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Para ele, aposentar-se sempre esteve fora de cogitação: “Quero morrer em pé, trabalhando. Se eu parar, meu cérebro atrofia”. Quando foi obrigado a deixar o emprego no Hospital Materno Infantil de Brasília, o Hmib, com a aposentadoria compulsória, aos 60 anos, ele passou a preencher aquele tempo com atendimentos voluntários no Na Rede Sarah de Hospitais e continuou atendendo em sua clínica no Lago Sul. Segundo ele, permanecerá atuando na medicina enquanto seu corpo e sua mente estiverem bem. E ele acredita que são o trabalho e os estudos que o mantêm assim.
Estudo publicado, no ano passado, pelo centro de pesquisas da Institute of Economics Affairs (IEA), de Londres, na Inglaterra, confirma o que o oftalmologista defende: a aposentadoria levaria a um “drástico declínio da saúde” a médio e longo prazos. De acordo com o trabalho, as pessoas deveriam trabalhar por mais tempo por questões de saúde física e mental.
A pesquisa comparou as pessoas que se aposentaram com a idade mínima necessária com as que continuaram a trabalhar mesmo depois de aptas a saírem de cena. A descoberta foi que há uma pequena melhora na saúde e na qualidade de vida imediatamente após a aposentadoria, mas uma queda significativa no funcionamento do organismo desses indivíduos a longo prazo. Segundo a pesquisa, a aposentadoria pode elevar em 40% as chances de se desenvolver depressão, enquanto aumenta em 60% a possibilidade do aparecimento de um problema físico. O resultados são os mesmos tanto para homens quanto para mulheres.
Se, por um lado, segundo a Organização Mundial de Saúde, a depressão é uma das maiores causas de aposentadoria por invalidez, por outro, aposentar-se pode ter um efeito desastroso para muita gente. É importante se sentir útil. “Cabeça vazia, oficina do diabo”, já dizia o ditado. A psiquiatra Célia Petrossi Gallo acredita que o problema da depressão ou a simples tristeza ao aposentar-se acontece, principalmente, com aquelas pessoas que passaram muito tempo com a vida focada em uma atividade só: o trabalho. Por isso, para ela, é importante que todos construam uma base com várias atividades ao longo da vida. “Deve-se ter um vínculo de amizade fora do trabalho, para não se sentir afastada das pessoas quando parar de encontrar os colegas na empresa todos os dias, e ter atividades de lazer fazem parte da prevenção e da promoção da saúde mental. Isso tanto para trabalhadores quanto para aposentados”, alerta a médica.
Em média, o brasileiro aposenta-se aos 53 anos. Para os homens, isso significa mais de 20 anos afastado do emprego. Para as mulheres, quase 30, de acordo com os dados do IBGE sobre a expectativa de vida do brasileiro — de 74,6 para homens e de 78,3 para mulheres. Isso faz com que muitos considerem o Brasil um país de jovens aposentados, já que, aqui, não há idade mínima para a aposentadoria — homens podem parar de trabalhar após 35 anos de contribuição previdenciária e mulheres, 30 anos.
Em países da Europa, como Alemanha, Holanda, Espanha e Dinamarca, para se aposentar, o trabalhador deve ter, pelo menos, 67 anos. O Reino Unido deve, até 2020, implantar a idade de 68 anos para acompanhar o aumento da longevidade e amenizar os deficits fiscais. Lá, uma pesquisa realizada pela Association of Consulting Actuaries sugere que um em cada quatro trabalhadores se aposentará aos 70 anos em 2028. Mesmo assim, para Adriane Bramante, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, não dá para comparar o Brasil com os países desenvolvidos: “Um aumento na idade da aposentadoria é positivo, mas a idade média da aposentadoria do brasileiro não deve mudar muito nos próximos 16 anos. Ainda nem conseguimos aprovar a idade mínima de 60 anos, há 15 projetos em discussão no Congresso”.
Ela se preocupa, principalmente, com o orçamento da Previdência Social — afinal, segundo o IBGE, em 2025, haverá 52 milhões de idosos no país. Mas também há a discussão levantada pela pesquisa da IEA sobre a saúde mental e física desses jovens aposentados. Alguns deles, porém, aposentam-se e passam a ocupar a agenda livre com atividades que não tinham tempo para praticar quando trabalhavam: academia, escola de línguas, de música, viagens etc. Outros, ressalta Adriane, resolvem se dedicar a outra profissão. “Se pensarmos pelo lado produtivo, um trabalhador com 53 anos de idade está no auge da vida profissional. A experiência nos mostra que os trabalhadores se aposentam e continuam a trabalhar, fazendo do benefício da Previdência Social uma segunda renda”, analisa.
João Eugênio pretende praticar a mesma profissão até quando corpo não aguentar mais. Apaixonado pelo trabalho e saudável, estar ativo até hoje e na mesma profissão faz dele uma exceção. A esposa, inclusive, já sabe: “Minha primeira paixão é a medicina. A segunda é ela”. Quanto ao restante da família, um filho e um neto seguiram a carreira de João Eugênio.
Redescobrindo-se
Aventurar-se em outra profissão ou conseguir outro emprego pode ser um longo caminho de autoconhecimento. Normalmente, não ocorre de um dia para o outro. Nesses casos, haja reflexão. Muita gente só então percebe o quanto fazia pelo trabalho e o quão pouco fazia por si mesmo. Pode ser interessante se dar um tempo de folga para se dedicar com afinco a não fazer nada e colocar os pensamentos em ordem, sugere o coach Homero Reis, que dá consultoria para aposentados. Mas, depois, sair da inércia, levantar-se do sofá e ir atrás do que fazer é imprescindível e vai exigir uma dose a mais de força de vontade.
Quando a aposentadoria ocorre por causa de algum problema de saúde, a autoestima pode ficar abalada, mas Reis alerta: “Tem que colocar na cabeça que tua saúde te proíbe de exercer aquela atividade em questão, mas tem várias outras possíveis. Pode ser difícil, mas é questão de costume”. Foi o caso do médico Paulo de Tarso Rodrigues Alves, 66 anos, que, após se aposentar aos 52 anos por motivos de saúde, deu a volta por cima e viu que poderia se dedicar a outra coisa, ainda na medicina. “Eu era muito novo ainda, não precisava ficar parado”, conta.
Como ginecologista e obstetra, atividade que exerceu a maior parte da vida, ele passava longas horas em cirurgias. Em 2000, a saúde de Paulo de Tarso já não permitia que exercesse essa atividade. Ele passou um ano aposentado, mas se sentindo ainda extremamente novo para estar inativo. Com uma base de medicina muito boa fornecida pelos anos de faculdade e pela experiência com gestantes, Paulo começou, no ano seguinte, um curso em outra especialização, mais clínica, sem cirurgias: medicina da família. Começou a participar de um programa do governo que levava médicos a pequenas cidades do interior com baixos indicativos de saúde. No primeiro ano, chegou a trabalhar em uma ilha no nordeste do Maranhão. Uma vez por mês, o grupo dele ia à capital, São Luís, para ter uma semana de aulas teóricas.
Quando voltou a Brasília, continuou a trabalhar com medicina da família em zonas rurais do DF. Foram cerca de 12 anos a mais de trabalho desde a primeira aposentadoria. Finalmente, “em 20 de junho do ano passado”, como bem guarda a data, ele se aposentou de novo e definitivamente, sentindo-se seguro com a decisão.
Paulo de Tarso sempre se interessou por fotografia. O trabalho, no entanto, não permitia que ele se empenhasse tanto quanto queria na área. Os fins de semanas — não tinha mais tempo que isso — costumava passar no sítio. Desde a segunda aposentadoria, porém, ele pôde se dedicar mais aos cliques. Seu perfil no Instagram já tem quase 800 seguidores. Em vez de só os fins de semana, agora, Paulo passa pelo menos quatro dias por semana no sítio, onde tem algumas vacas, ovelhas, galinhas e muitas plantas. Outra mudança desde a aposentadoria na vida de Paulo foi no endereço: mudou-se da Asa Sul para Águas Claras — uma estratégia tanto para ajudar os filhos a terem seus próprios apartamentos quanto para estar perto deles e dos netos. Sem a obrigação de estar no trabalho nos horários comerciais, de pico, o trânsito não é um problema para ele como é para tantos moradores de lá.
Mais tempo para se dedicar ao que gosta
De olho na necessidade de o aposentado se sentir útil e distraído, atualmente, diversas empresas (como o Hospital Universitário de Brasília e o Banco do Brasil) se adiantam e dão cursos e palestras a funcionários em vias de se aposentar para que arranjem outras atividades que preencham o tempo em que estariam trabalhando. No Paraná, foi criado o Clube dos Desaposentados, que dá cursos — inclusive on-line — preparatórios para a aposentadoria. A ideia foi de Armelino Girardi, graduado em administração de empresas, com pós-graduação em recursos humanos, e ex-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, seccional do Paraná. Autor de livros como Desaposentado: melhor agora e coautor de Agora e sempre a vida é um projeto — Uma visão ampliada da vida, ele defende que a aposentadoria não é um fim, mas um recomeço. “Apenas o primeiro tempo de uma partida de futebol”, compara. “O desaposentado é alguém ativo, que tem sonhos, ideais e está vivo”, completa.
Até programas de coaching para aposentados já existem. A ideia é fazer com que essas pessoas descubram outras atividades das quais gostem e nas quais sejam boas — remuneradas ou não, como profissão ou apenas lazer. Isso varia com a personalidade de cada um. “Alguns nem sabem que querem trabalhar com outra coisa e acabam descobrindo. Outros percebem que só querem curtir a vida, mas, mesmo para isso, é preciso se planejar. É preciso se ocupar”, explica o coach Homero Reis.
Para o engenheiro Jurandir Garcia, 50 anos, a trajetória de autoconhecimento começou antes mesmo de ele se aposentar do primeiro e atual emprego, daqui a dois anos. Já se foram mais de 90% do tempo de serviço necessário e a expectativa é grande. Ver os amigos, dia após dia, aposentando-se dá até uma inveja (boa) — motivo de celebração. É o alívio de não ter aquele compromisso diário, que ele deve realizar daqui a uns dois anos.
A perspectiva de se aposentar se tornou ainda mais interessante desde que Jurandir se mudou com a família para Portugal, há alguns anos. Eles permaneceram no país europeu durante dois anos — o suficiente para que os interesses do engenheiro se expandissem. Ele, que sempre trabalhou com exatas e redes de computadores, passou a se encantar pelas ciências humanas, em especial, por história. “Ficar lá esse tempo representou uma descoberta das nossas origens. Muita coisa sobre o modo de ser do brasileiro ficou clara para mim ao conhecer o do português. Coisas boas e ruins”, conta. Desde que voltou, ele já fez uma pós-graduação em história. Após se aposentar, pretende dar continuidade aos estudos e aprofundar um pouco mais. Quem sabe, fazer um mestrado na área.
Lá, ele também começou não só a apreciar, mas a se dedicar mais à gastronomia, aos vinhos e às viagens. Estar aposentado, ele imagina, vai permitir que ele desenvolva melhor esses conhecimentos — embora ele já faça um bacalhau em postas com batatas ao murro, tipicamente português, para patrício ou brasileiro nenhum colocar defeito. Com tempo disponível, com um filho e outros parentes morando em Minas Gerais e com uma propriedade rural cuidada por um meeiro (quem cultiva um terreno de outrem, com quem tem de dividir o produto resultante), ele planeja estar sempre em trânsito, viajando daqui para lá e dando atenção a todos. Ele brinca que a mulher ficará morrendo de vontade de se aposentar também.
Para Jurandir, é impossível se imaginar completamente improdutivo tão novo. Não é o que pretende com a aposentadoria. A ideia é trabalhar um pouco menos e com mais liberdade para fazer outras atividades ao mesmo tempo. No trabalho, ele vive resolvendo “pepinos” da empresa, mas, às vezes, percebe que lhe resta pouco tempo para resolver os dele. Ele pensa em fazer, eventualmente, sondagens para empresas, já que tem o know-how de 31 anos para tal, e dar aulas em faculdades — ocupação nova, mas que garante que fará bem e feliz. “Eu gosto de estar dentro da sala de aula, passar experiências além da parte técnica. Vai ser quase uma troca de ofício.” Antes de tudo isso, ele brinca, quer ficar uns três meses à toa: “Quem sabe na França, tomando vinho nacional”.
De bem com a vida e com o corpo
Como Armelino Girardi e Homero Reis deixam claro, as novas atividades pós-aposentadoria não precisam, necessariamente, ser profissionais ou remuneradas. Podem ser a hora de cuidar de si mesmo, da saúde. E, nesse caso, não tem como a aposentadoria fazer mal. O problema, segundo os especialistas, é não se ocupar com absolutamente nada. “Algumas pessoas percebem que estavam sem se cuidar durante o tempo de trabalho, precisam ir a médicos, nutricionistas e começar a fazer exercício — uma das coisas que é mais deixada de lado por causa do cotidiano do trabalho”, ressalta Girardi.
Márcia Camargo, 58, advogada, considera que se aposentou cedo, entre os 45 e os 48 anos, em Goiânia. Foi uma época de insegurança entre os servidores públicos, surgiam novas leis em relação à aposentadoria e muita gente achou que era melhor sair de cena antes de perder alguns direitos. Ela ficou angustiada quando começou a considerar parar de trabalhar. Não sabia se seria a melhor opção. Pegou todas as licenças-prêmio que tinha e tirou um tempo para pensar. “Eu nunca tinha faltado um dia de trabalho, gostava de trabalhar, me sentia compromissada. No fim de semana, eu só pensava em me arrumar para a segunda-feira”, conta.
Chegou à conclusão de que, aposentando-se, teria tempo para pintar, fazer artesanato e ler tudo que sempre quis. No fim, arranjou tantas outras coisas para fazer que não sobrou tanto tempo para essas atividades. Imediatamente após largar o emprego, foi convidada a lecionar na Universidade Católica de Goiânia — atividade que exerceu por um certo tempo, até decidir que queria voltar para Brasília, onde havia morado até se casar. Aqui, seu primeiro emprego tinha sido no Palácio do Planalto, durante o Regime Militar. De tão apegada a amizades, ela mantém contato com a chefe da época até hoje.
De volta à capital, ela começou a fazer cursos de inglês, de artesanato e de desenho. Hoje, sua maior dedicação é à própria saúde. A manhã é comprometida com a academia. Faz musculação, com personal trainer, e hidroginástica. De vez em quando, também tem sessões de massagens. A alimentação também é regrada. À tarde, ela se dedica a ajudar a mãe. Se ela tiver algo para resolver — ir ao banco, por exemplo — Márcia acompanha. A casa também a deixa bastante ocupada. “Faço buraco na parede, descubro infiltração”, orgulha-se. Ela mesma arruma a casa. Com a vida movimentada, não considera colocar uma diarista, já que quase não fica em casa. Quando está livre, aproveita para ler.
Outro costume que adotou desde que se aposentou são as viagens internacionais que faz com a filha, companhia garantida. A última foi para Nova York. Para Márcia, existe a fórmula da felicidade na aposentadoria: ocupar-se, estar perto da família — ela mora com a filha e o genro —, ter um plano de saúde confiável e aceitar o que a vida traz sem pessimismo.
Planejar é preciso
Enquanto muita gente sonha com a aposentadoria, outros têm receio desse momento, que pode significar se afastar de colegas, sentir-se improdutivo. Muitos se aposentam de repente, sem planos, outros pensam muito antes de tomar tal decisão. O risco de se arrepender não é pequeno, considerando os dados sobre a queda na qualidade de vida dos aposentados. O segredo, segundo o coach Homero Reis, é se planejar e descobrir atividades interessantes e agradáveis, sejam elas profissionais ou não.
Rita Nardelli, 57 anos, jornalista, já poderia ter se aposentado há dois anos por tempo de serviço, mas sabia que ainda era nova e decidiu permanecer. Achava que poderia, simplesmente, tornar-se uma pessoa desinteressante, sem assunto. Ela precisava de projetos para colocar em prática quando parasse. Ficar à toa seria seu maior pesadelo. “Brasília não é uma boa cidade para isso. Se fosse no Rio, com praia, com uma vida cultural grande etc...”, compara. Outro ponto que Rita levava em conta era o círculo de amizades que mantém no trabalho: “Naturalmente, as pessoas que se aposentaram se afastaram. Mantenho contato com poucas”. Ela gosta das pessoas, e se distanciar não era uma opção.
Agora, porém, Rita já vê a aposentadoria como uma possibilidade. Talvez ainda este ano. Desde 1991 trabalhando no Senado Federal, ela sente que o trabalho se tornou estressante demais para a atual fase da vida. A jornalista já produziu alguns filmes e, recentemente, foi convidada a participar da produção de alguns curtas e de um longa — o que já lhe manteria bastante ocupada em tempos de aposentadoria. Convites para projetos não lhe faltam. Ciente do talento e da facilidade de Rita com a escrita, uma amiga já a pediu também para que ela fosse sua ghost-writer. Agora, sim, ela sente que está pronta. Como os projetos não são todos ao mesmo tempo, eles garantem anos de distração criativa e produtiva.
Rita já vislumbra, como aposentada, a possibilidade de fazer ainda mais coisas que lhe dão prazer, como viajar, ir mais ao cinema, voltar às aulas de piano. Sem tempo para ler, uma grande coleção de clássicos da literatura lhe espera. Outra intenção de Rita é dedicar mais tempo aos pais, idosos, à filha e até a pessoas carentes que possam precisar dela. “Já que vou ter um tempo livre remunerado, acho que posso fazer alguma coisa útil pelas pessoas”, considera. Ela se espelha na mãe, sempre muito trabalhadora e que tinha o costume de alfabetizar cada doméstica sem escolaridade que contratava. Ela acabou criando um projeto de alfabetização de jovens no Paranoá. Rita considera seguir os passos da mãe nesse sentido e se tornar voluntária de algum projeto ou criar o seu próprio.