O cientista Johan Stender e colegas do Hospital da Universidade de Liège relatam o uso de duas técnicas de imagem cerebral para melhorar a precisão do diagnóstico e do prognóstico em 126 pacientes com lesão cerebral grave, sendo 81 em estado minimamente consciente, 41 com síndrome de vigília sem resposta, conhecida como estado vegetativo, e quatro com a síndrome de encarceramento ou de locked-in. Os pesquisadores utilizaram avaliações clínicas padronizadas durante tarefas de imagens mentais. A ativação detectada pelos exames utilizados é indireta, uma vez que foram escolhidas a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a ressonância magnética funcional (fMRI).
A primeira tem relação com a atividade metabólica e usa um marcador específico para isso, a glicose. Onde houver uma maior concentração de glicose, pode-se atribuir ao local uma maior atividade metabólica relacionada, consequentemente, a mais atividade cerebral. Já a ressonância magnética é feita por meio de um marcador de oxigênio, ou seja, ligada à oxigenação da área analisada. É atribuída à de maior incidência do elemento químico um maior fluxo sanguíneo e, por consequência, maior atividade. “Nossos resultados sugerem que a imagem PET pode revelar os processos cognitivos que não são visíveis por meio de testes de cabeceira tradicionais e poderia complementar substancialmente avaliações comportamentais padrão para identificar os pacientes que não respondem ou aqueles ‘vegetativos’ que têm potencial para a recuperação a longo prazo”, diz Steven Laureys, um dos autores.
No geral, o PET foi melhor do que a fMRI na distinção de pacientes consciente e inconscientes, com cerca de 74% de precisão na previsão do grau de recuperação no ano seguinte, contra 56% . Segundo a neurologista Sônia Brucki, membro da Academia Brasileira de Neurologia, um dos pontos mais importantes do trabalho é a capacidade de mostrar um prognóstico do paciente com maior precisão. “Na verdade, sabe-se, com o acompanhamento de casos ao longo dos anos, que quem está em estado minimamente consciente está mais próximo de uma melhor recuperação do nível de consciência.” Um problema, no entanto, é a dificuldade do diagnóstico clínico, proporcionando inúmeras situações em que a classificação do nível de consciência do paciente pode estar equivocada. “Na prática, vamos lidar com o paciente com a consciência diminuída, seja qual for a causa, do mesmo modo: aguardando e acompanhando a evolução dele”, complementa Brucki.
Ao conseguir estabelecer o nível de consciência — do mais leve ao que teve maior prejuízo —, é comum que os estados de maior dano também tenham uma evolução menos favorável. “Há maior mortalidade, menor chance de recuperar o nível de consciência. Isso sabemos por meio da clínica e do acompanhamento.” Porém, a neurologista lembra que algumas medidas são usadas para prever o potencial de recuperação do indivíduo, como o potencial evocado somato-sensitivo. Ele pode dar uma ideia de quanto da comunicação entre o tronco e o córtex está destruída. “Se não há mais essa comunicação, é mais difícil que a pessoa se recupere.”
Brucki explica que, acima de três meses, o estado é considerado mais persistente. A partir disso, quão maior for o tempo para a recuperação, mais difícil será ela. Testar novos métodos para diagnóstico e prognóstico, segundo a neurologista, são importantes não só para o cuidado com os pacientes, mas também para poder estabelecer as notícias que serão repassadas à família dele. “Então, quanto maior for o número de métodos que possam afirmar com mais segurança o que se está falando, melhor.”
Índice de conectividade
Alguns dos autores do trabalho divulgado hoje na Lancet também compuseram a equipe que trabalhou com a pesquisadora brasileira Karina Casali (veja Para saber mais) em um experimento também de estratégias que possam determinar com maior precisão o diagnóstico e prognóstico de pacientes em coma. Casali, professora do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), conta que sua pesquisa consiste no estudo de um índice para medidas de consciência ou conectividade cerebral. “A conectividade que a gente mediu estava relacionada não só à área específica sendo ativada, mas também a como que elas estavam conectadas.” Foi dado um estímulo eletromagnético e a resposta a ele foi analisada temporal e espacialmente no cérebro dos pacientes. “Podemos ver como as áreas eram acionadas e como estavam interligadas. A partir daí, tirávamos o índice que permite medir essa conectividade”, explica.
Segundo Casali, a diferença para os exames de imagem propostos pelo trabalho de Stender é que não há cálculo para medir a conectividade entre as áreas, mas quanto delas é ativada a partir de um estímulo. “A pesquisa da Bélgica tem um enfoque clínico. Eles, inclusive, falam que a proposta seria uma tentativa de complementar as medidas já existentes, tanto para a questão de diagnóstico quanto para o prognóstico.” A brasileira considera a estratégia indireta e complementar e, por esse fator, não permite dizer exatamente que há perda ou aumento da atividade cerebral de fato. “Trata-se de uma aproximação. A questão da aquisição das imagens está limitada a uma frequência de amostragem que pode ser uma frequência muito baixa ligada à cognição. Difícil dizer, se não for detectado nada com a imagem, que não existe nenhum processo de ativação. Não podemos extrapolar.”
Promessa brasileira
O protocolo usado para medir o nível de consciência de um paciente tem uma estimativa de erro próxima a 40%, e a solução para esse drama desafiador pode estar nas mãos de brasileiros. Em artigo publicado, em agosto de 2013, na revista Science Translational Medicine, a equipe internacional de pesquisadores liderada por Adenauer Casali, hoje ligado ao Instituto do Coração da Universidade de São Paulo, e a mulher dele, Karina Casali, da Universidade Federal de São Paulo, relata uma técnica promissora para essa análise. A ideia é que o estado de consciência sempre carrega consigo muita informação: cores, formas, sons, temperatura, memória, emoção etc. Tudo isso preenche ou forma uma experiência consciente. A técnica permite detectar a conectividade do cérebro dos pacientes e, então, estimar se há um processamento cerebral ou não. Os testes foram feitos com 32 pessoas saudáveis e 20 indivíduos divididos em grupos com diagnóstico de estado vegetativo, minimamente conscientes e síndrome de encarceramento.