O grande ídolo das pistas de fórmula 1 Michael Schumacher está internado, há quatro meses, no Hospital de Grenoble, na França, após sofrer um grave acidente ao esquiar pelos Alpes. Mesmo sem despertar totalmente do coma induzido, a agente dele informou, no início desta semana, que o heptacampeão já apresenta “sinais de consciência”. No entanto, a equipe médica é muito reticente em declarar que isso possa representar qualquer tipo de melhora e em fazer qualquer menção ao prognóstico do piloto alemão. O cuidado é resultado da grande dificuldade em determinar em qual nível de consciência se encontra uma pessoa desacordada. Pesquisadores da Bélgica acreditam estar mais próximos dessa definição, conforme trabalho publicado hoje na Lancet.
O cientista Johan Stender e colegas do Hospital da Universidade de Liège relatam o uso de duas técnicas de imagem cerebral para melhorar a precisão do diagnóstico e do prognóstico em 126 pacientes com lesão cerebral grave, sendo 81 em estado minimamente consciente, 41 com síndrome de vigília sem resposta, conhecida como estado vegetativo, e quatro com a síndrome de encarceramento ou de locked-in. Os pesquisadores utilizaram avaliações clínicas padronizadas durante tarefas de imagens mentais. A ativação detectada pelos exames utilizados é indireta, uma vez que foram escolhidas a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a ressonância magnética funcional (fMRI).
A primeira tem relação com a atividade metabólica e usa um marcador específico para isso, a glicose. Onde houver uma maior concentração de glicose, pode-se atribuir ao local uma maior atividade metabólica relacionada, consequentemente, a mais atividade cerebral. Já a ressonância magnética é feita por meio de um marcador de oxigênio, ou seja, ligada à oxigenação da área analisada. É atribuída à de maior incidência do elemento químico um maior fluxo sanguíneo e, por consequência, maior atividade. “Nossos resultados sugerem que a imagem PET pode revelar os processos cognitivos que não são visíveis por meio de testes de cabeceira tradicionais e poderia complementar substancialmente avaliações comportamentais padrão para identificar os pacientes que não respondem ou aqueles ‘vegetativos’ que têm potencial para a recuperação a longo prazo”, diz Steven Laureys, um dos autores.
No geral, o PET foi melhor do que a fMRI na distinção de pacientes consciente e inconscientes, com cerca de 74% de precisão na previsão do grau de recuperação no ano seguinte, contra 56% . Segundo a neurologista Sônia Brucki, membro da Academia Brasileira de Neurologia, um dos pontos mais importantes do trabalho é a capacidade de mostrar um prognóstico do paciente com maior precisão. “Na verdade, sabe-se, com o acompanhamento de casos ao longo dos anos, que quem está em estado minimamente consciente está mais próximo de uma melhor recuperação do nível de consciência.” Um problema, no entanto, é a dificuldade do diagnóstico clínico, proporcionando inúmeras situações em que a classificação do nível de consciência do paciente pode estar equivocada. “Na prática, vamos lidar com o paciente com a consciência diminuída, seja qual for a causa, do mesmo modo: aguardando e acompanhando a evolução dele”, complementa Brucki.
Ao conseguir estabelecer o nível de consciência — do mais leve ao que teve maior prejuízo —, é comum que os estados de maior dano também tenham uma evolução menos favorável. “Há maior mortalidade, menor chance de recuperar o nível de consciência. Isso sabemos por meio da clínica e do acompanhamento.” Porém, a neurologista lembra que algumas medidas são usadas para prever o potencial de recuperação do indivíduo, como o potencial evocado somato-sensitivo. Ele pode dar uma ideia de quanto da comunicação entre o tronco e o córtex está destruída. “Se não há mais essa comunicação, é mais difícil que a pessoa se recupere.”
Brucki explica que, acima de três meses, o estado é considerado mais persistente. A partir disso, quão maior for o tempo para a recuperação, mais difícil será ela. Testar novos métodos para diagnóstico e prognóstico, segundo a neurologista, são importantes não só para o cuidado com os pacientes, mas também para poder estabelecer as notícias que serão repassadas à família dele. “Então, quanto maior for o número de métodos que possam afirmar com mais segurança o que se está falando, melhor.”
Índice de conectividade
Alguns dos autores do trabalho divulgado hoje na Lancet também compuseram a equipe que trabalhou com a pesquisadora brasileira Karina Casali (veja Para saber mais) em um experimento também de estratégias que possam determinar com maior precisão o diagnóstico e prognóstico de pacientes em coma. Casali, professora do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), conta que sua pesquisa consiste no estudo de um índice para medidas de consciência ou conectividade cerebral. “A conectividade que a gente mediu estava relacionada não só à área específica sendo ativada, mas também a como que elas estavam conectadas.” Foi dado um estímulo eletromagnético e a resposta a ele foi analisada temporal e espacialmente no cérebro dos pacientes. “Podemos ver como as áreas eram acionadas e como estavam interligadas. A partir daí, tirávamos o índice que permite medir essa conectividade”, explica.
Segundo Casali, a diferença para os exames de imagem propostos pelo trabalho de Stender é que não há cálculo para medir a conectividade entre as áreas, mas quanto delas é ativada a partir de um estímulo. “A pesquisa da Bélgica tem um enfoque clínico. Eles, inclusive, falam que a proposta seria uma tentativa de complementar as medidas já existentes, tanto para a questão de diagnóstico quanto para o prognóstico.” A brasileira considera a estratégia indireta e complementar e, por esse fator, não permite dizer exatamente que há perda ou aumento da atividade cerebral de fato. “Trata-se de uma aproximação. A questão da aquisição das imagens está limitada a uma frequência de amostragem que pode ser uma frequência muito baixa ligada à cognição. Difícil dizer, se não for detectado nada com a imagem, que não existe nenhum processo de ativação. Não podemos extrapolar.”
Promessa brasileira
O protocolo usado para medir o nível de consciência de um paciente tem uma estimativa de erro próxima a 40%, e a solução para esse drama desafiador pode estar nas mãos de brasileiros. Em artigo publicado, em agosto de 2013, na revista Science Translational Medicine, a equipe internacional de pesquisadores liderada por Adenauer Casali, hoje ligado ao Instituto do Coração da Universidade de São Paulo, e a mulher dele, Karina Casali, da Universidade Federal de São Paulo, relata uma técnica promissora para essa análise. A ideia é que o estado de consciência sempre carrega consigo muita informação: cores, formas, sons, temperatura, memória, emoção etc. Tudo isso preenche ou forma uma experiência consciente. A técnica permite detectar a conectividade do cérebro dos pacientes e, então, estimar se há um processamento cerebral ou não. Os testes foram feitos com 32 pessoas saudáveis e 20 indivíduos divididos em grupos com diagnóstico de estado vegetativo, minimamente conscientes e síndrome de encarceramento.
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A primeira tem relação com a atividade metabólica e usa um marcador específico para isso, a glicose. Onde houver uma maior concentração de glicose, pode-se atribuir ao local uma maior atividade metabólica relacionada, consequentemente, a mais atividade cerebral. Já a ressonância magnética é feita por meio de um marcador de oxigênio, ou seja, ligada à oxigenação da área analisada. É atribuída à de maior incidência do elemento químico um maior fluxo sanguíneo e, por consequência, maior atividade. “Nossos resultados sugerem que a imagem PET pode revelar os processos cognitivos que não são visíveis por meio de testes de cabeceira tradicionais e poderia complementar substancialmente avaliações comportamentais padrão para identificar os pacientes que não respondem ou aqueles ‘vegetativos’ que têm potencial para a recuperação a longo prazo”, diz Steven Laureys, um dos autores.
No geral, o PET foi melhor do que a fMRI na distinção de pacientes consciente e inconscientes, com cerca de 74% de precisão na previsão do grau de recuperação no ano seguinte, contra 56% . Segundo a neurologista Sônia Brucki, membro da Academia Brasileira de Neurologia, um dos pontos mais importantes do trabalho é a capacidade de mostrar um prognóstico do paciente com maior precisão. “Na verdade, sabe-se, com o acompanhamento de casos ao longo dos anos, que quem está em estado minimamente consciente está mais próximo de uma melhor recuperação do nível de consciência.” Um problema, no entanto, é a dificuldade do diagnóstico clínico, proporcionando inúmeras situações em que a classificação do nível de consciência do paciente pode estar equivocada. “Na prática, vamos lidar com o paciente com a consciência diminuída, seja qual for a causa, do mesmo modo: aguardando e acompanhando a evolução dele”, complementa Brucki.
Ao conseguir estabelecer o nível de consciência — do mais leve ao que teve maior prejuízo —, é comum que os estados de maior dano também tenham uma evolução menos favorável. “Há maior mortalidade, menor chance de recuperar o nível de consciência. Isso sabemos por meio da clínica e do acompanhamento.” Porém, a neurologista lembra que algumas medidas são usadas para prever o potencial de recuperação do indivíduo, como o potencial evocado somato-sensitivo. Ele pode dar uma ideia de quanto da comunicação entre o tronco e o córtex está destruída. “Se não há mais essa comunicação, é mais difícil que a pessoa se recupere.”
Brucki explica que, acima de três meses, o estado é considerado mais persistente. A partir disso, quão maior for o tempo para a recuperação, mais difícil será ela. Testar novos métodos para diagnóstico e prognóstico, segundo a neurologista, são importantes não só para o cuidado com os pacientes, mas também para poder estabelecer as notícias que serão repassadas à família dele. “Então, quanto maior for o número de métodos que possam afirmar com mais segurança o que se está falando, melhor.”
Índice de conectividade
Alguns dos autores do trabalho divulgado hoje na Lancet também compuseram a equipe que trabalhou com a pesquisadora brasileira Karina Casali (veja Para saber mais) em um experimento também de estratégias que possam determinar com maior precisão o diagnóstico e prognóstico de pacientes em coma. Casali, professora do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), conta que sua pesquisa consiste no estudo de um índice para medidas de consciência ou conectividade cerebral. “A conectividade que a gente mediu estava relacionada não só à área específica sendo ativada, mas também a como que elas estavam conectadas.” Foi dado um estímulo eletromagnético e a resposta a ele foi analisada temporal e espacialmente no cérebro dos pacientes. “Podemos ver como as áreas eram acionadas e como estavam interligadas. A partir daí, tirávamos o índice que permite medir essa conectividade”, explica.
Segundo Casali, a diferença para os exames de imagem propostos pelo trabalho de Stender é que não há cálculo para medir a conectividade entre as áreas, mas quanto delas é ativada a partir de um estímulo. “A pesquisa da Bélgica tem um enfoque clínico. Eles, inclusive, falam que a proposta seria uma tentativa de complementar as medidas já existentes, tanto para a questão de diagnóstico quanto para o prognóstico.” A brasileira considera a estratégia indireta e complementar e, por esse fator, não permite dizer exatamente que há perda ou aumento da atividade cerebral de fato. “Trata-se de uma aproximação. A questão da aquisição das imagens está limitada a uma frequência de amostragem que pode ser uma frequência muito baixa ligada à cognição. Difícil dizer, se não for detectado nada com a imagem, que não existe nenhum processo de ativação. Não podemos extrapolar.”
Promessa brasileira
O protocolo usado para medir o nível de consciência de um paciente tem uma estimativa de erro próxima a 40%, e a solução para esse drama desafiador pode estar nas mãos de brasileiros. Em artigo publicado, em agosto de 2013, na revista Science Translational Medicine, a equipe internacional de pesquisadores liderada por Adenauer Casali, hoje ligado ao Instituto do Coração da Universidade de São Paulo, e a mulher dele, Karina Casali, da Universidade Federal de São Paulo, relata uma técnica promissora para essa análise. A ideia é que o estado de consciência sempre carrega consigo muita informação: cores, formas, sons, temperatura, memória, emoção etc. Tudo isso preenche ou forma uma experiência consciente. A técnica permite detectar a conectividade do cérebro dos pacientes e, então, estimar se há um processamento cerebral ou não. Os testes foram feitos com 32 pessoas saudáveis e 20 indivíduos divididos em grupos com diagnóstico de estado vegetativo, minimamente conscientes e síndrome de encarceramento.