Cachimbos de água são usados para fumar tabaco e outras substâncias na África e na Ásia por pelo menos quatro séculos. A história mais conhecida, mas não completamente comprovada, conta que o narguilé foi inventado no século 17, na Índia, pelo médico Hakim Abul Fath. O objetivo principal era justamente encontrar uma forma de retirar as impurezas da fumaça. Projeto não alcançado, segundo pesquisadores norte-americanos. De acordo com um estudo publicado neste sábado (17) na Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention, um jornal da Associação Americana para Pesquisa do Câncer, jovens adultos que usaram o dispositivo em bares da cidade de São Francisco apresentaram níveis bastante elevados das mesmas substâncias cancerígenas encontradas no cigarro manufaturado.
O narguilé — também conhecido como hookah, shisha ou goza — é uma espécie de instrumento no qual uma mistura de tabaco é aquecida por uma brasa e a fumaça gerada passa por um filtro de água antes de ser aspirada pelo fumante (veja arte). Por envolver um processo distinto, muitos tendem a pensar que o dispositivo não é prejudicial à saúde ou causa menos estragos que o cigarro comum. Para enterrar completamente essa ideia, cientistas liderados por Gideon St.Helen, da Divisão de Farmacologia Clínica e do Centro de Pesquisa do Controle de Tabaco e Educação da Universidade da Califórnia, em São Francisco, analisaram amostras da urina de 55 fumantes experientes.
Os voluntários tinham entre 18 e 48 anos e foram instruídos a não usar qualquer tipo de fumo por uma semana. No fim desse período, forneceram uma amostra de urina para a referência inicial. Em seguida, foram orientados a passar uma noite usando o narguilé em um bar de preferência. Logo após a visita, entregaram uma nova amostra de urina e preencheram um formulário com as informações detalhadas sobre a sessão de fumo, incluindo o tempo total gasto, o número de pratos de tabaco usados e de pessoas que compartilharam o dispositivo. Os participantes forneceram ainda uma primeira amostra de urina na manhã seguinte, o que ajudou os pesquisadores a estimar o apuramento das substâncias químicas relacionadas com a atividade. Pela coleta de dados, descobriu-se que eles passaram em média 74 minutos fumando e fumaram 0,6 prato de tabaco por pessoa.
Após uma única noite de tabagismo, as pessoas apresentaram um aumento de 73 vezes de nicotina na urina; quatro vezes de cotinina (metabólico produzido pelo corpo ao ser exposto à nicotina); duas vezes de NNAL e NNK, substâncias que podem causar câncer de pulmão e de pâncreas. O incremento nos produtos de degradação de compostos orgânicos voláteis, como benzeno e acroleína, ficou entre 14% e 91%. Eles são conhecidos por também causar câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias. “O aumento significativo nos níveis de nicotina levanta preocupações sobre a dependência potencial de fumar cachimbos com água e possíveis efeitos sobre o cérebro em desenvolvimento de crianças e jovens que compartilham os filtros de água”, alerta St.Helen.
O estudioso ressalta que a crença de que esses cachimbos são inofensivos faz com que sejam alvo da curiosidade de adolescentes e mesmo de crianças. “Eu vi famílias inteiras, incluindo crianças pequenas, fumando cachimbos de água. Eu mesmo tive a oferta de um trago de um amigo que achava que fumar cachimbo de água era ‘totalmente seguro’”, acrescentou.
Efeitos persistentes
A equipe liderada por St.Helen descobriu também que os níveis elevados de nicotina, cotinina e NNAL detectados imediatamente após a sessão de tabagismo se mantiveram significativamente elevados nas amostras de urina do dia seguinte. A nicotina foi 10,4 vezes maior; a cotinina, 3,2 vezes; e a NNAL, 2,2 vezes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma sessão de narguilé dura em média de 20 a 80 minutos, o que corresponde à exposição a todos os componentes tóxicos presentes na fumaça de 100 cigarros.
Para Luiz Carlos Silva, coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, o estudo é metodologicamente suficiente para mostrar evidências estatísticas. “Já existem trabalhos mostrando que a filtragem pelo narguilé não faz diferença nenhuma. O fato de a fumaça passar por um líquido não retira nenhuma substância produzida na combustão do fumo. Isso é bem mensurado na pesquisa.”
Ele reforça que, no narguilé, não há a filtragem do cigarro tradicional, o que deixa o dispositivo ainda mais nocivo. “Eles (os usuários) estão sob um grande risco de câncer e nem imaginam, além da enorme possibilidade de se tornarem fumantes normais. O narguilé é percebido como uma porta de entrada para o tabagismo convencional”, alerta. Silva argumenta que a regulamentação para esse tipo de produto e atividade deveria ser a mesma sofrida pelo cigarro tradicional, com as mesmas proibições de ambiente e público.
Para saber mais
Adesão alta entre jovens brasileiros
Dados da Pesquisa Especial sobre Tabagismo (PETab) — realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em parceria com o Instituto Nacional de Câncer — apontam que o cachimbo de origem oriental tinha em 2008 quase 300 mil consumidores no país. Informações da pesquisa Vigescola evidenciam a alta prevalência do consumo do narguilé entre estudantes de 13 a 15 anos em 2009. O mesmo panorama foi constatado pela pesquisa Perfil do Tabagismo entre Estudantes Universitários no Brasil, do Ministério da Saúde. Em Brasília e São Paulo (SP), dos estudantes da área da saúde que declararam em 2011 consumir com frequência algum outro tipo de produto derivado do tabaco, de 60% a 80%, respectivamente, citaram o narguilé. A socialização facilitada está entre os atrativos do dispositivo, que pode ser compartilhada por várias pessoas.
O narguilé — também conhecido como hookah, shisha ou goza — é uma espécie de instrumento no qual uma mistura de tabaco é aquecida por uma brasa e a fumaça gerada passa por um filtro de água antes de ser aspirada pelo fumante (veja arte). Por envolver um processo distinto, muitos tendem a pensar que o dispositivo não é prejudicial à saúde ou causa menos estragos que o cigarro comum. Para enterrar completamente essa ideia, cientistas liderados por Gideon St.Helen, da Divisão de Farmacologia Clínica e do Centro de Pesquisa do Controle de Tabaco e Educação da Universidade da Califórnia, em São Francisco, analisaram amostras da urina de 55 fumantes experientes.
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Após uma única noite de tabagismo, as pessoas apresentaram um aumento de 73 vezes de nicotina na urina; quatro vezes de cotinina (metabólico produzido pelo corpo ao ser exposto à nicotina); duas vezes de NNAL e NNK, substâncias que podem causar câncer de pulmão e de pâncreas. O incremento nos produtos de degradação de compostos orgânicos voláteis, como benzeno e acroleína, ficou entre 14% e 91%. Eles são conhecidos por também causar câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias. “O aumento significativo nos níveis de nicotina levanta preocupações sobre a dependência potencial de fumar cachimbos com água e possíveis efeitos sobre o cérebro em desenvolvimento de crianças e jovens que compartilham os filtros de água”, alerta St.Helen.
O estudioso ressalta que a crença de que esses cachimbos são inofensivos faz com que sejam alvo da curiosidade de adolescentes e mesmo de crianças. “Eu vi famílias inteiras, incluindo crianças pequenas, fumando cachimbos de água. Eu mesmo tive a oferta de um trago de um amigo que achava que fumar cachimbo de água era ‘totalmente seguro’”, acrescentou.
Efeitos persistentes
A equipe liderada por St.Helen descobriu também que os níveis elevados de nicotina, cotinina e NNAL detectados imediatamente após a sessão de tabagismo se mantiveram significativamente elevados nas amostras de urina do dia seguinte. A nicotina foi 10,4 vezes maior; a cotinina, 3,2 vezes; e a NNAL, 2,2 vezes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma sessão de narguilé dura em média de 20 a 80 minutos, o que corresponde à exposição a todos os componentes tóxicos presentes na fumaça de 100 cigarros.
Para Luiz Carlos Silva, coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, o estudo é metodologicamente suficiente para mostrar evidências estatísticas. “Já existem trabalhos mostrando que a filtragem pelo narguilé não faz diferença nenhuma. O fato de a fumaça passar por um líquido não retira nenhuma substância produzida na combustão do fumo. Isso é bem mensurado na pesquisa.”
Ele reforça que, no narguilé, não há a filtragem do cigarro tradicional, o que deixa o dispositivo ainda mais nocivo. “Eles (os usuários) estão sob um grande risco de câncer e nem imaginam, além da enorme possibilidade de se tornarem fumantes normais. O narguilé é percebido como uma porta de entrada para o tabagismo convencional”, alerta. Silva argumenta que a regulamentação para esse tipo de produto e atividade deveria ser a mesma sofrida pelo cigarro tradicional, com as mesmas proibições de ambiente e público.
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Dados da Pesquisa Especial sobre Tabagismo (PETab) — realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em parceria com o Instituto Nacional de Câncer — apontam que o cachimbo de origem oriental tinha em 2008 quase 300 mil consumidores no país. Informações da pesquisa Vigescola evidenciam a alta prevalência do consumo do narguilé entre estudantes de 13 a 15 anos em 2009. O mesmo panorama foi constatado pela pesquisa Perfil do Tabagismo entre Estudantes Universitários no Brasil, do Ministério da Saúde. Em Brasília e São Paulo (SP), dos estudantes da área da saúde que declararam em 2011 consumir com frequência algum outro tipo de produto derivado do tabaco, de 60% a 80%, respectivamente, citaram o narguilé. A socialização facilitada está entre os atrativos do dispositivo, que pode ser compartilhada por várias pessoas.