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A fotógrafa americana Suzanne Heintz sofre com essa coação todos os dias. Solteira e criada na religião mórmon, que dá bastante importância à família, Suzanne escutou da mãe que não existe ninguém perfeito e que ela só precisava escolher alguém para se casar. Em resposta, ela argumentou que maridos e filhos não são coisas — não dá para ir ao mercado e sair com eles embaixo do braço. Ou dá?
Foi assim que começou o projeto Playing house, em português, Brincando de casinha. A fotógrafa retrata cenas de um álbum de família com dois manequins — um faz as vezes de marido e o outro, de filha. O figurino remete aos anos 1950, época em que o ideal de família nuclear perpassava a estética publicitária. É também uma provocação, para que o espectador perceba que, até hoje, a sociedade continua baseada nas mesmas tradições.
“Parece que atingi um nervo sensível quando pergunto: ‘O que na nossa cultura nos faz achar que não importa o que façamos com a nossa vida, é sempre insuficiente?’. Tenho recebido feedback do mundo inteiro, acredito que todas as pessoas estão sujeitas às mesmas pressões, mas ninguém fala nada a respeito”, afirma Suzanne. O cenário das fotografias era, a princípio, a própria casa da fotógrafa. Mas ela logo percebeu que chamava ainda mais atenção para o trabalho ao fotografar em público — a família de plástico, inclusive, embarcou para Paris para uma sessão de fotos.
Além de chamar a atenção com os bonecos, a fotógrafa lança mão de humor. A ironia é uma das partes mais importantes de seu trabalho. “Uso a sátira por acreditar que é ela é essencial para a aceitação do que parece ser um remédio amargo, a crítica social. Eu sei que pareço uma boba tirando fotos com minha família falsa, mas o que estou fazendo é usar o humor como uma ferramenta. Estou tentando fazer as pessoas falarem”, conta. Desse modo, Suzanne consegue fazer o espectador rir e se interessar pelo assunto. “Alguns ficam curiosos o suficiente para discutir comigo se a vida tem que ser um tipo de fôrma, em que todos têm que se encaixar. Quero desafiá-los.”
Suzanne, que se relaciona com um companheiro, afirma ter uma família, apenas não com filhos. Nunca se casou por não acreditar que seja uma escolha certa para ela, mas carrega consigo o amor e o apreço pelos familiares que escolheu ter: os amigos. Para ela, é o suficiente. “Conforme amadureci, descobri que eu não tinha que fazer o que todo mundo estava fazendo só porque isso é o que se espera de mim. Nós precisamos aceitar nossas vidas pelo que elas são — e pelo que elas nos tornou — e parar de tentar atingir uma imagem de sucesso definido pelas tradições e pelas expectativas dos outros”, defende.
A verdade é que as mulheres vivem um tempo estranho na história. Nunca foram tão independentes, seguras e cheias de oportunidades. Mas, ao mesmo tempo, ainda se angustiam com a expectativa alheia. “Para as mulheres, não basta satisfazer apenas um quesito. É preciso estar em dia com educação, carreira, casa, família, realizações e o conhecimento. Se alguma dessas coisas é deixada de lado, as pessoas acham que tem algo de errado com a sua vida. De alguma forma, não é suficiente ser quem somos”, explica a fotógrafa.
Para a argentina Paula Schargorodsky, “a liberdade feminina tem data de validade”. Seu curta-metragem 35 e solteira fez sucesso na internet ao afirmar que, sim, ela estava sozinha, mas a condição não a define. Segundo ela, a sociedade aceita que a mulher viaje, estude, se divirta e faça tudo o que quer — mas apenas antes dos 30 anos. Ao atingir essa marca, a família e os amigos já começam a se preocupar que ela passe “o resto da vida só” ou fracasse profissionalmente.
No filme, a assistente de direção conta que todas suas amigas se casaram, tiveram filhos, e ela permaneceu como testemunha de todas elas, sem nunca ter subido ao altar. Em dois anos, compareceu a 18 cerimônias de casamento. A condição de solteira não foi falta de oportunidade — Paula teve vários namorados, casos de uma noite e amores que pareciam ser eternos. Mas ao encontrar o namorado aparentemente perfeito, percebeu que não estava sendo verdadeira consigo mesma e não se via como uma noiva. O rompimento era inevitável.
Finalmente, Paula aceitou que, para ela, a liberdade era maior do que qualquer coisa. “Não quero aqueles relacionamentos impossíveis e intensos dos meus 20 anos nem quero um marido perfeito atrás de uma cerca branca. E, definitivamente, não planejo passar o resto da minha vida sozinha. Percebi que tudo o que eu estava procurando estava bem mais perto do que eu pensava. Acompanhada ou sozinha, quando você ama e se aceita completamente, o mundo ao seu redor muda. No fim das contas, felicidade é uma escolha”, afirma no curta.
O projeto continua
Suzanne Heintz conta que o projeto Playing house ainda não está completo. O próximo passo é um livro e um documentário. Em junho, vai fotografar o próprio casamento com seu manequim como uma crítica à obrigatoriedade do casamento. Em seguida, o foco é no manequim infantil. A ideia é fotografá-lo na escola e entrevistar os colegas de sala para entender o que eles esperam de seus próprios futuros. Todas as imagens estão disponíveis no site de Suzanne: suzanneheintz.com.