Teste de hormônio pode ajudar a diagnosticar a depressão

A união de sintomas depressivos e do alto nível de cortisol pode servir como forma de diagnóstico da doença, segundo cientistas do Reino Unido. Hoje, apenas uma análise psiquiátrica confirma a existência do mal

por Flávia Franco 13/03/2014 14:30

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Análises clínicas feitas por psiquiatras chancelam a existência da depressão, mal que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pode afetar uma em cada seis pessoas em algum momento da vida. Em busca de formas de detectar indícios da doença antes disso, pesquisadores do Reino Unido analisam a concentração do hormônio do estresse em adolescentes. Altas taxas de cortisol combinadas com comportamentos depressivos podem ser o primeiro marcador biológico da doença.

“Isso vai nos ajudar a criar estratégias voltadas para a prevenção e a intervenção nesses indivíduos na esperança de reduzir os graves riscos causados pela depressão e suas consequências na vida adulta”, aposta Ian Goodyer, líder do estudo e professor da Universidade de Cambridge. Os resultados foram divulgados na revista Proceedings, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Entre as constatações, os cientistas concluíram que a depressão é mais frequente em meninos e que os participantes com sintomas da doença e nível alto de cortisol tinham predisposição 14 vezes maior de desenvolver o distúrbio do que aqueles que não apresentavam nenhuma das duas características.

Os pesquisadores afirmam que esse marcador sugere que médicos possam oferecer abordagens mais personalizadas e direcionadas a adolescentes com maior risco de depressão. “Essa pode ser a tão esperada maneira de reduzir o número de pessoas que sofrem com a doença”, reforça Matthew Owens, coautor do estudo.

Porém, segundo Paulo Mattos, coordenador de pesquisa em neurociência do Instituto D’Or, no Rio de Janeiro, a importância da descoberta se restringe ao campo científico. “Do ponto de vista teórico, a descoberta é relevante porque pode ajudar pesquisas futuras, mas não acredito que seja um procedimento prático”, afirma. José Alberto Del Porto, psiquiatra do Hospital da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), compartilha a mesma opinião de Mattos. “É um projeto interessante, que pode ser útil para pesquisas mais aprofundadas. Mas, na prática, o melhor instrumento de diagnóstico ainda é a análise clínica”, afirma.

Mattos conta que testes com cortisol já foram usados para auxiliar no diagnóstico da depressão anteriormente. Mas a concentração do hormônio era medida no sangue. “O paciente tomava à noite uma cortisona artificial para inibir a produção natural de cortisol no corpo. Na manhã do dia seguinte, ia ao laboratório medir o nível de cortisol que, devido à inibição, deveria estar baixo. O que se observou em pacientes com depressão foi que, mesmo com a ação de supressores, as taxas de cortisol se mantinham altas”, explica.

CB/D.A.Press
(foto: CB/D.A.Press)
Saliva

Nos estudos conduzidos por Goodyer, 1.858 adolescentes tiveram amostras da saliva recolhidas pela manhã e se submeteram ao procedimento um ano depois. Nesse período de 12 meses, os garotos e as garotas forneceram autorrelatos da vida. Por meio deles, os cientistas buscaram identificar sintomas de depressão. Combinando os relatos e os exames, os voluntários foram divididos em quatro grupos: sem problemas de cortisol e depressão, apenas com sintomas de depressão, apenas com falha hormonal, e com alto nível de cortisol e de indícios depressivos (veja infográfico).

As análises mostraram que os adolescentes do último grupo apresentaram em média uma propensão sete vezes maior de desenvolver depressão do que os participantes do primeiro, e duas a três vezes mais chances se comparados aos dois restantes. Quando levando em consideração o gênero dos voluntários, descobriu-se que os meninos do grupo 4 eram 14 vezes mais propensos a sofrer com depressão do que os do grupo 1, e duas a quatro vezes mais propensos se levado em conta os demais participantes. Por outro lado, meninas do grupo 4 apresentavam quatro vezes mais chances de ter a doença que as do primeiro grupo, mas não mais propensas a enfrentar o problema do que as demais.

Com as amostras, os britânicos analisaram a probabilidade de cada jovem desenvolver depressão clínica ou outros transtornos psiquiátricos durante acompanhamento de 12 a 36 meses depois do início do estudo. “É uma possibilidade frente a uma doença terrível que vai afetar cerca de 10 milhões de pessoas no Reino Unido”, avalia Goodyer.

Del Porto concorda com a perspectiva de combate à doença dos pesquisadores e reforça a importância da descoberta. “O mais interessante é que poderá ser possível identificar precocemente a propensão à depressão em uma população de risco”, ressalta o psiquiatra. Para Mattos, a pesquisa oferece também a possibilidade de acabar com o questionamento de diagnósticos psiquiátricos relacionados à depressão. “O fato de os nossos diagnósticos serem feitos clinicamente ainda deixa as pessoas muito inseguras. Todos querem exames que comprovem os resultados”, explica.

Comprovação
Com o intuito de demonstrar que a combinação de alto nível de cortisol e sintomas depressivos é um marcador para depressão, os pesquisadores submeteram todos os participantes a um teste de memória sobre episódios da vida. Tanto os meninos quanto as meninas do grupo 4 foram ruins em lembrar de memórias autobiográficas em mais de 30 exemplos de situações. Quando ouviram a palavra piquenique, por exemplo, a maioria dos adolescentes deu um relato detalhado sobre uma experiência vivida, sendo que os do grupo 4 relataram menos detalhes. A dificuldade com lembranças autobiográficas é um indício de depressão.