“Isso vai nos ajudar a criar estratégias voltadas para a prevenção e a intervenção nesses indivíduos na esperança de reduzir os graves riscos causados pela depressão e suas consequências na vida adulta”, aposta Ian Goodyer, líder do estudo e professor da Universidade de Cambridge. Os resultados foram divulgados na revista Proceedings, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Entre as constatações, os cientistas concluíram que a depressão é mais frequente em meninos e que os participantes com sintomas da doença e nível alto de cortisol tinham predisposição 14 vezes maior de desenvolver o distúrbio do que aqueles que não apresentavam nenhuma das duas características.
Os pesquisadores afirmam que esse marcador sugere que médicos possam oferecer abordagens mais personalizadas e direcionadas a adolescentes com maior risco de depressão. “Essa pode ser a tão esperada maneira de reduzir o número de pessoas que sofrem com a doença”, reforça Matthew Owens, coautor do estudo.
Porém, segundo Paulo Mattos, coordenador de pesquisa em neurociência do Instituto D’Or, no Rio de Janeiro, a importância da descoberta se restringe ao campo científico. “Do ponto de vista teórico, a descoberta é relevante porque pode ajudar pesquisas futuras, mas não acredito que seja um procedimento prático”, afirma. José Alberto Del Porto, psiquiatra do Hospital da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), compartilha a mesma opinião de Mattos. “É um projeto interessante, que pode ser útil para pesquisas mais aprofundadas. Mas, na prática, o melhor instrumento de diagnóstico ainda é a análise clínica”, afirma.
Mattos conta que testes com cortisol já foram usados para auxiliar no diagnóstico da depressão anteriormente. Mas a concentração do hormônio era medida no sangue. “O paciente tomava à noite uma cortisona artificial para inibir a produção natural de cortisol no corpo. Na manhã do dia seguinte, ia ao laboratório medir o nível de cortisol que, devido à inibição, deveria estar baixo. O que se observou em pacientes com depressão foi que, mesmo com a ação de supressores, as taxas de cortisol se mantinham altas”, explica.
Saliva
Nos estudos conduzidos por Goodyer, 1.858 adolescentes tiveram amostras da saliva recolhidas pela manhã e se submeteram ao procedimento um ano depois. Nesse período de 12 meses, os garotos e as garotas forneceram autorrelatos da vida. Por meio deles, os cientistas buscaram identificar sintomas de depressão. Combinando os relatos e os exames, os voluntários foram divididos em quatro grupos: sem problemas de cortisol e depressão, apenas com sintomas de depressão, apenas com falha hormonal, e com alto nível de cortisol e de indícios depressivos (veja infográfico).
As análises mostraram que os adolescentes do último grupo apresentaram em média uma propensão sete vezes maior de desenvolver depressão do que os participantes do primeiro, e duas a três vezes mais chances se comparados aos dois restantes. Quando levando em consideração o gênero dos voluntários, descobriu-se que os meninos do grupo 4 eram 14 vezes mais propensos a sofrer com depressão do que os do grupo 1, e duas a quatro vezes mais propensos se levado em conta os demais participantes. Por outro lado, meninas do grupo 4 apresentavam quatro vezes mais chances de ter a doença que as do primeiro grupo, mas não mais propensas a enfrentar o problema do que as demais.
Com as amostras, os britânicos analisaram a probabilidade de cada jovem desenvolver depressão clínica ou outros transtornos psiquiátricos durante acompanhamento de 12 a 36 meses depois do início do estudo. “É uma possibilidade frente a uma doença terrível que vai afetar cerca de 10 milhões de pessoas no Reino Unido”, avalia Goodyer.
Del Porto concorda com a perspectiva de combate à doença dos pesquisadores e reforça a importância da descoberta. “O mais interessante é que poderá ser possível identificar precocemente a propensão à depressão em uma população de risco”, ressalta o psiquiatra. Para Mattos, a pesquisa oferece também a possibilidade de acabar com o questionamento de diagnósticos psiquiátricos relacionados à depressão. “O fato de os nossos diagnósticos serem feitos clinicamente ainda deixa as pessoas muito inseguras. Todos querem exames que comprovem os resultados”, explica.
Comprovação
Com o intuito de demonstrar que a combinação de alto nível de cortisol e sintomas depressivos é um marcador para depressão, os pesquisadores submeteram todos os participantes a um teste de memória sobre episódios da vida. Tanto os meninos quanto as meninas do grupo 4 foram ruins em lembrar de memórias autobiográficas em mais de 30 exemplos de situações. Quando ouviram a palavra piquenique, por exemplo, a maioria dos adolescentes deu um relato detalhado sobre uma experiência vivida, sendo que os do grupo 4 relataram menos detalhes. A dificuldade com lembranças autobiográficas é um indício de depressão.