Depois de analisar, durante 21 dias, o comportamento de 386 voluntários que bebiam frequentemente, os cientistas responsáveis pelo estudo concluíram que a ressaca tem pouca influência na decisão de voltar a consumir álcool. “Os participantes fizeram um diário todas as manhãs e foram convidados a avaliar a probabilidade de beber mais tarde no mesmo dia. Mesmo quando os bebedores declaravam sofrer agudamente por uma ressaca, isso não afetava as intenções de consumo consciente. Em média, o intervalo entre episódios de consumo foi prorrogado por apenas algumas horas pela ressaca”, explica Thomas Piasecki, professor de psicologia da Universidade de Missouri e autor principal do estudo.
De acordo com Damaris Rohsenow, coautora do estudo e professora de ciências comportamentais e sociais na Universidade de Brown, o prazer proporcionado pelo álcool costuma falar mais alto que suas consequências para os bebedores frequentes. “Uma ressaca não atrasa ou reduz a chances de beber de novo porque as pessoas não se incomodam muito com ela e porque o prazer de intoxicação por álcool é mais importante para esses indivíduos. O prazer imediato é priorizado”, diz.
Para Piasecki, as descrições colhidas indicam que outros fatores têm muito mais peso na decisão das pessoas de beberem ou não no outro dia. “Sem dúvida, isso reflete o fato de que o comportamento de beber é determinado por uma série de fatores, como o dia da semana, a oportunidade e os planos sociais. A ressaca pode ter um papel nas margens dessa decisão”, explica Piasecki. “Isso significa que teremos de procurar outras explicações para essa ligação, como a possibilidade de que as ressacas são marcadores de outras diferenças individuais, como as diferenças de sensibilidade aos efeitos de álcool ou uma tendência a experimentar fortes desejos ligados ao consumo do álcool”, acrescenta.
O psicólogo justifica o interesse na ressaca porque episódios de mal-estar após uma bebedeira podem trazer importantes informações sobre como o álcool afeta a saúde física e mental. “Espero que os pesquisadores dirijam mais atenção a ressaca, que tem sido um tema pouco explorado em estudos de álcool.” “Os resultados nos encorajam a pensar em hipóteses alternativas que ligam ressacas e alcoolismo, tais como a possibilidade de que as ressacas são bons marcadores para outros fatores de risco”, destaca Piasecki.
Mito
Outra constatação do experimento americano é o de que beber mais para curar o incômodo físico não se mostra eficaz. Nos relatos, ficou claro que, mesmo voltando a ingerir álcool, os voluntários seguiram com os sintomas causados pela bebedeira. Segundo Arthur Guerra de Andrade, psiquiatra e chefe do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea), nesse ponto, a pesquisa ajuda a desmentir uma crença que não possui nenhuma comprovação científica.
“Todos nós ouvimos, em algum momento, que ao beber mais você corta o efeito da ressaca. Até repetem que, para combater fogo, só mais fogo ainda. Isso, porém, não é verdade. Esse é um mito que eu acreditava ser mais característico no Brasil, mas agora, com esse trabalho, vejo que ele também existe em outro país”, afirma Andrade, que não participou do estudo.
O especialista diz ainda que o trabalho traz novas discussões acerca da ressaca que podem auxiliar em novas pesquisas. “Como médico, acredito que traga outras linhas de pesquisa interessantes, principalmente quanto à saúde pública. Ele nos ajuda a chamar a atenção para pessoas que bebem por mais tempo, que são ‘fortes para bebida’, e a entender por que agem assim”, prossegue. “Penso que estudar fatores preditores da ressaca também seria interessante. Se mulheres que estão em período menstrual sofrem mais com ela, por exemplo, ou se rapazes que fazem mais exercícios sofrem menos, ou se isso tem alguma raiz depressiva”, completa Andrade.
Abrangente
Na avaliação de Luciana Diniz, professora adjunta do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisa se destaca pela quantidade de pessoas acompanhadas. “Sabemos muito pouco sobre a ressaca. Os trabalhos que conheço envolveram um número pequeno de pessoas. Esse estudo possui uma quanyidade mais abrangente, o que ajuda em termos de maior validade nos resultados”, destaca.
A pesquisadora também frisa que mais investigações contribuirão para uma visão melhor do fenômeno. “Acredito que considerar características individuais em próximos trabalhos, com análise de pessoas que não têm costume de beber tanto, por exemplo, possa nos ajudar. Falar também das crises de abstinência do álcool e seus efeitos pode auxiliar a entender melhor o assunto. Creio também que esse tema necessita de descobertas maiores, pois pode nos fornecer informações importantes, que sirvam como orientação de campanhas de saúde contra o alcoolismo, que, na minha opinião, ainda fazem falta no nosso sistema de saúde”, acredita.
Thomas Piasecki adianta que sua equipe continuará estudando o tema. “Nós ainda precisamos obter a imagem completa desse problema. Por exemplo, a ressaca pode não adiar um novo consumo, mas pode levar a reduções na quantidade de álcool consumida em episódios subsequentes. Esperamos que em trabalhos futuros possamos também olhar para fatores genéticos relacionados com esse mal-estar e se eles se sobrepõem a genes ao qual atribuímos o risco para o alcoolismo”, revela.
Assédio nos bares
Outro estudo publicado na Alcoholism: Clinical & Experimental Research mostra que homens que agridem mulheres sexualmente (forçando ou insistindo em contato de cunho sexual de algum tipo) em bares ou casas noturnas escolhem como alvos vítimas que aparentam estar embriagadas. Quanto maior a quantidade de álcool consumida por uma mulher nesses ambientes, maior a chance de ser assediada. Segundo os autores, isso sugere que os responsáveis pelo ataque percebem as mulheres embriagadas como alvos mais vulneráveis ou possíveis de serem responsabilizadas pela violência que sofrem. Os autores observaram 1.057 incidentes de agressão durante 1.334 visitas a 118 bares em Toronto (Canadá).