O primeiro grande problema da mamadeira é que ela pode levar à disfunção motora oral, ou à chamada confusão de bicos. “O bebê que usa mamadeira fica com preguiça de pegar o peito, o que é uma das principais causas do desmame precoce”, explica o pediatra e puericultor Marcus Renato, professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e editor do site militante Aleitamento.com.
Se o bebê não mama, a mãe para de produzir leite. Sem amamentação, explica o médico, a criança corre mais risco de ter infecções, alergias, desnutrição ou obesidade, caso ela passe a ser alimentada com leite em pó, normalmente, muito mais calórico que o materno. “Geralmente, a mamadeira é preenchida com leite em pó infantil, e o bebê acaba tomando muitas vezes”, detalha. “A introdução do uso do copo, da colher, da papa de legumes fica atrasada porque a criança vicia na mamadeira.”
Do ponto de vista higiênico, a mamadeira também é imperfeita. “É uma fonte de infecção, coliformes fecais e fungos. A criança pode ter sapinho, por exemplo”, alerta Marcus Renato. E muito já se discutiu sobre a influência do bico na formação da personalidade. O uso intenso do objeto na infância resultaria em um adulto com a fase oral do desenvolvimento não resolvida, mais propenso a fumar, beber e roer as unhas.
Apesar de tudo, os bicos ainda são consideras meios de acalmar o bebê. Luíza Diener, 29 anos, não gosta da ideia de dar mamadeira ou chupeta para os filhos, mas não julga quem opta pelo recurso. Ela mesma, quando seu primeiro filho nasceu, precisou da ajuda do bico artificial algumas vezes. Antes de Benjamin, 3 anos, nascer, ela conta que era radicalmente contra. A prática, contudo, a fez repensar: o menino só conseguia dormir se fosse com a chupeta na boca. “Quando ele acordava, eu tirava. Foi inexperiência de mãe de primeira viagem”, pondera. Menino e chupeta viveram uma parceria que durou um ano e nove meses, mas a mamadeira nunca chegou a fazer parte da vida dele.
Há oito meses, Luíza teve sua segunda filha, Constança. Desta vez, nada de mamadeira ou chupeta. Hoje, a mãe sabe que há outras maneiras de acalmar os filhos. Entender o motivo do choro foi o primeiro passo. “O choro é a única forma de comunicação de um bebê. Se você dá a chupeta, você está tirando a única forma de expressão que ele tem e não atende a necessidade dele”, justifica. Em seu blog, Potencial Gestante, Luíza dá dicas e compartilha experiências com outras mulheres. Ela tem mais de 33 mil seguidores e, por isso, emite opiniões com responsabilidade. Desaconselha o bico, mas sem radicalismo.
Seis argumentos contrários à mamadeira:
-Crianças acostumadas a bicos artificiais tendem a desmamar mais cedo.
-A musculatura da bochecha pode ficar mais flácida, prejudicando a fala, a deglutição e a mastigação.
-O desenvolvimento incorreto da mandíbula pode dificultar a respiração.
-Crianças que mamam na mamadeira têm mais chances de desenvolver otite (infecção no ouvido).
-Mamadeiras são difíceis de higienizar.
-Algumas pesquisas indicam que o bisfenol-a, substância que faz parte do plástico e que é liberada quando o material é aquecido, pode causar diminuição da testosterona, aumento dos testículos, diabetes, predisposição ao câncer e hiperatividade.
Fonte: Natasha Slhessarenko, pediatra do Laboratório Exame.
-Crianças acostumadas a bicos artificiais tendem a desmamar mais cedo.
-A musculatura da bochecha pode ficar mais flácida, prejudicando a fala, a deglutição e a mastigação.
-O desenvolvimento incorreto da mandíbula pode dificultar a respiração.
-Crianças que mamam na mamadeira têm mais chances de desenvolver otite (infecção no ouvido).
-Mamadeiras são difíceis de higienizar.
-Algumas pesquisas indicam que o bisfenol-a, substância que faz parte do plástico e que é liberada quando o material é aquecido, pode causar diminuição da testosterona, aumento dos testículos, diabetes, predisposição ao câncer e hiperatividade.
Fonte: Natasha Slhessarenko, pediatra do Laboratório Exame.
Novas críticas da ciência
Substituir o seio pela mamadeira pode atrapalhar o desenvolvimento de movimentos essenciais, como deglutição, mastigação e fala. Victor Nudelman, pediatra do Hospital Israelita Albert Einstein, explica a diferença. “No primeiro caso, o bebê precisa espremer, com movimentos da língua, para comprimir a mama contra o céu da boca e fazer o leite sair. Na mamadeira, o movimento é de sucção, com a musculatura ao redor do lábio, criando um vácuo para puxar o leite.”
Nudelman explica ainda que o bebê acostumado a mamadeira pode ficar com os músculos da bochecha flácidos. Apesar de tudo, para o médico, a mamadeira é uma opção em casos de necessidade extrema. “A flacidez pode ser revertida. Os danos da mamadeira estão relacionados ao uso prolongado, especialmente até os dois anos de idade”, completa. Andréia Stankiewicz, cirurgiã-dentista especialista em odontopediatria e ortopedia funcional dos maxilares, explica que a influência negativa no desenvolvimento oral e facial decorre do estímulo fora do padrão. “Quando se introduz a chupeta, modificam-se os circuitos neuromusculares que influenciam no crescimento dos ossos e no posicionamento dos dentes”, reforça.
Ainda que os pais não percebam os efeitos imediatos, a médica explica que as modificações não tardam. “Quando há essa alteração na musculatura, muda a cavidade oral”, completa Stankiewicz. O posicionamento dos ossos e o crescimento da mandíbula também se alteram resultando em uma “boca estreita”, com o queixo para trás e uma língua sem força para realizar movimentos básicos, como mastigação, respiração e deglutição.
Antônio Fagnani Filho é cirurgião-dentista ortopedista funcional dos maxilares e homeopata. Ele reforça: qualquer bico de borracha provoca alterações no desenvolvimento da boca. E não serão só os dentes os prejudicados. “Falamos mais dos dentes porque são mais visíveis, mas os malefícios serão para todo o aspecto funcional.” Além da influência negativa na fala da criança, os bicos alteram até mesmo na postura do indivíduo. “O queixo é a parte móvel do sistema crânio-facial. Se ele está mais para trás ou para a frente, o equilíbrio postural da cabeça com relação à coluna se altera”, detalha. “A coluna tem um ponto de equilíbrio. Quando ele é alterado, parte da cervical vai para um lado, a lombar, para outro, e isso vai contraindo vários músculos da maneira errada.” A falta de equilíbrio faz com que alguns grupos musculares trabalhem mais do que outros, ocasionando dores persistentes.
A servidora pública Thelma Kai, 37 anos, abomina as mamadeiras. Quando teve o primeiro filho, Yuri, hoje com 15 anos, ela não tinha restrições ao bico. A licença-maternidade, à época, era de apenas quatro meses. Thelma precisou voltar ao trabalho e o bebê passava o dia com a avó materna. “Minha mãe achava ele magrinho demais e dava mamadeira com leite em pó”, conta. A primeira consequência foi que Yuri ficou preguiçoso para mamar. Mais tarde, vieram as cáries, com apenas 4 anos. Os dentes de leite caíram e os novos nasceram completamente tortos. “A dentição era para frente, com o formato do bico da mamadeira.”
Após a experiência com o primogênito, Thelma fez tudo diferente com a filha Yara, de 4 anos. Do peito, a menina passou direto para o copinho. Até hoje, Yara não sabe o que é ter cárie. Os dentes da garota, aliás, nasceram perfeitos. “Dar só o leite do peito é bem mais barato que comprar leite de lata e não preciso higienizar mamadeira”, compara.
Antes de Caetano, 2 anos, nascer, Carolina Coeli, 27 anos, pesquisou tudo que pôde sobre bebês, inclusive os perigos da mamadeira. “Sempre tive vontade de amamentar, então, essas pesquisas só me ajudaram mais a ter certeza disso”, completa. O menino está com 2 anos e 8 meses e parou de mamar mês passado. Desde os seis meses, contudo, ele já toma água, mas na colher, com muita paciência por parte da mãe.
Como qualquer outra coisa na vida, porém, amamentar também tem seu lado negativo. “É muito cansativo e dá muito trabalho. O Caetano, especificamente, acorda muitas vezes durante a noite para mamar”, reconhece Carolina. Mas vale a pena, ela garante, até porque a criança fica muito mais independente. “Meu filho já segurava um copo sozinho quando ainda nem andava”, descreve a mãe.
Entrevista//Cristine Nogueira Nunes - Objeto mal projetado
A designer Cristine Nogueira Nunes engrossou o caldo dos críticos do bico com seu livro Amamentação e o desdesign da mamadeira - Por uma avaliação da produção industrial (Editora Reflexão). Na entrevista abaixo, ela detalha sua pesquisa.
Você é designer, não trabalha diretamente com saúde. Como surgiu o seu interesse pelo tema?
Eu estava fazendo doutorado em design e queria pesquisar o porquê do design estar cada vez mais hibridizado com o marketing e com a publicidade. Quando se fala em design, logo se pensa em algo chique, mas não é isso. Por conta de outros trabalhos que fiz, ligados a hospitais e UTIs neonatais, descobri que a mamadeira não é um produto bom. Eu, como designer, me preocupei. Como meu interesse era estudar o design a serviço desse consumo desenfreado, acabei identificando a mamadeira como objeto símbolo do que eu queria criticar.
Quais são os principais problemas da mamadeira?
Primeiro: a mamadeira é um produto composto por várias partes, que se conectam por roscas e o bico é feito de material aderente, geralmente látex ou silicone. Segundo: no leite, as bactérias se proliferam cerca de 1h30 a 2h depois do líquido exposto à temperatura ambiente. O terceiro problema é que a água é um problema mundial. Somando essas três coisas, a gente tem o impacto formal da mamadeira. Essas roscas são o ambiente perfeito para a proliferação das bactérias. Se a gente lavar perfeitamente e esterilizar, pode ser que não haja problema. Mas a realidade é que existe a correria - os pais levam a mamadeira consigo e não percebem que já se passaram duas horas que o líquido está lá dentro. As mamadeiras e os leites artificiais respondem por uma imensa parcela da mortalidade infantil desde os anos 1980, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso é sabido, mas a força da indústria impede que as pessoas saibam.
E as consequências anatômicas?
Existem, sim, impactos fisiológicos, como o desenvolvimento prejudicado da arcada dentária. Se o bebê se acostuma a não fechar a boca, ele tende a respirar pela boca e o ar entra sujo nos pulmões. Muitos casos de pneumonia, problemas respiratórios e até de postura na infância, na adolescência e na vida adulta se devem à mamadeira. A OMS já admitiu que pediatras usavam tabelas de crescimento para saber se a criança estava se desenvolvendo “normalmente”. A curva dessa tabela havia sido estabelecida a partir de crianças que tinham se alimentado com leite artificial. Essas crianças eram mais gordas, porque o leite em pó é, inclusive, motivo de obesidade. Os pais iam ao médico, pesavam o bebê e ele tendia a estar aquém do peso esperado. Aí, davam leite artificial como complemento.
Por que muitas mães ainda são resistentes à ideia de abandonar o objeto?
Existe um ativista da amamentação chamado Andrew Radford que faz uma analogia muito boa: ele diz que os aparelhos de diálise são capazes de substituir os rins em caso de necessidade, mas não há ninguém que defenda que não se use mais rins para usar aparelhos de diálise. As mamadeiras também devem ser usadas só em caso de necessidade. Para as mães, ter que dedicar muito tempo para alimentar os filhos é complicado. Desde a era pré-cristã, há registros de utensílios para isso. A primeira mamadeira produzida em escala surgiu na Inglaterra durante a Revolução Industrial. Era uma garrafinha de vidro tapada por uma rolha atravessada por um canudo de metal. Era impossível de limpar. De cada 10 crianças, só duas sobreviviam e passavam de 2 anos de idade. Hoje, a mamadeira é uma cultura - ela é comprada antes mesmo do nascimento do filho
Quais seriam as alternativas à mamadeira?
A OMS orienta que a amamentação deve ser a alimentação exclusiva pelos primeiros 6 meses de vida, só depois é que os pais devem introduzir outros alimentos. Essa coisa de ficar dando água, suco, não faz sentido, porque tem tudo no leite. As pessoas precisam saber mais sobre o leite materno, que é uma coisa mágica. Se não tem leite, pode pegar o de outra mulher. A alternativa é o copo ou a colherzinha, e só. Com o copo, o bebê faz o mesmo movimento que faria com o peito, que é chupar o leite do copo, como se fosse um gatinho. É preciso técnica, porque vaza mesmo, mas os pais e cuidadores têm que dedicar tempo ao bebê.