A chave, detalhada em dois estudos divulgados na revista Science, está na comparação dos resultados alcançados na Tailândia com um ensaio clínico anterior, chamado VAX003, que falhou em mostrar qualquer eficácia, apesar dos níveis mais elevados do que o RV144 de outros tipos de anticorpos específicos para o HIV. A equipe da pesquisadora Nicole Yates, do Instituto de Duke de Vacinas Humanas, descobriu que, entre o mix de respostas de anticorpos, apenas um se destacou. Os indivíduos que receberam a vacina tailandesa protetora eram mais propensos a ter os anticorpos IgG3 específicos para o HIV em comparação aos indivíduos dos testes da vacina que falhou completamente. O IgG3 é uma imunoglobina conhecida por proteger contra a malária e outras doenças infecciosas.
As duas estratégias a que os pesquisadores tiveram acesso — a RV144 e a VAX003— estavam voltadas à mesma região do vírus conhecida como proteína do envelope do HIV. Trata-se da membrana que envolve o patógeno. Eles se perguntaram a razão da existência de diferença na resposta imunitária das vacinas. Como era possível detectar quais foram os anticorpos produzidos por ambas as tentativas, a primeira hipótese analisada foi a dosagem dos subtipos de imunoglobina G (IgG). Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia, Edecio Cunha Neto explica que esse é o principal anticorpo do sangue humano, e os subtipos dele se especializam em determinadas funções de proteção.
O IgG3, por exemplo, facilita a fagocitose e a livre destruição por complemento — dois processos sabidamente importantes para a destruição do HIV. Na fagocitose, a célula “engole” outro micro-organismo ou uma célula menor. Quando o IgG3 potencializa esse processo, faz com que as estruturas infectadas sejam engolidas e, portanto, neutralizadas. A importância de todo esse processo do sistema de defesa não é uma novidade na medicina. O fator que chama a atenção é como ele parece ser imprescindível para a proteção contra o HIV. “Até agora, ninguém sabia por que a vacina RV144 foi melhor que a VAX003. Existem diversas possibilidades e eles foram testando hipóteses.”
Para Cunha Neto, um dos líderes do estudo que desenvolve a vacina brasileira contra o HIV, ambos os estudos publicados hoje fazem pergunta científica semelhante e dosam a mesma substância no soro de pessoas que foram vacinadas com os dois imunizantes. A diferença entre os trabalhos está em pequenas variações na forma como avaliam a função do IgG3 e como ele está relacionado com uma resposta mais protetora — a partir de testes in vitro.
Segundo o infectologista Esper Kallas, depois da divulgação dos resultados do RV144 e do VAX003, vários pesquisadores fizeram buscas nos chamados “marcadores de proteção”, identificando alguns deles. Acredita-se que os anticorpos induzidos parecem ter sido capazes de conferir alguma proteção, uma vez que ambos os estudos apontam que anticorpos dirigidos contra uma parte do envelope do vírus estão associados com proteção. “Agora, fica a pergunta de quais são as repercussões de tais achados. Será que podemos aprimorar uma vacina que, mais especificamente, induza resposta contra essa porção específica do vírus? Se conseguirmos, tal vacina será eficaz?” Kallas acrescenta que os trabalhos são resultado do esforço para entender o porquê do sucesso marginal da vacina que foi testada na Tailândia. “Será importante acompanhar a evolução desses achados, especialmente nos futuros estudos que devem começar em breve.”
Um novo caminho
“Sempre que há uma des-coberta em ciência básica, que estuda as moléculas, inclusive em macacos e ratos, elas não se correlacionam diretamente com o efeito clínico em humanos. Então, especificamente para vacinas contra o HIV, há muitos anos, várias estratégias e substâncias são investigadas para alcançar uma boa imunização em humanos. Até agora, nenhum dos resultados foi bom, a eficácia é muito baixa. Claro que a descoberta de uma molécula muito promissora dá mais um caminho para novas pesquisas, mas é leviano dizer que ‘agora vai’. É mais uma tentativa que, talvez, se reverta em algo realmente útil, mas, enquanto não tivermos estudos em humanos não podemos afirmar nada.”
Alexandre Cunha, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia
Etapa pré-clínica
Os testes em macacos da vacina brasileira contra o vírus da Aids já tiveram início. Essa última etapa de avaliação pré-clínica do imunizante tem duração prevista de 24 meses e o objetivo de encontrar o método mais eficaz para ser usado em humanos. Após concluída, poderão ter início os primeiros ensaios clínicos. A vacina foi denominada HIVBr18 pelos pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Edecio Cunha Neto, Jorge Kalil e Simone Fonseca. Atualmente, o projeto é conduzido no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Investigação em Imunologia (INCT-III) e seguirá para a colônia de macacos rhesus do Instituto Butantan.