Quem está na batalha pelo emagrecimento há algum tempo já deve ter aprendido a desconfiar de dietas que prometem “o dobro da perda de peso” e garantem “resultados rápidos”. Geralmente os primeiros meses correm às mil maravilhas e depois os quilos perdidos retornam, multiplicando a frustração. A última representante dessa linha é a 'Dieta do DNA', que promete indicar, após um exame de mapeamento genético - feito a partir da saliva, realizado nos EUA, e cujo resultado sai em 40 dias - quais alimentos e exercícios são os mais adequados para cada um, de forma personalizada.
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A Dieta do DNA
O cirurgião e gastroenterologista especializado em obesidade Bruno Sander Queiroz explica que a proposta da dieta do DNA é, em parte, correta. Considerando determinados fatores genéticos, há exercícios mais indicados e alimentos que devem ser evitados, assim como nutrientes que precisam ser priorizados. “Há determinadas pessoas que têm maior tendência a desenvolver massa magra naturalmente, por exemplo. E outras que têm mais dificuldade. Isso faz parte do perfil genético do indivíduo”, completa Sander.
Entretanto, o médico lembra que há outros fatores determinantes. “Um exame genético sozinho não pode determinar o que alguém pode ou não comer. Não existem estudos científicos suficientes para comprovar esse método e é muito prematuro afirmar que esta é uma solução viável”, avalia o especialista. Segundo Sander, há relatos de pacientes que receberam a notícia, a partir do perfil genético, de que poderiam comer chocolates e doces à vontade, por exemplo, uma vez que seu metabolismo teria alta capacidade de absorção e não haveria tanto ganho de peso. “É arriscado demais seguir esse raciocínio. O mérito do emagrecimento deve ser colocado na mudança de hábito”, ressalta o gastroenterologista.
O especialista pondera que é perigoso, a partir de um exame, indicar uma 'fórmula'. “O estilo de vida e a forma como um gene se expressa no organismo variam de pessoa para pessoa e interferem nos resultados. Essa é mais uma daquelas modas que veio dos EUA – há laboratórios por lá lucrando com os testes e com o marketing em torno do programa de emagrecimento – mas que na prática acaba sendo uma dieta de celebridades como todas as outras – grandes promessas, muitas frustrações e dinheiro gasto desnecessariamente”, afirma Sander. Segundo ele, o exame está disponível há cerca de dez anos, mas chegava a custar R$10 mil. Agora que o preço deixou de ser tão proibitivo – menos de R$1.500 – a tendência se alastrou nos consultórios, revistas e academias.
O médico não descarta, no entanto, a hipótese de que o exame genético possa contribuir para que a pessoa acredite, finalmente, que precisa mudar seus hábitos. “Pode ajudar aquelas pessoas que já tentaram várias fórmulas e nada deu certo para o emagrecimento. É possível que a crença no resultado incentive a pessoa a seguir o novo estilo de vida à risca. Por outro lado, se ainda assim não conseguir o efeito desejado, a tendência será culpar o exame”, acrescenta.
Sander faz uma comparação com a Dieta Dukan – muitas pessoas têm resultados positivos simplesmente porque passam a comer de forma mais saudável que antes. Ainda que o cardápio indicado pelo médico franco-argelino não seja o ideal. “Acredito que essa dieta do DNA, da maneira como está sendo proposta, vai entrar e sair da moda assim como a do tipo sanguíneo, que virou febre e depois caiu no esquecimento. Nada é mais saudável que a reeducação alimentar associada à atividade física. E nada muito extremo funciona por muito tempo”, define o gastroenterologista.
Fora do Brasil, a dieta do DNA também é alvo de grande desconfiança. José Carlos Perales, doutor em bioquímica pela Universidade de Barcelona e autoridade no estudo do diabetes e terapia gênica, destaca que um dos grandes problemas para determinar o tratamento da obesidade é justamente a complexidade das causas. “Para determinar até que ponto a herança genética influencia o sobrepeso, faltam ainda estudos mais aprofundados. Por exemplo, com gêmeos idênticos. O enfoque genético não é suficiente; e a quantidade de genes analisados no exame mais comum, muito menos”, explica o professor.
“O máximo que podemos dizer a partir de um exame genético são tendências. Futuramente, sim, teremos mais avanços no tratamento e prevenção de enfermidades - como a celíaca e o diabetes - pela alimentação, mas deixando bem claro que a genética do indivíduo não será alterada. Só se influencia a forma de expressão e interação com outros genes”, esclarece. “Ainda que a manipulação genética possa ser realidade em gerações futuras – mas não para toda população, devido aos custos – em uma batalha entre bons genes e maus hábitos, geralmente vencem os segundos”, define o pesquisador espanhol.
Novo protocolo
Andrezza Botelho, nutricionista funcional de São Paulo e entusiasta do método, defende que os marcadores e estudos genéticos selecionados para esse exame representam a melhor e mais recente pesquisa em relação à dieta, nutrição, exercício físico e condições metabólicas. “São informações personalizadas baseadas na genética e estilo de vida, que servem para ajudar a alcançar os objetivos como perda ou manutenção de peso, obter o máximo de benefício da atividade física, aperfeiçoar e equilibrar a nutrição” explica. “Com um protocolo especifico, é fácil detectar o que o paciente pode ou não ingerir, quais exercícios devem realizar e qual caminho seguir dali por diante. O profissional que solicita esse tipo de exame deve entender de nutrigenética e nutrigenômica. Traduzir todas essas informações é essencial”, comenta.
A nutricionista explica que este tipo de exame é indicado a pacientes com resistência à perda de peso, que fazem exercícios e não obtêm resultados. Seria opção ainda para indivíduos com alterações metabólicas, pessoas com deficiências nutricionais não revertidas por meio de alimentação ou suplementação; e também pessoas obesas. A dieta pode, segundo a profissional, ser adotada por um longo período de tempo, desde que acompanhada por um profissional periodicamente.
DNA aliado da nutrição
A nutricionista clínica e esportiva Fernanda Dias concorda que existe uma conexão real e de grande potencial entre o DNA humano e a nutrição. Mas não é uma dieta milagrosa, a partir de um exame. “Uma coisa é realizar o mapeamento genético, que realmente pode trazer informações riquíssimas sobre a saúde de cada indivíduo. Mas a outra coisa é a forma como cada gene vai se expressar dentro do nosso organismo ao longo da vida”, explica Fernanda.
Para ela, é muito prematuro dizer que já existe uma dieta do DNA personalizada para cada um. Apenas 0,1% do mapeamento de uma pessoa será diferente em relação ao da outra. Os outros 99,9% são iguais para todos os seres humanos. E é nesse 0,1% que se concentram os esforços para uma atuação individualizada não só da nutrição, como de todas as ciências da saúde, relata a profissional. “Será possível, no futuro, até desenvolver um medicamento específico para cada indivíduo. O alcance vai muito além da dieta e da nutrição”, aponta.
Segundo a especialista, ainda não houve nem tempo hábil para um detalhamento completo da expressão genômica humana. “Ainda estamos no início dos estudos sobre a intervenção da dieta nos genes de cada indivíduo. O Projeto Genoma Humano alcançou a marca de 25 mil genes, que correspondem a 400 mil proteínas. Mas ele mostra, por enquanto, apenas a matriz do DNA, e não seu comportamento futuro. É cedo para dizer o que você pode ou não comer, baseado em seu perfil genético”, pondera a nutricionista.
O que existe de real na dieta do DNA nada tem a ver com um pacote pronto vendido por uma empresa. “Há compostos nutricionais bioativos, os CBAs, que já demonstraram poder para interferir na forma como um gene se comporta ao longos dos anos, prevenindo e tratando doenças crônicas, como hipertensão, aterosclerose, osteoporose e diabetes. Isso representa um potencial enorme inclusive para a saúde pública, porque essas enfermidades são uma das principais causas de morte na população mundial”, pontua Fernanda.
A forma como determinados CBAs podem interferir na expressão dos genes ao longo da nossa vida é o alvo da nutrigenômica (veja mais abaixo). Apesar de o estudo internacional sobre o Genoma Humano ser jovem – vai completar 11 anos em 2014 – já existem conhecimentos associados à nutrigenômica sendo aplicados pelos profissionais de saúde há mais tempo. “Crianças rastreadas com a doença congênita fenilcetonúria pelo teste do pezinho, por exemplo, podem receber uma dieta especial, com controle do consumo proteico”. Veja outros exemplos vinculados à nutrigenômica que você pode aprender já, na galeria de fotos.
Pode ajudar, mas não é indispensável
Fernanda considera que o 'exame da moda' pode até ajudar na definição de um cardápio, considerando mais as possibilidades de uma vida saudável do que necessariamente o emagrecimento. “Vamos pegar como exemplo o gene PPAR-y. Na sua expressão, ele pode privilegiar o acúmulo de colesterol e favorecer cardiopatias. A pessoa que identificar essa característica no mapeamento pode, portanto, evitar alimentos ricos em gordura. Lembrando que seria só evitar; e não retirar completamente das refeições”, enumera.
A nutricionista alerta, no entanto, para o fato de não haver necessidade de pagar um exame caro e comprar um pacote para aplicar princípios da nutrigenômica. E muito menos tomar medidas radicais. “Fatores externos podem alterar a atividade do gene ao longo da vida. Se uma pessoa tem risco maior de desenvolver a diabetes, podemos pensar em um cardápio para minimizá-lo. A não ser que o problema em questão seja intolerância à lactose, por exemplo, que determina ações drásticas, nunca devemos atuar como se a pessoa já tivesse a doença, eliminando totalmente alimentos da rotina”, exemplifica a nutricionista.
Se há condições financeiras, Fernanda não é contra a realização do exame, mas aposta nele como ferramenta acessória. “Com mapeamento ou não, o que devemos fazer é manter o padrão de qualidade de vida com um bom cardápio e rotina de atividades físicas, balanceamento de nutrientes e boas noites de sono”, frisa. Isso vale, é claro, para quem não tem qualquer gene indicativo de doenças. “E mesmo para quem tem, isso não é uma sentença, ou seja, ter o gene não garante que você vá desenvolver qualquer distúrbio. É apenas uma probabilidade”, reforça a nutricionista.
De acordo com a especialista, não existe 'a corrida do ouro do mapeamento genético'. “Por meio das consultas tradicionais, desde que realizadas com atenção e cuidado, é possível trabalhar a utilização de compostos bioativos. Com o mapeamento normal de risco e os exames bioquímicos regulares, já temos um cenário real de como funciona o corpo de cada um, podemos montar um plano de emagrecimento sudável e prevenir doenças. O sobrepeso e a obesidade são vinculados a várias razões, e não só à genética”, conclui a profissional.
Epigenética – modificação na forma como os genes se expressam ao longo da vida, ou seja, nosso ciclo de vida diante dos fatores ambientais e individuais, como a exposição a alimentos e à poluição. O DNA, que define nossa cor de cabelo e de olho, por exemplo, permanecerá intacto, mas a expressão dos genes pode ser afetada.
Por muitos anos, considerou-se que os genes eram os únicos responsáveis por passar as características biológicas de uma geração à outra, mas hoje os cientistas sabem que variações epigenéticas adquiridas durante a vida de um organismo podem ser passadas aos seus descendentes. A herança epigenética depende de pequenas mudanças químicas no DNA e em proteínas que envolvem o DNA. Evidências científicas mostram que hábitos de vida e ambiente social podem modificar o funcionamento dos genes.
Nutrigenômica - ciência que investiga a relação entre a nutrição e o mapeamento genético, identificando compostos bioativos que podem prevenir e tratar doenças. A ideia é descobrir a melhor maneira de influenciar a epigenética. A nutrigenômica busca potencializar a qualidade de vida por meio da alimentação.
Nutrigenética - estudo da constituição genética de cada pessoa e observação de suas reações em resposta à dieta. Campo emergente nas ciências da saúde, considerado uma das fronteiras da era pós-genoma.
Dieta para todos?
Para criar o regime anunciado como 'Dieta do DNA', a empresa britânica DNA Fit diz se basear em uma ampla pesquisa, realizada em parceria com a Universidade Newcastle, com a participação de 7.700 pessoas, na Dinamarca. Os participantes estavam próximos dos 40 anos de idade.
Nove entre dez voluntários perderam peso durante o período do estudo. Alguns chegaram a emagrecer de 5 a 11 kg em quatro meses, o que seria o 'dobro de uma dieta comum'.
A partir deste estudo, foram criados os 'pacotes' de exame, dietas e exercícios vendidos aos clientes como uma fórmula individualizada para o emagrecimento, de forma equilibrada e constante.