Volpe explica que a ideia para a pesquisa surgiu na época do mestrado, quando ela estudou a literatura de autoajuda. “Nessa pesquisa anterior, analisei como os especialistas ensinavam os pais a lidarem com os filhos por meio de colunas de jornais e revistas, livros, palestras e programas de televisão. Dessa forma, vi como a simplificação do discurso científico — veiculado ao grande público— ganhava força”, lembra. “No meu doutorado, fui buscar outros discursos”, explica.
Durante três anos, ela visitou os estúdios onde duas atrações televisivas desse tipo eram gravadas e o teatro que servia à produção de um programa de rádio semelhante. Volpe concluiu que, muito além da motivação financeira, os participantes buscavam ouvir opiniões sobre seus problemas pessoais. “O que eles recebiam para participar (na tevê) era uma quantia pequena. Percebi, com as entrevistas, que outras motivações mais fortes existiam. Muitas pessoas, por exemplo, queriam mostrar como estavam bem em determinada situação para terceiros, que nem estavam envolvidos no problema a ser discutido no palco. Também encontrei casos de participantes que aspiravam a uma carreira artística e achavam que aquela participação enriqueceria o currículo”, conta.
Além dessas motivações, a pesquisadora relata que muitas pessoas tinham a necessidade de expor seus problemas aos piscólogos que fazem parte dos programas, pois acreditavam na legitimidade de seus comentários para ratificar posturas ou decisões tomadas. “Vi casos em que o convidado buscava ter seu comportamento aprovado não somente pelo psicólogo, mas também pela apresentadora. Por serem ícones, essas figuras têm grande legitimidade para quem busca orientação”, explica.
Diferenças
Os programas de auditório que usam como mote principal problemas íntimos de pessoas comuns existem há algumas décadas e fazem sucesso também em outros países. No entanto, Volpe encontrou traços particulares nas produções brasileiras. “Não exploro a fundo em minha pesquisa esses diferenciais. Contudo, pude notar que, em programas franceses do começo dos anos 1990, apesar de os temas serem semelhantes, o tratamento era mais psicologizado, a conversa tinha mais espaço, e a participação do psicólogo era mais longa. No Brasil, a criação de intrigas pesa mais”, destaca.
A autora do estudo vê também diferenças entre os programas de televisão e o de rádio que analisou. “Os convidados na tevê são mostrados como ‘barraqueiros’, pessoas que não sabem conversar, ‘estouradas’, ‘folgadas’. No programa de rádio, existe uma maior legitimação social para as pessoas falarem de si e de seus problemas”, analisa.
Para Adriana Wagner, psicóloga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a pesquisa de Volpe aborda um tema rico, que leva a reflexões importantes sobre o comportamento humano. “O trabalho é muito interessante, pois revela aspectos da vida íntima das pessoas que a mídia explora e manipula, sob uma ética muito questionável, pois, segundo a pesquisa, muitas pessoas estão ali por necessidades econômicas e de reconhecimento social”, destaca.
Wagner acrescenta que o trabalho traz dados importantes sobre os bastidores desses programas. “As causas (que levam alguém a participar) não são aquilo que aparece, mas, principalmente, aquilo que não aparece na televisão. O trabalho revela facetas do comportamento humano, mas, sobretudo, denuncia o que se tem feito com o sofrimento das pessoas na dita era moderna. Há uma mercantilização e banalização da intimidade e do sofrimento”, completa.
A psicóloga Maraci Santana observa que existe hoje uma vontade maior de debater problemas com especialistas. “Durante muitos anos, as pessoas achavam que seus problemas só poderiam ser resolvidos em casa. Nessas situações, a pessoa que comandava, por poder aquisitivo ou por hierarquia, sempre vencia. Agora, isso já muda. Elas querem a opinião de um especialista, de um mediador. Essa motivação podemos enxergar também nesses programas”, avalia. Ela acredita que essas atrações na tevê e no rádio possam também servir como uma alavanca e um apoio para quem não tem coragem de se expressar. “Muitas vezes, há barreiras dentro de casa, como no caso da homossexualidade. Assim, o apoio de um público e a visão de fora pode ser de grande importância.”