ‘cálcio bom’ (da dieta) e um ‘cálcio ruim’ (da suplementação). O elemento químico cálcio é único e indistinguível. Deveríamos supor que na dieta o cálcio é acompanhado de outras substâncias que favoreceriam sua função? E que nos suplementos poderia ser acompanhado de substâncias que prejudicariam sua função? Não há evidências. Também sabemos que a suplementação de cálcio, e não o cálcio da dieta, pode aumentar transitoriamente os níveis de cálcio no sangue, o que poderia provocar arritmias em pessoas sujeitas a arritmia cardíaca. Isso pode ocorrer devido à maior biodisponibilidade de cálcio nos suplementos”, esclarece.
IMPRECISÃO
O ortopedista destaca que “o cálcio é sempre o mesmo elemento químico. Poderia haver na alimentação substâncias que favoreçam a ação adequada do cálcio no organismo humano, e nos suplementos alimentares substâncias que prejudiquem essa ação. Mas isso, por enquanto, é suposição repetida de autor para autor, sem confirmação científica séria.” Passini acrescenta que, quanto aos estudos de Bolland e seus colegas, um dos trabalhos jogou luz sobre parte de uma população que foi estudada (até por outros pesquisadores) com outro objetivo.
“Hoje entendemos que uma avaliação de uma população deve ser prospectiva, isso é, os sujeitos da análise devem ser selecionados depois que se desenhou o estudo, sabendo-se de antemão o que se procura e a população suscetível de nos dar a resposta, sem enganos. O trabalho de Bolland pecou pela imprecisão científica. No entanto, foi publicado numa revista científica muito séria. Porque, em ciência, o contraditório sempre deve ser explorado. Havendo fumaça, sempre pode haver fogo. Deve ser discutido, explorado e comprovado”, alega.
A mesma população estudada pelo Bolland e seus colegas, foi avaliada por outros autores, com resultados diferentes. Outros pesquisadores fizeram estudos para comprovar as afirmações de Bolland e encontraram resultados opostos. “O cálcio é o quinto elemento químico mais frequente na crosta terrestre e o quinto elemento químico mais frequente em nosso corpo (e no de todos os seres vivos, animais e vegetais). É muito importante para a vida. Veja a estreita margem de variação permitida em nosso plasma. Só isso já seria suficiente para nos mostrar sua importância. Seu nível constante é importante para a boa função cardíaca. Não pode ser mais, nem menos”, acrescenta Passini.
O cálcio sempre foi incluído no sistema terapêutico e entra no rol das chamadas medidas não medicamentosas, que são parar de fumar, praticar atividades físicas e adotar uma boa ingestão de cálcio, preferencialmente por meio da própria dieta. “O Instituto de Medicina de Washington recomenda, para mulheres a partir dos 51 anos, 1.200mg de cálcio diários, para uma boa saúde óssea e geral. Nem todos os pacientes conseguem todo o cálcio necessário por meio da alimentação. Alguns inclusive lidam com a intolerância à lactose. Há casos em que é inevitável ingerir os dois, por meio da dieta e do suplemento. Por isso, hoje, antes de receitarmos o cálcio, reforçamos que sua ingestão natural precisa ser um hábito alimentar. Por exemplo, um copo de leite tem 300mg (mesmo o desnatado), um iogurte light ou diet tem 400mg. Então, se a pessoa toma dois iogurtes e um copo de leite diariamente, ela não tem de ingerir suplemento. Se gosta de queijo, duas fatias têm 300mg”, explica o reumatologista Sebastião Cezar Radominski, chefe do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR).
INGESTÃO
Conforme Radominski , a recomendação agora é receitar o medicamento com equilíbrio. “Vemos como o paciente está em termos de vitamina D e cálcio. Se ele ingere 600mg de cálcio pela dieta, passo um comprimido de 500mg para chegar lá (nos 1.200mg). Antes, a prática era dois compridos de 500mg para todo mundo, independentemente da dieta. Hoje, não. Primeiro, estimulamos o paciente a consumir cálcio natural, por meio dos alimentos. Se ele não atingir, tem de complementar. E se o paciente for totalmente intolerante ao cálcio, aí é preciso receitar a dose cheia de suplemento.”
O mineral não é importante apenas para evitar a osteoporose, mas é necessário para todo o organismo. “Você precisa de x de gordura, x de carboidrato e 1.200mg de cálcio, quantidade que não é só para o osso. Para o coração bater, é preciso cálcio; para a fígado fazer a metabolização vai cálcio; vários órgãos usam o mineral.” Radominski enfatiza que as mudanças de orientação na medicina são muito comuns. “A medicina é uma ciência de verdades passageiras. A partir de um estudo, outros médicos fazem outras pesquisas, e novos resultados surgem. No caso do suplemento do cálcio, novos trabalhos mostraram que o índice cardiovascular foi o mesmo, contrariando Bolland. Mas como ficamos? De um ambiente que era totalmente do bem, se transformou no mal, e agora não é tão mal assim. Por isso, precisamos ter um estudo bem mais amplo, com maior número de pessoas, para chegar a uma conclusão. Estudos recentes comprovam que não é tão perigoso usar cálcio, desde que seja com dieta, que não exceda a taxa diária de 1.200mg, mesmo com o suplemento. Não pode extrapolar. A adequada ingestão permanece importante, e sua suspensão depende de cada caso.”
* A repórter viajou a convite da AR: Juntos por Esta Causa | Panlar – Liga Panamericana das Associações de Reumatologia
O estudo de Bolland
O estudo de Mark Bolland publicado em 2008 foi “Eventos cardiovasculares em mulheres idosas saudáveis recebendo suplementação de cálcio: estudo randomizado controlado”. Em 2010, ele publicou uma metanálise sobre os “efeitos da suplementação de cálcio no risco de infarto do miocárdio e eventos cardiovasculares. Como foi muito criticado por não levar em consideração a suplementação de vitamina D, publicou em 2011 nova metanálise sobre “suplementos de cálcio, com e sem vitamina D e risco de eventos cardiovasculares: reanálise e metanálise, de acesso limitado, aos dados do Women’s Health Initiative (WHI)’”. Nesses estudos os autores encontraram aumento da incidência de distúrbios coronarianos (infarte) e cerebro-vasculares (derrame) em mulheres do estudo WHI.”
Novos medicamentos
Entre os novos tratamentos contra a osteoporose apresentados no Congresso da Panlar, estão o odanacatibe, que age impedindo a reabsorção do cálcio, já que as mulheres na fase da menopausa têm a reabsorção por causa dos hormônios. O osso fica mais susceptível à retirada do cálcio. Essa nova droga tem outro mecanismo de ação, que impede essa reabsorção, retardando-a. O reumatologista Sebastião Cezar Radominski diz que no evento foi debatida também uma nova molécula, a esclerostina, que quando inibida permite a reconstrução do osso, formando um osso novo. “Alguns pesquisadores identificaram um anticorpo que inibe a esclerostina, que é o freio do osteoblasto (célula que produz osso). É mais uma perspectiva de ela se tornar um novo reconstrutor do osso, um novo remédio formador de osso. Esse remédio está em estudo em fase três, de pré-aprovação. Terminada a fase três, ele será submetido a publicação e, depois, à aprovação das agências reguladoras como o Food and Drugs Administration (o FDA, dos Estados Unidos) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil.” Nosso país participa com 800 pacientes desse teste, que deve durar dois anos e vai provar se realmente o medicamento é eficaz e seguro.