A presidente da Sociedade Mineira de Coloproctologia e professora de coloproctologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Sinara Leite, explica que o termo “doenças inflamatórias intestinais” engloba principalmente duas doenças: a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn. Ela esclarece que ambas têm impacto negativo considerável na qualidade de vida da pessoa, pois requerem atenção médica prolongada e representam um peso social importante. “As doenças têm distribuição uniforme entre os gêneros masculino e feminino e acometem, principalmente, pessoas jovens, com um pico de incidência entre 15 e 30 anos, embora possam ocorrer em qualquer idade. Há um segundo pico entre os 50 e 70 anos. Nesta faixa de idade, o controle da doença tende a ser mais complicado pela presença de outras patologias, como hipertensão arterial e diabetes, com o uso de polifarmácia (vários medicamentos para controlar as doenças concomitantes)”, explica Sinara, que também é membro titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia.
A retocolite ulcerativa e a doença de Crohn apresentam manifestações clínicas e evolutivas diversas, determinadas por vários fatores, como localização e extensão da área de acometimento, grau de atividade e gravidade do processo inflamatório, complicações da doença e a presença ou não de manifestações extraintestinais. “Podem apresentar um curso evolutivo com recaídas e remissões, com desaparecimento completo dos sintomas entre as crises. Os sintomas irão depender do segmento que está envolvido na inflamação. Os mais comuns são: dores, distensão e desconforto abdominais, associados à alteração do hábito intestinal (quase sempre diarreias), à presença de muco e/ou sangue nas fezes e a sintomas anais (dor, ardor e sangramento locais). Ao longo da vida, esse quadro clínico apresenta modificações e, devido à grande variabilidade clínica, o diagnóstico pode ser um desafio em alguns pacientes.”
Maria de Lourdes de Abreu Ferrari, professora de clínica médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e coordenadora do Ambulatório de Intestino do Hospital das Clínicas da UFMG ressalta que, segundo pesquisa realizada pela Organização Europeia de Doença de Chron e de Retocolite Ulcerativa e pela Associação das Federações de Chron e Retocolite Ulcerativa, a incidência das doenças intestinais cresceu 15 vezes nas últimas décadas nos grandes centros urbanos. Divulgado em fevereiro de 2013, o estudo revelou ainda que, 10 anos após o diagnóstico, 53% dos pacientes serão hospitalizados e 44% serão afastados de atividades diárias em decorrência de complicações da doença. O estudo mostrou também que cerca de 20% das pessoas com DII apresentam sintomas de forma contínua e que aproximadamente 40% dos pacientes têm manifestações extraintestinais, com acometimento das articulações, pele, lesões oculares e hepatobiliares, entre outras.
Alessandra Vitoriano de Castro, presidente da Associação Mineira dos Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais, lembra que, no início, sentia dores abdominais e evacuava de 15 a 20 vezes ao dia. “Emagreci 25 quilos em dois meses. Costumava ter febre baixa (até 38 graus) nos fins de tarde, início da noite. No trabalho, precisava ir muito ao banheiro e, às vezes, nem saía de casa. Socialmente fui diminuindo as atividades e, além disso, acordava muito à noite com cólicas e vontade de ir o banheiro.” Ela ressalta que, como as DIIs não têm cura, a adesão do paciente ao tratamento é fundamental. “Um acompanhamento nutricional e psicológico também é indicado, pois a dieta não é a mesma para os pacientes. Cada um tolera tipos diferentes de alimentos. Ao longo do tempo, o paciente pode ter problemas de convivência com a doença, que deixa sequelas emocionais. Fisicamente, existe o momento de emagrecimento, o momento de engordar, alguns casos mais graves levam a cirurgias para retirada de trechos inflamados do intestino ou correção de fístulas, e há aqueles que têm a necessidade de ostomização”, explica.
Alessandra salienta que a Associação Mineira é uma entidade civil de caráter social, sem fins lucrativos. “Nosso objetivo é integrar e auxiliar os portadores das DIIs. Hoje, temos mais de 500 pacientes cadastrados e contamos com o apoio de profissionais da saúde especializados na área. Para se associar, basta entrar em contato conosco pelo e-mail contato@amdii.org.br ou pelo site www.amdii.org.br”, diz.
Várias origens
Muitos especialistas acreditam que as doenças inflamatórias intestinais surgem da interação de quatro fatores fundamentais: ambiental (tabagismo, dieta, hábitos higiênicos), genético (existe uma ocorrência familiar e alguns genes já estão identificados como estando implicados nas DIIs), microbiano (seria uma resposta anormal do sistema imunológico contra a microbiota intestinal); e, por fim, o imunológico (a resposta imunológica é a principal responsável pelo desenvolvimento da inflamação).
“Nenhum desses componentes, isoladamente, pode explicar as DIIs, mas é a integração entre eles que realmente determina se a doença se instalará e com quais características. A retocolite ulcerativa é uma doença que acomete o reto e o cólon (intestino grosso), e a doença de Crohn pode acometer qualquer segmento da boca ao ânus, mas ocorre principalmente no íleo terminal (segmento final do intestino delgado). Ambas podem ter manifestações extraintestinais, que é o acometimento de outras partes do organismo, envolvendo as articulações (artrites), a pele, os olhos, podendo ainda ocorrer anemia e eventos tromboembólicos (tromboses arteriais ou venosas)”, explica a médica.
Maria de Lourdes Ferrari esclarece que os sintomas da doença variam dependendo do segmento do tubo digestivo comprometido e da gravidade da inflamação. “As manifestações clínicas mais comuns são diarreia, dores abdominais, febre baixa, emagrecimento, sangramento retal, mal-estar geral, cansaço e fadiga. Podem ocorrer manifestações fora do tubo digestivo, que são chamadas de manifestações extraintestinais, como dores e edema (inchaço) nas articulações, inflamação nos olhos, acometimento do fígado, pedra na vesícula e nos rins, entre outras. O tratamento pode ser clínico ou cirúrgico, porém, nenhum deles é curativo”, diz.
Ela salienta que as DIIs têm baixa mortalidade, porém, alta morbidade. “As crises repetidas ao longo dos anos ocasionam lesão intestinal constante e consequente aparecimento de complicações, que agravam o quadro clínico e são responsáveis por sequelas, como ressecção de grandes segmentos intestinais e necessidade de ostomias (abertura do intestino na parede do abdômen). Vale ressaltar que em alguns pacientes a doença pode evoluir, com complicações de forma precoce.” O tratamento clínico é realizado com medicamentos que são capazes de controlar a inflamação e evitar que as crises retornem, permitindo que os pacientes levem uma vida normal. “O tratamento cirúrgico está indicado em algumas situações, como na falta de resposta ao tratamento clínico e na presença de complicações como fístulas, abscessos, perfuração e sangramentos volumosos”, acrescenta a médica.
Dados são escassos
Os estudos epidemiológicos no Brasil sobre as doenças inflamatórias intestinais são escassos e, de modo geral, restritos a determinadas regiões do país. Dados do Ministério da Saúde mostram que a região Norte é a que apresenta menor taxa de internações relacionadas à DII (1,16/100.000 habitantes), seguida pelas regiões Nordeste (2,17/100.000 habitantes), Sudeste (2,42/100.000 habitantes), Sul (3,07/100.000 habitantes) e Centro-Oeste (3,32/100.000 habitantes). O aumento do número de casos de DII nas últimas décadas também é observado no Brasil e, provavelmente, reflete mudanças no comportamento da população, exemplificado pela maior urbanização: hoje, 84% da população brasileira reside em áreas urbanas, e pela mudança da dieta tradicional para uma dieta mais industrializada.