O estudo incluiu entrevistas com 1.590 casos confirmados patologicamente de câncer de próstata em um hospital francês de Montreal, entre 2005 e 2009, além de 1.618 controles populacionais, ou seja, que não desenvolveram a doença. Em geral, homens circuncidados tiveram um risco ligeiramente mais baixo, embora não estatisticamente significativo (11%), de desenvolver câncer de próstata do que os não circuncidados. A condição foi considerada realmente protetora em indivíduos circuncidados com 35 anos ou mais. A pesquisa demonstra que, nessa faixa etária, eles têm 45% menos risco de desenvolver câncer de próstata. Um efeito protetor mais fraco foi observado entre os submetidos à cirurgia dentro de um ano após o nascimento (14%). Constatou-se uma proteção ainda maior entre os homens negros circuncidados (60%).
“Nossos resultados fornecem novas evidências para um efeito protetor da circuncisão contra o desenvolvimento do câncer de próstata, especialmente para aqueles circuncidados depois de 35 anos de idade, embora a circuncisão antes de 1 ano também possa conferir proteção”, dizem os pesquisadores. A equipe foi liderada por Andrea Spencer, da Universidade de Montreal, e Marie-Élise Pais e Marie-Claude Rousseau, do Instituto Armand-frappier, da Universidade de Quebec. Eles não sabem qual é o mecanismo que permite a possível proteção com a cirurgia. “Ao contrário da pele que cobre o corpo, a superfície interna do prepúcio é composta principalmente de epitélio mucoso não queratinizado, o qual é mais facilmente penetrável por micróbios que provocam infecções”, explicou Pais. Segundo a pesquisadora, a remoção do prepúcio pode, por conseguinte, reduzir o risco de uma infecção que pode ser associada com o câncer da próstata.
Mais estudos
Em qualquer caso, os cientistas reforçam que o efeito protetor da circuncisão deve ser confirmado por outros estudos. Questão reforçada pelo diretor do Departamento de Uro-oncologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Lucas Nogueira. Segundo ele, algumas pesquisas no passado lançaram essa associação, mas nenhuma comprovou algo real. “São estudos que a gente chama de observacionais. Esse, em particular, chama a atenção pela quantidade de pacientes, mas é apenas observacional. Há várias nuances que precisam ser avaliadas com muito cuidado, além de outros fatores que podem excluir pacientes desse resultado.” Nogueira explica que é preciso saber por que os indivíduos acima de 35 anos foram submetidos à postectomia, como também é chamada a circuncisão.
“Pessoas que fizeram a circuncisão acima dos 35 anos normalmente têm um nível social mais baixo ou são diabéticas. O próprio estudo aventa a possibilidade de o diabetes estar associado com o fator protetor e não com o fato de o tecido ter sido circuncidado.” O diabetes está ligado, em muitos casos, a níveis mais baixos de testosterona circulante, hormônio que, por sua vez, está associado ao câncer de próstata. O urologista Rodrigo Frota, da Sociedade Brasileira de Urologia e do Grupo de Cirurgia Urológica Robótica do Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, ressalta que a postectomia é um importante fator de prevenção no câncer de pênis ao evitar infecções e o acúmulo de bactérias no prepúcio. Porém, ele considera que a relação dela com o tumor na próstata é uma hipótese levantada devido à associação de fatos específicos: a baixa prevalência de câncer de próstata na população judaica, que tem alta ocorrência de circuncisão.
“Não existe explicação científica para um possível fator protetor da postectomia na prevenção do câncer de próstata.” Segundo ele, a cirurgia não está entre os fatores estudados para a proteção, muito menos a ausência dela é associada a uma maior ocorrência da doença. “Importante salientar que vários estudos foram feitos para avaliar fatores dietéticos da população oriental (com baixa incidência de câncer de próstata) como protetores e nada foi encontrado”, ressalta.
Para Arn Migowski, médico sanitarista e epidemiologista do Instituto Nacional do Câncer José de Alencar Gomes da Silva (Inca), a associação entre circuncisão e câncer de próstata tem evidências escassas. Ele acredita ser plausível que a circuncisão possa diminuir um pouco o risco de desenvolver alguns casos de tumores no local, mas por proteção contra as doenças sexualmente transmissíveis (DST). “Porém, os achados do estudo indicam que deve haver alguma proteção além da prevenção das DST. Isso é apenas uma hipótese, que deve ser mais bem investigada, pois pode haver confundimento residual não controlado nas análises.”
Fimose
Da mesma forma, Migowski avalia que o resultado de maior proteção em homens circuncidados após os 35 anos é um achado isolado, que serve apenas para levantar uma hipótese a ser mais bem investigada. Ele explica que, talvez, o efeito tenha sido observado em função de a cirurgia ser indicada para a correção da fimose depois da infância. “Para câncer de pênis, o efeito protetor da circuncisão parece ser maior se houver história de fimose. Essa poderia ser uma possível explicação para o câncer de próstata também. Mas tudo isso são apenas hipóteses.”
A fimose é a dificuldade ou impossibilidade de expor a glande. O objetivo é melhorar a limpeza local e evitar problemas na região, como a bálano-postite — a postite é a inflamação ou infecção do prepúcio e a balanite corresponde ao acometimento da cabeça do pênis. Por esses e outros motivos que a circuncisão diminui o risco de câncer de pênis, uma vez que o mal está muito associado às condições de higiene.
Estudos anteriores mostram que o risco de câncer de pênis é muito pequeno em indivíduos com boas condições de higiene, mesmo sem a realização de circuncisão. Nesse sentido, surgiram algumas evidências de que alguns tipos de infecções podem estar associados, inclusive, ao aumento do risco de desenvolvimento de casos de tumores na região. “O mecanismo mais provável é o papel da inflamação crônica na patogênese e na progressão do câncer de próstata. É possível também que alguns agentes infecciosos tenham um papel direto no processo de carcinogênese (formação do câncer)”, diz Migowski.
O fator de risco mais importante para o câncer de próstata seria a idade, pois é uma doença mais comum em idosos. A disseminação da prática de realização de exames de rotina, como o PSA e o toque retal em homens saudáveis, também aumenta a possibilidade de ter a doença diagnosticada. Isso porque esses exames detectam muitos cânceres que não causariam problemas durante a vida dos homens. Migowski conta que indivíduos com forte história familiar e afrodescendentes também têm o risco aumentado. “Atividade física, fatores dietéticos e obesidade parecem ter um papel no risco de desenvolvimento desse câncer”, complementa.
Proteção ampliada
A circuncisão masculina reduz de 50% a 60% o risco de infecção por HIV em homens e diminui a incidência e a prevalência do vírus herpes simplex 2 (HSV-2) e do papilomavírus humano (HPV). Outros estudos mostraram um certo impacto do procedimento também em infecções bacterianas clássicas transmitidas sexualmente, como clamídia, gonorreia, sífilis e a infecção pelo protozoário causador da tricomoníase. O benefício é estendido às mulheres com parceiros circuncidados. Elas apresentam menos risco de contrair essas DST.
Análises pontuais
“A presença da pele do prepúcio já foi associada ao câncer de pênis e, por causa disso, tentam encontrar uma relação entre a presença do prepúcio e a doença. Esse trabalho afirma que esse câncer em indivíduos negros com mais de 35 anos diminui entre os circuncidados. Porém, existe um trabalho publicado nos Estados Unidos mostrando que o grupo de pessoas que fica livre não é de homens mais velhos, são os indivíduos que fizeram a circuncisão antes da primeira experiência sexual. Existe um outro trabalho na Escandinávia dizendo que circuncidados têm menor chance de ter câncer. O problema desses trabalhos é que são analisadas populações que têm algum tipo de ressalva relacionada ao tema conduzido. Em todos eles, a conclusão é de que se precisa de mais dados para poder definir se essa associação é verdadeira. Como existem infecções que desencadeiam câncer, como o HPV, querem saber se elas têm relação com a presença do prepúcio. Mas ninguém sabe com certeza se isso é verdade. Temos que esperar novos trabalhos que comparem o mesmo resultado e cheguem à mesma conclusão.”
Adriano Francisco Cardoso Pinto,
chefe do Departamento de Urologia do Instituto Brasileiro de Combate ao Câncer (IBCC)