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O estudo, realizado com camundongos, partiu da hipótese de o autismo ter relação com a redução da atividade neural inibitória e com o aumento da atividade neural excitatória. Os termos são usados para descrever ações de células do sistema nervoso. Quando um neurônio está ativo e se comunica com outro, ele pode desencadear duas reações no segundo: torná-lo ativo (atividade excitatória) ou inativo (inibitória). A proposta do grupo, então, foi observar se a causa poderia ter relação com algum tipo de deficit nas neurotransmissões do segundo tipo e se isso poderia ser corrigido com o uso de medicamentos.
Os pesquisadores utilizaram camundongos modificados para apresentar comportamentos semelhantes aos de uma pessoa autista e os submeteram a um tratamento com benzodiazepina, substância presente em alguns tipos de ansiolíticos (controladores de ansiedade). O uso da droga foi acompanhado de uma mudança significativa no comportamento dos animais, que apresentaram, por exemplo, maior interação social.
O resultado indica que o uso de drogas que aumentam a atividade neural inibitória pode ajudar no tratamento do autismo, mas os próprios autores do estudo ressaltam que isso não significa uma cura para a doença. Eles lembram ainda que há um longo caminho até que a eficácia da abordagem seja comprovada em humanos. “Nossos resultados apresentam evidências de que aumentar a neurotransmissão inibitória é uma abordagem eficaz para melhorar interações sociais, comportamentos repetitivos e deficits cognitivos em um animal com autismo, tendo alguma semelhança com características comportamentais com o autismo humano”, esclarece Todd Scheuer, coautor do estudo.
O pesquisador diz que testes com humanos já foram iniciados pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e laboratórios farmacêuticos. Ele acrescenta que não se sabe se outras drogas semelhantes podem levar a efeito parecido. “Nossos resultados não incluem novas alternativas disponíveis no mercado farmacêutico, então não sabemos dizer se outros compostos, além da benzodiazepina, terão a mesma efetividade”, afirma Scheuer.
Mudança
A adoção de benzodiazepínicos para melhorar os sintomas do autismo representaria uma novidade no enfrentamento do distúrbio, que poderia se somar a outras formas de intervenção. Atualmente, explica Edson Saggese, professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), utilizam-se principalmente as medicações antipsicóticas para reduzir alguns sintomas, como a agressividade, a agitação e comportamentos estereotipados. “Mas os principais tratamentos para o problema estão ligados à educação especial, à fonoaudiologia, à orientação familiar e a outras técnicas que auxiliem a comunicação dos pacientes”, diz.
A psicóloga Simone Roballo, professora do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), também destaca a importância de um acompanhamento multidisciplinar. Segundo ela, crianças diagnosticadas com o quadro devem ser acompanhadas por médicos, psicólogos, fonoaudiólogos e até fisioterapeutas se houver necessidade. “Existem casos em que a intervenção por meio de remédios pode ajudar ou até ser necessária, mas deve ser discutida por uma equipe que vai avaliar os efeitos do medicamento e que benefícios ele pode trazer para o tratamento”, diz.
Até hoje, nenhuma abordagem medicamentosa se mostrou capaz de reverter o problema. “Os medicamentos disponíveis parecem ajudar alguns pacientes, mas não todos. Os benefícios também são limitados, e essas drogas certamente não curam a doença”, afirma Paul Wang, vice-presidente da instituição norte-americana Autism Speaks (Autismo Fala, em tradução livre). Wang reconhece que seria muito valioso se existissem medicamentos mais eficazes para o mal, mas ressalta que os remédios não funcionam da mesma forma em todas as pessoas. “É muito difícil provar o quanto os medicamentos realmente podem ajudar. Pesquisas nesse campo têm muita importância, mas não temos nenhuma expectativa de que drogas como os ansiolíticos possam curar o autismo”, reforça.
Edson Saggese também acha que mais dados são necessários para determinar a eficácia da abordagem proposta. “Até o momento, sua utilidade é muito limitada. Trata-se de algo experimental, utilizado em ratos de laboratório. Para se tornar algo significativo, restam ainda muitas etapas experimentais”, afirma o professor da UFRJ.
Scheuer e colegas, contudo, estão confiantes de que a proposta merece ser investigada. Além de apresentar uma alternativa às abordagens que usam drogas que inibem a atividade excitatória — cujos resultados são modestos —, a nova forma de tratamento, argumentam os autores do trabalho, é feita com uma droga bem conhecida e já considerada segura.
Difícil diagnóstico
O distúrbio afeta cinco em cada 10 mil crianças, sendo mais recorrente em meninos do que em meninas (em uma proporção de 2 a 4 vezes maior). Os sintomas costumam surgir até os 3 anos. Especialistas recorrem a exames psicológicos nos quais observam o comportamento do pequeno e seu desenvolvimento para determinar se os sintomas se enquadram na tríade que classifica o autismo: deficit na interação social, transtornos de linguagem e comportamentos estereotipados. Não existem exames laboratoriais que comprovem a doença.