Investigar essas mutações desde o início da epidemia, em 1979, foi uma missão que o grupo de pesquisadores liderado por Zabrina Brumme, da Universidade de Simon Frasier, no Canadá, tomou para si, e novos resultados desse longo trabalho acabam de ser publicados na revista PLOS Genetics. As conclusões apontam que, apesar da capacidade de adaptação do vírus, ela não deve atrapalhar a produção de vacinas contra a enfermidade.
Isso se deve ao fato de um dos principais objetivos do vírus ser, por incrível que pareça, o de não causar a doença. O patógeno sabe que, nesse caso, uma poderosa resposta de defesa será disparada, dando início a batalhas que podem ser vencidas ou não por ele. Essa estratégia é necessária se o micro-organismo quiser atingir sua meta: a multiplicação livre e acelerada por todas as células do corpo. Assim, esse processo ocorre de forma gradual. Se o sistema imunológico consegue controlar um pouco a multiplicação viral, o HIV percebe que é hora de se transformar um pouco.
Longo prazo
O que a equipe de Brumme buscava descobrir no início das investigações era se as mutações se tornariam mais comuns ao longo dos anos. Para isso, eles resgataram amostras de HIV de 358 pacientes ainda no início da epidemia nos Estados Unidos e no Canadá, de 1979 a 1989, nas cidades mais atingidas: Nova York, Boston, São Francisco e Vancouver. Também foram analisadas sequências de HIV de 382 indivíduos infectados mais recentemente, entre 2000 e 2011. “Muitas pesquisas têm se concentrado em como o HIV se adapta às drogas antivirais. Nós queríamos investigar de que forma ele se adapta a nós, seu hospedeiro humano ao longo do tempo”, explica a cientista. Também participaram da pesquisa colegas do centro de excelência em HIV/Aids da Universidade de Harvard, o New York Blood Center, e o Departamento de Saúde Pública de São Francisco, ambos nos Estados Unidos.
Com o material genético do vírus nas várias amostras sequenciado, a equipe traçou a evolução do HIV na América do Norte e encontrou algumas evidências de que ele está se adaptando lentamente aos humanos. Foi reconstruída a sequência de HIV epidêmico ancestral para avaliar a propagação de mutações de escape imune na população. Com isso, perceberam que a versão “fundadora” era praticamente idêntica ao subtipo B norte-americano encontrado atualmente. De acordo com o trabalho publicado, os resultados são consistentes com uma lenta adaptação do HIV, mas a uma taxa baixa o suficiente para não produzir implicações negativas iminentes para a imunidade celular, pelo menos na América do Norte. Segundo a equipe de Brumme, essa mudança é tão gradual que é pouco provável que tenha até mesmo um impacto sobre o desenvolvimento de uma vacina, por exemplo.
“O HIV se adapta à resposta imune em formas reprodutíveis. Em teoria, se essas mutações estão se espalhando na população, isso poderia ser uma má notícia para a imunidade do hospedeiro e para o desenvolvimento de vacinas”, detalha a pesquisadora. “Assim como a transmissão dá resistência aos medicamentos, essa condição poderia comprometer o sucesso do tratamento, pois mutações de escape imunológico transmitidas a outros hospedeiros poderiam corroer a nossa capacidade de combater naturalmente o HIV”, completa.
No entanto, essa mutação adaptativa do vírus é muito lenta e não deve atingir fatores essenciais ao combate e à prevenção da infecção. Brumme conclui, em seu artigo, que “já temos as ferramentas para conter o HIV na forma de tratamento — e, continuamos a avançar em direção a uma vacina e a uma cura”. Para ela, é possível que as infecções sejam freadas “antes que o vírus subverta a imunidade do hospedeiro por meio da adaptação de nível populacional”.
O mesmo
Os resultados também foram percebidos de forma positiva para o coordenador do ambulatório de HIV/Aids do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Eduardo Sprinz. Ele explica que essas mutações acontecem ao acaso e podem fazer com que o vírus fique mais à vontade no organismo ou mesmo com que ele não consiga se multiplicar tão bem. “Pode ser bom ou ruim para o organismo. Em grande parte, eles querem saber se, com o tempo, o HIV está sendo mais agressivo ou menos agressivo.” Sprinz lembra que no início da epidemia era muito debatido se, com o passar dos anos, o HIV se tornaria um vírus como o do resfriado comum ou como o destrutivo ebola. “Agora, a gente sabe que, em um período de 20, 30 anos, ele continua sendo praticamente o mesmo.”
O infectologista diz que não há como prever o impacto dessa informação para a pesquisa em tratamento contra a infecção nem quanto ao desenvolvimento de vacinas. “Temos de entender que quanto mais mutações o vírus apresentar, maior vai ser a dificuldade de ter uma vacina efetiva.” A pouca indicação de evolução do vírus pode mostrar que esse não é um obstáculo para encontrar uma vacina — o que é, de certa forma, uma boa notícia. “A questão da pouca evolução também pode indicar que o vírus está e sempre esteve bem adaptado ao ser humano. A epidemia já era de um vírus relativamente bem adaptado ao ser humano. E, se ele está adaptado ao ser humano, a necessidade que ele tem de mutação é bem menor”, pondera.
Imunes ao mal
Chamados na literatura médica de “expostos não infectados”, indivíduos que têm contato com o HIV, mas não são infectados pelo micro-organismo, possuem no corpo mecanismos capazes de barrar a infecção sem qualquer ajuda de medicamentos. O exemplo mais conhecido é de um grupo de cerca de 200 prostitutas encontradas em favelas de Nairóbi, no Quênia, descoberto há mais de uma década. O peculiar sistema imunológico dessas mulheres possui uma célula, conhecida como CTL, capaz de identificar e destruir células infectadas por vírus ou tumores. Na maioria das pessoas, a CTL não consegue vencer o HIV: identifica a infecção e até inicia o combate, mas rapidamente perde a força. Curiosamente, nas mulheres de Nairóbi, a CTL é extremamente eficaz e destrói as células infectadas antes que o vírus se replique no organismo.
Proteção contra o HPV
Estudo divulgado este mês confirma a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que mulheres com HIV devem se vacinar contra outro vírus sexualmente transmissível: o papiloma vírus humano (HPV). Apesar da posição do órgão ligado às Nações Unidas, alguns especialistas permanecem céticos quanto à segurança e à utilidade da medida, argumentando que as pacientes acabariam se expondo ao HPV por terem o sistema imunológico comprometido.
Erna Milunka Kojic, professora de medicina da Universidade Brown (EUA), mediu a segurança e a resposta à vacina em 315 mulheres soropositivas entre 13 e 45 anos, com uma ampla gama de estados imunitários, e moradoras dos Estados Unidos, do Brasil e da África do Sul. Na maioria, o imunizante construiu anticorpos contra o HPV, mostrando-se eficaz portanto, e não trouxe riscos nas 28 semanas seguintes à aplicação. A vacina testada foi a quadrivalente, que protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18 do vírus. “Comparando reações vacinais, esta é uma vacina muito segura”, garante Kojic. “Ela não tem quaisquer efeitos colaterais sistêmicos entre as mulheres que já estão tomando medicamentos para outras doenças”, completou.
Teste genético
Ontem, a agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos (a FDA) aprovou pela primeira vez um teste genético para mulheres com 25 anos ou mais para a detecção do HPV. Ele pode ser usado para ajudar os profissionais de saúde a avaliar a necessidade da paciente em se submeter a testes de diagnóstico adicionais para o câncer cervical. Usando uma amostra de células do colo do útero, o exame detecta o DNA de 14 tipos de HPV de alto risco. (BS)
Erna Milunka Kojic, professora de medicina da Universidade Brown (EUA), mediu a segurança e a resposta à vacina em 315 mulheres soropositivas entre 13 e 45 anos, com uma ampla gama de estados imunitários, e moradoras dos Estados Unidos, do Brasil e da África do Sul. Na maioria, o imunizante construiu anticorpos contra o HPV, mostrando-se eficaz portanto, e não trouxe riscos nas 28 semanas seguintes à aplicação. A vacina testada foi a quadrivalente, que protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18 do vírus. “Comparando reações vacinais, esta é uma vacina muito segura”, garante Kojic. “Ela não tem quaisquer efeitos colaterais sistêmicos entre as mulheres que já estão tomando medicamentos para outras doenças”, completou.
Teste genético
Ontem, a agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos (a FDA) aprovou pela primeira vez um teste genético para mulheres com 25 anos ou mais para a detecção do HPV. Ele pode ser usado para ajudar os profissionais de saúde a avaliar a necessidade da paciente em se submeter a testes de diagnóstico adicionais para o câncer cervical. Usando uma amostra de células do colo do útero, o exame detecta o DNA de 14 tipos de HPV de alto risco. (BS)