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Baseado em dados dos 194 países-membros das Nações Unidas, o documento alerta que a bebida não apenas provoca danos diretos à saúde, como aumenta a suscetibilidade a males infecciosos e está por trás da ocorrência de crimes e acidentes. A OMS traçou o perfil de consumo das nações, relatou o impacto da bebida na saúde pública e avaliou as respostas das políticas governamentais. No total, o consumo anual foi de 6,2 litros de álcool puro por ano na população com mais de 15 anos. Contudo, como 38,3% do planeta é abstêmio, calcula-se que os que bebem ingerem 17 litros no período de 12 meses.
Segundo o oncologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, André Murad, o organismo como um todo é comprometido naqueles que fazem uso do álcool constantemente, mas é o fígado o órgão-alvo que sofre as maiores repercussões negativas. “Os danos ao fígado vão desde alterações subcelulares, raramente detectadas por exames microscópicos, passam pela esteatose (acúmulo de gordura no órgão), as hepatites, a fibrose (cirrose hepática), até o câncer”, diz. De acordo com Murad, que é vice-presidente da Associação Brasileira Comunitária de Prevenção ao Uso e Abuso de Drogas (Abraço-MG) – entidade voltada para a minimização de vícios, entre eles o tabagismo e o alcoolismo –, o fígado é um dos órgãos mais importantes do organismo, por exercer múltiplas funções.
“Ele produz albumina, para manter o sangue nos vasos; produz fatores de coagulação, além de ser responsável pela produção de hormônios femininos e masculinos. É no fígado também que ocorre a regulação da pressão venosa e arterial do corpo. Então, quando a pessoa bebe muito, tudo isso se desestabiliza. Um outro problema que pode ocorrer em quem faz uso constante do álcool é o surgimento de varizes na parte anterior do esôfago. Daí, quando a pessoa ingere algum alimento sólido, como pão ou carne, ele pode romper essas varizes, causando uma hemorragia que pode ser fatal. Ou seja, a pessoa sangra até morrer.”
Para André Murad, a maioria das pessoas acredita que beber socialmente é normal, mas não é. “Destilados (vodca, aguardente, whisky) são mais causadores de problemas que os fermentados (cerveja e vinho). Na esfera cerebral, o álcool gera prejuízos mental e cognitivos; afeta o coração, podendo provocar insuficiência cardíaca; atinge o estômago, causando úlceras e gastrites; e, associado ao tabagismo, dobra o risco da pessoa desenvolver câncer de cabeça e pescoço, que inclui boca, laringe, faringe, garganta e esôfago”, enumera.
De acordo com o relatório da OMS, uma das razões para o aumento no consumo de álcool é o crescimento da população no mundo. “Com isso, o fardo das doenças atribuídas às bebidas pode aumentar, caso novas políticas de prevenção não sejam implementadas”, alertou o diretor-geral adjunto do grupo de Doenças Não Transmissíveis da OMS, Oleg Chestnov. Outro dado alarmante é que quase 5,9% das mortes (7,6% entre os homens e 4% entre as mulheres) causadas por doenças infecciosas, acidentes de trânsito, ferimentos, homicídios, doenças cardiovasculares e diabetes, entre outras, têm alguma relação com o consumo de álcool. Segundo a OMS, o álcool encurta em cinco anos a vida dos brasileiros. (Colaborou Paloma Oliveto)
Bebida gera também os males psíquicos
As consequências psíquicas do usuário frequente e do usuário crônico do álcool vão de depressão, alterações de memória, atenção e percepção da realidade, envolvimento em brigas, acidentes de trânsito, violência doméstica, a alterações mais graves, como ciúme patológico (quando, geralmente o homem, chega a matar, por acreditar que a companheira o está traindo), demência alcoólica (a pessoa altera sua personalidade), a tentativas de suicídio e mesmo o autoextermínio.
Na opinião do psiquiatra Valdir Ribeiro Campos, especialista em dependência química e membro da Comissão de Controle do Tabagismo, Alcoolismo e Uso de Outras Drogas da Associação Médica de Minas Gerais (Contad/AMMG), é de extrema importância uma entidade como a OMS mostrar esses dados. “Assim como o tabaco, o álcool é outra droga legalizada que causa enormes prejuízos nas sociedades. Acho interessante que esse anúncio ocorra quando vários países tentam legalizar a maconha. Repetiremos o mesmo filme de combate ao vício se isso ocorrer”, opina.
“Inicialmente, o álcool gera uma sensação de bem-estar, de euforia, mas em seguida, ele deprime o sistema nervoso central. Dados da literatura geral (pesquisas científicas) mostram que entre os usuários frequentes de álcool 40% vão tentar se matar ao longo da vida; entre os dependentes, 10% vão conseguir tirar a própria vida”, alerta.
Na visão de Murad e Ribeiro, inicialmente a grande decisão a ser tomada, no âmbito de políticas públicas, é uma grande campanha preventiva para alertar a sociedade sobre os perigos das bebidas alcoólicas. “Ele causa dependência grave. Temos de combater propagandas de bebidas alcoólicas. Nossas crianças e jovens crescem sendo estimulados a fazer uso do álcool, que sempre está associado a figuras importantes, bem-sucedidas na vida, jogadores de futebol e artistas. Quem já tem a dependência, tem que fazer um tratamento médico, medicamentoso e psicoterapêutico, além da mudança de estilo de vida, para que possa vencer a dependência”, acrescenta Valdir Ribeiro.
Para Murad, o ponto da questão do alcoolismo nas sociedades é a educação para a conscientização. “Socialmente, beber é um vício muito bem aceito. Pessoas que não fazem uso do álcool muitas vezes se sentem constrangidas em ambientes sociais. O que ocorre é que nossos pré-adolescentes são estimulados a achar que beber é positivo, que é sinônimo de felicidade, que quem bebe se solta e é mais bem aceito nos círculos sociais. O que está ocorrendo é que adultos e jovens estão bebendo muito, sem controle. A exemplo do tabagismo, que caiu 35% nos últimos 20 anos, acho que temos de tomar medidas drásticas, como a abolição das propagandas de bebidas, hipertaxação para bebidas, fazer a contrapropaganda, falando dos males do álcool no organismo, e punindo severamente para quem vende álcool para menores de idade”, acrescenta.
Ana Cecilia Petta Roselli Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudo do Álcool e Outras Drogas (Abead) - Medidas isoladas
“Embora o Brasil tenha aprovado, em 2007, a Política Nacional sobre o Álcool e Outras Drogas, na prática, o que se tem são medidas isoladas e de alcance reduzido. Aqui, quem dita a política do álcool é a indústria. Um exemplo é a Copa do Mundo: cedendo à pressão da Fifa, o país liberou a venda de bebida alcoólica nos estádios. Na minha avaliação, para ser bem-sucedida, uma política de combate ao álcool tem de incluir ações de prevenção, tratamento
e controle da oferta. Infelizmente, a mulher está replicando o comportamento dos homens em relação ao cigarro, ao álcool e a outras drogas”.