Allyson Friedman, Ming-Hu Han e a equipe liderada partiram de estudos anteriores mostrando que camundongos com depressão apresentam uma elevação nas correntes dos canais de cátions. Como resultado, os neurônios de dopamina da área tegmental ventral (ATV), localizada no mesencéfalo, podem se tornar hiperativos e, como consequência, deixar os roedores deprimidos.
A comunicação entre neurônios se dá por meio da sinapse, estímulos que passam de uma célula nervosa para a outra por meio de mediadores químicos, conhecidos como neurotransmissores. As sinapses podem ser excitatórias e inibitórias e são resultado do transporte ativo de íons para dentro e para fora da célula, os chamados canais iônicos. Esses canais são como comportas, abrem e fecham de acordo com estímulos físicos, químicos, mecânicos ou eletromagnéticos. Existem dois tipos de canais iônicos: os de cátions (sódio, potássio, cálcio), sendo esses íons excitatórios, com exceção do de potássio; e os de ânions (cloreto), ligados à reação inibitória.
Em vez de tentar controlar a atividade dos neurônios que apresentavam depressão induzida por estresse — efeito produzido pelo tratamentos atuais —, os pesquisadores demonstraram que, com um estímulo ainda maior dos mesmos neurônios, a resistência natural para a doença aumenta. Os resultados mostraram-se tão surpreendentes que Friedman acredita ser possível, com a descoberta, chegar a terapias que utilizem antidepressivos com ações naturais. Ou seja, intervindo em um sistema já inerente ao cérebro humano.
No experimento, alguns camundongos foram modificados para se tornar deprimidos após submetidos a situações de estresse causada por interações sociais. Os que não apresentavam essa característica apresentaram maior resistência ao estresse e a corrente de canais de cátions mais elevada, mesmo com atividades normais dos neurônios de dopamina da ATV. Esse fato chamou a atenção de Friedman e da equipe, que decidiram averiguar se essa resistência aumentaria após um estímulo ainda maior nos canais de cátions. Eles observaram que essa carga extra ampliou também a capacidade das cobaias de tolerar níveis mais altos de estresse sem apresentar sintomas relacionados à depressão.
“Para alcançar a resiliência quando se está sob estresse, o cérebro deve realizar um ato de equilíbrio complexo no qual mudanças negativas relacionadas ao estresse acionam ativamente mudanças positivas”, explica Friedman. A mudança foi surpreendente: os camundongos modificados para ter depressão se livraram da doença dias após o aumento da corrente de cátions induzida.
Compensação
Os impulsos dos neurotransmissores de dopamina foram controlados por meio de laser óptico. Depois que a corrente foi estimulada, a comunicação entre os neurônios aumentou. Em determinado momento, porém, a elevação causada pelos estímulos crescentes acionou um mecanismo de compensação no qual a célula nervosa atingiu um equilíbrio das atividades nervosas e se tornou mais resistente a situações de estresse. “A parte surpreendente do experimento é que, em vez de evitar experiências que poderiam criar mais estresse, os camundongos passaram a usar essas vivências de forma benéfica”, comenta Ming-Hu Han.
Um dos relatos que constatam o efeito prático está ligado ao comportamento dos camundongos. Quando deprimidos, os bichos evitaram o convívio com os outros. Após os testes, passaram a demonstrar maior interação social. Apesar de reconhecer que a descoberta pode trazer informações relevantes, Rodrigo Machado-Vieira, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), não acredita que o estudo traga vantagens a curto prazo para tratamentos de doenças psiquiátricas. “A pesquisa é muito voltada para a ciência básica, a molecular. Só foi possível analisar esse tipo específico de sinalização porque as cobaias foram camundongos”, avalia.
O especialista ressalta que a estrutura cerebral dos humanos é muito mais complexa. Segundo ele, o uso de drogas para aumentar as correntes de cátions pode desencadear uma cascata de efeitos não previstos e até afetar outras áreas do cérebro. Machado-Vieira acredita que manipular uma área tão particular sem interferir no funcionamento de outras partes do órgão é improvável devido ao nível molecular do tratamento proposto. “Não acho que se possam desenvolver medicamentos que vão trabalhar com as correntes de cátions sem alterar outras funções cerebrais”, conclui.
No cromossomo 3
Independentemente, pesquisadores do Reino Unido e dos Estados Unidos divulgaram, em 2011, ter descoberto a primeira evidência concreta de que a depressão tem origem genética. Eles identificaram uma região do DNA do cromossomo 3 que tem genes relacionados à doença. Na área onde estão os genes, atua o receptor metabotrópico de glutamato 7 (GRM7), que está envolvido nos processos de plasticidade, neurodegeneração e neuroproteção. Ambos os projetos foram divulgados no American Journal of Psychiatry. À época, os cientistas envolvidos ressaltaram que as descobertas poderiam ajudar no desenvolvimento de tratamentos mais eficazes contra a doença que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), acomete mais de 350 milhões de pessoas.