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Implantes auditivos agora são menos invasivos
A terapia gênica é uma das grandes esperanças para tratamentos de recuperação da audição humana. Uma das dificuldades em utilizar a técnica, porém, é encontrar uma maneira de estimular os nervos auditivos na cóclea, parte auditiva do ouvido interno. Para ultrapassar esse obstáculo, um grupo de cientistas australianos utilizou os famosos implantes cocleares como ferramenta de trabalho. “O conceito de terapia gênica tem sido mostrado como promissor no combate à perda de células na cóclea. Nosso avanço está no sucesso do uso do próprio implante coclear como um dispositivo para estimular a terapia genética de forma mais eficiente para a cóclea”, explica Mathias Klugmann, pesquisador do Departamento de Fisiologia da Universidade de New South Wales e um dos autores do trabalho publicado na edição de hoje da revista americana Science Translational Medicine.
Para testar a técnica, os cientistas criaram um aparelho coclear que contém uma pequena sonda com uma solução de DNA composta pelo fator neurotrófico (BDNF) — proteína usada para a regeneração de células humanas. Por meio de correntes elétricas emitidas pelo aparelho, implantado em ratos modificados para ficarem surdos, foi possível estimular os nervos auditivos dos animais. A união da solução e dos impulsos elétricos possibilitou a regeneração do sentido. “A transferência do fator de crescimento do nervo estimula o crescimento de fibras nervosas a partir das células que residem na cóclea. Isso aumenta muito a eficácia do ouvido biônico” explica Klugmann.
Poucas horas após a terapia, as cobaias recuperaram quase totalmente a audição. O pesquisador explica que o aparelho era a peça que faltava para que o estímulo fosse realizado com eficácia. “Em comparação com outras plataformas de entrega de genes, a nova abordagem tem a grande vantagem de proporcionar a entrega segura da solução de BDNF localizada na cóclea”, detalha o cientista.
União de técnicas
Paulo Lazarini, otorrinolaringologista e presidente da Sociedade Brasileira de Otologia, avalia que o experimento australiano se destaca pela estratégia de estimulação dos nervos a partir da junção de duas intervenções muito estudadas. “Temos, nesse trabalho, a união do implante com a terapia gênica. Com o uso de células-tronco, eles formam um trio de alternativas bastante explorado para novos tratamentos auditivos”, destaca.
Klugmann pondera que muito ainda precisa de ser feito para o uso da técnica, apesar de a pesquisa divulgada se destacar pelo sucesso inicial. “Esse foi um experimento que rendeu resultados muito positivos nos animais e que traria grandes frutos caso se repetisse em humanos. Porém, precisamos destacar que as células dos camundongos são diferentes, se regeneram mais facilmente”, compara.
Os sons recuperados por meio dos aparelhos cocleares tradicionais são “eletrônicos”. Segundo Klugmann, apesar de a corrente de implante coclear ser um dispositivo biônico sofisticado, a concepção dela se manteve inalterada nos últimos 20 anos. “Ele utiliza apenas 22 canais para transferir informação de som para o cérebro. Algo pequeno em comparação à capacidade das pessoas com audição normal. Elas têm milhares de fibras nervosas fazendo essa transmissão”, analisa o pesquisador.
Lazarini explica que a percepção auditiva conquistada pelos aparelhos cocleares atuais não consegue recuperar o som de forma tão completa, mas que a terapia australiana, caso tenha o desempenho repetido em humanos, poderá surtir esse efeito. “Ao recuperar os nervos auditivos, a melhora seria bem mais eficiente. É como se você ouvisse uma rádio na frequência AM e FM. Caso melhore a qualidade desses aparelhos, a audição também será beneficiada”, compara o especialista.
Outras aplicações
A técnica proposta pelos cientistas australianos também traz esperanças para tratamentos de um leque ampliado de doenças, já que a solução de BNDF, combinada com outras tecnologias, poderá regenerar células de partes distintas do corpo humano. “Essa tecnologia pode proporcionar tratamentos que melhoram outras aplicações médicas, como implantes de retina (visão biônica) e estimulação profunda do cérebro, usada para tratar o mal de Parkinson”, indica Klugmann.
Segundo Rogério Hamerschmidt, otorrinolaringologista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a possibilidade de se tratar outros problemas de saúde com a mesma técnica é justificada pela ação das neurotrofinas. “O fator neurotrófico pode estimular qualquer tecido do corpo a se regenerar. Acredito que, não a curto prazo, mas futuramente, caso essa técnica seja adaptada, ela poderá ser utilizada como auxiliar em tratamentos de problemas de coluna, do fígado e até do coração. Pessoas que tiveram infartos teriam as fibras do órgão restauradas com essa estratégia”, exemplifica.
Um dos próximos passos da equipe australiana é descobrir detalhadamente o funcionamento da regeneração dos nervos auditivos a fim de refinar a técnica de reconstituição proposta. “Muito pouco se sabe sobre o tipo de célula que é mais permissivo para o nosso paradigma de distribuição, uma vez que são essas estruturas, após a absorção do DNA, que servem como biofábricas para a produção de neurotrofina. Vamos estudar a natureza delas para melhorar o design da nossa terapia genética”, adianta Klugmann.
Bons efeitos com retina artificial
Cego devido a uma doença hereditária, Roger Pontz, 55 anos, recebeu uma retina artificial e voltou a enxergar. O americano é um dos quatro pacientes submetidos ao tratamento promissor no Centro Kellogg de Visão da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Aprovado no ano passado pela agência americana que regula alimentos e drogas, a FDA, o olho biônico emite impulsos que estimulam as células saudáveis da retina, permitindo o resgate da visão.
No caso de Pontz, vítima de uma retinite pigmentosa — um conjunto de doenças hereditárias que causam a degeneração da retina —, o olho biônico foi implantado do lado esquerdo. Para o funcionamento do aparelho, ele também utiliza óculos, que têm uma pequena câmera de vídeo e um transmissor. As imagens da câmera são convertidas em impulsos elétricos, enviados aos eletrodos que formam a superfície da retina artificial.
Esses impulsos servem como estímulo às células saudáveis da retina, que transmitem o sinal para o nervo ótico. A informação visual passa para o cérebro, onde é traduzida em padrões de luz, que são reconhecidos e interpretados. A nova retina permite que o implantado recupere apenas algumas informações visuais, mas, ainda assim, pode auxiliar a vida de quem tem cegueira total. “Isso é uma grande mudança no sentido de alguém que perde toda a visão. Agora, há um tratamento que pode lhe dar uma visão rudimentar”, declarou à imprensa Thiran Jayasundera, professor de oftalmologia da Universidade de Michigan e um dos médicos responsáveis pelo implante.
Pontz, que é trabalhador de uma fábrica, recebeu o implante em janeiro. Desde então, tem sido monitorado pelos cientistas. Depois de um ano cego, ele conta estar se acostumando a enxergar detalhes. “Isso não tem preço. Vale muito (…) É excitante, emocionante. Vejo algo novo todo dia”, disse, em entrevista ao jornal Telegraph.