O desenvolvimento de vacinas contra a influenza é considerado por muitos pesquisadores um tiro no escuro. Levantamentos das linhagens virais que atacam de tempos em tempos ajudam na produção de terapias de imunização que conseguem, em parte, amenizar o impacto da gripe sazonal. No entanto, as alterações que o vírus sofre de um ano para outro podem trazer surpresas desagradáveis, como a pandemia do H1N1 em 2009. Apesar da dificuldade de prever o futuro, uma equipe de pesquisadores da Alemanha desenvolveu um método capaz de antever como o micro-organismo evolui de um ano para outro. Esse tipo de projeção pode contribuir para pesquisas de vacinas mais eficientes contra a doença.
Certos aspectos da dinâmica evolucionária da gripe, se não são previsíveis, são altamente repetitivos. Como o vírus infecta até 15% da população humana a cada ano, a maioria dos indivíduos tem algum grau de imunidade contra ele. No entanto, novas cepas portadoras de mutações nos epítopos (regiões de proteínas que são reconhecidas por anticorpos humanos) surgem regularmente. Inicialmente, elas têm uma vantagem física sobre as anteriores porque podem escapar melhor da resposta imunológica do hospedeiro.
Como resultado, essas novas cepas aparecem mais vezes ao longo dos anos. Os hospedeiros suscetíveis à infecção, no entanto, adquirem imunidade. Surge, então, a necessidade de o vírus renovar seus subtipos, criando versões mais resistentes aos anticorpos. Esse processo contínuo de evolução, chamado de mudança antigênica, resulta na rotatividade da população viral. Por isso a necessidade da renovação constante da composição de vacinas contra a influenza sazonal.
Na essência, o modelo desenvolvido sob a liderança de Marta Luksza, da University of Cologne, na Alemanha, antevê o aparecimento de linhagens virais em um determinado ano usando frequências e taxas de adaptação do anterior. “Os resultados podem ser melhorados se nós tivermos mais dados sobre mutações específicas, inibição de hemaglutinação, genética da neuraminidase e distribuição geográfica das cepas. Juntando tudo, esperamos uma melhor compreensão e previsão das variantes da gripe, inclusive das linhagem pandêmicas das gripes aviárias H5N1 e H7N9”, observa Luksza.
Paulo Sousa Prado, biólogo especialista em saúde do Núcleo de Virologia do Laboratório Central de Saúde Pública do DF (Lacen-DF), considera os resultados interessantes. “Chama a atenção o fato de o projeto utilizar análises estatísticas que não levam apenas o ano anterior em consideração.” Os pesquisadores utilizaram uma série histórica de informações sobre a influenza A que regista o comportamento do vírus de 1968 a 2012. Um subtipo da influenza A foi estudado em especial, o H3N2. Ele é formado por informações genéticas de vírus aviários, suínos e humanos, e considerado um dos sazonais de maior circulação.
Por isso, inclusive, faz parte, com o H1N1, do desenvolvimento das vacinas. “As aves são as hospedeiras mais frequentes e não é normal que o vírus delas infecte humanos. Mas pode acontecer, e está se tornando cada vez mais comum. De repente, há uma mistura desses três tipos de vírus que geralmente começa com a ave infectando o porco (mas pessoas também podem infectá-los). Esse é o caso da H3N2. A mistura pode ser devastadora para a população humana que ainda não tem imunidade”, explica Prado.
O estudo investigou 3.944 sequências de mutações que ocorreram na proteína hemaglutinina (HA). Segundo Prado, a HA tem mais de 10 alterações genéticas conhecidas, o que dificulta o desenvolvimento de uma vacina eficiente. É nessa estrutura e na neuraminidase (NA) que se dão as maiores taxas de mutação. Pode ser que a vacina não cubra a variação na HA, o que vai deixar a população exposta e desprotegida. Por isso, o modelo desenvolvido na Alemanha leva em conta o sucesso de replicações do vírus na superfície da HA, estrutura chamada de epítopos.
Base biológica
Katia Koelle, pesquisadora do Departamento de Biologia da Universidade de Duke (EUA) ressalta que essa abordagem tem uma clara fundamentação biológica. As mutações nos epítopos são benéficas aos vírus porque alteram as características estruturais atacadas pelos anticorpos. “Assim, uma estirpe pode ter maior aptidão do que as concorrentes em ser antigenicamente mais distinta das cepas que circularam anteriormente. Por outro lado, mutações em regiões fora dos epítopos são ruins porque reduzem a estabilidade da proteína ou perturbam funções do vírus que foram conservadas na evolução”, observa.
A partir do direcionamento do modelo sobre a dinâmica evolutiva de linhagens históricas, os autores foram capazes de estimar os efeitos da aptidão dessas duas classes de mutação e, desse modo, quantificar o sucesso de cepas circulantes com base nas mutações que carregam. Usando essas estimativas, projetaram as frequências dos subtipos para um ano adiante. Eles determinaram a precisão das previsões do modelo, que utiliza uma abordagem computacional com algoritmos, comparando as mudanças na frequência dos subtipos ao longo das estações. O modelo previu corretamente o crescimento em linhagens virais em 93% do tempo, e o declínio pôde ser visto em 76% das vezes.
“Esse modelo preditivo pode ser muito útil aos pesquisadores que tentam determinar quais estirpes do vírus eles devem incluir nas vacinas sazonais. Atualmente, os tipos virais que são escolhidos para integrar as vacinas são previstos com ensaios que quantificam as diferenças antigênicas (de evolução de mutações) entre as cepas circulantes. Esse método é eficiente, mas alguns desencontros entre a vacina e as linhagens em circulação podem gerar epidemias de um tipo específico do vírus em uma outra estação”, diz Koelle.
A pesquisadora ressalta que, em termos de seleção de estirpes para a produção de vacinas sazonais, é importante ter em mente que o objetivo final da vacinação não deve ser a redução da quantidade de infecções, mas a minimização do número de mortes por gripe e o custo econômico global dessa doença a partir da resistência do sistema imunológico aos subtipos. “Modificar o modelo para incorporar esses objetivos parece relativamente simples, desde que existam dados suficientes para quantificar como as estirpes virais diferem em virulência e em outras propriedades relevantes.”
Ações regionalizadas
"A abordagem é visionária, mas, talvez, nem todos lugares tenham a oportunidade de utilizar esse método. Atualmente, reunimos os dados dos laboratórios e os enviamos ao laboratório de referência nacional, que os encaminha ao Centro de Controle de Doenças, nos EUA. Lá, são produzidas as vacinas utilizadas no Brasil. Se você pegar estirpes do México ou da Ásia, encontrará diferenças e características de mutação. O trabalho é interessante por dar outra alternativa. É importante frisar que, hoje, as vacinas não são desenvolvidas em cima de informações de cepas do ano anterior, pois podem surgir novas linhagens. Em alguns anos, a variação é pequena e em outros, grande. Por isso essa previsão é importante."
Funções distintas
A hemaglutinina (HA) fica na camada mais externa do vírus, o envelope. É a responsável pelo reconhecimento e pela ligação do vírus nas células do sistema respiratório. Liga-se a elas e se aglutina aos glóbulos vermelhos do sangue. A letra H que aparece no nome dos subtipos virais se refere a essa proteína. Já a neuraminidase (NA) reconhece a mesma molécula que a HA, o ácido siálico da membrana celular, e também está localizada no envelope. No entanto, tem função distinta: ajuda o vírus a deixar a célula e invadir uma outra. Ela representa a letra N nos nomes dos subtipos virais
Certos aspectos da dinâmica evolucionária da gripe, se não são previsíveis, são altamente repetitivos. Como o vírus infecta até 15% da população humana a cada ano, a maioria dos indivíduos tem algum grau de imunidade contra ele. No entanto, novas cepas portadoras de mutações nos epítopos (regiões de proteínas que são reconhecidas por anticorpos humanos) surgem regularmente. Inicialmente, elas têm uma vantagem física sobre as anteriores porque podem escapar melhor da resposta imunológica do hospedeiro.
Como resultado, essas novas cepas aparecem mais vezes ao longo dos anos. Os hospedeiros suscetíveis à infecção, no entanto, adquirem imunidade. Surge, então, a necessidade de o vírus renovar seus subtipos, criando versões mais resistentes aos anticorpos. Esse processo contínuo de evolução, chamado de mudança antigênica, resulta na rotatividade da população viral. Por isso a necessidade da renovação constante da composição de vacinas contra a influenza sazonal.
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Paulo Sousa Prado, biólogo especialista em saúde do Núcleo de Virologia do Laboratório Central de Saúde Pública do DF (Lacen-DF), considera os resultados interessantes. “Chama a atenção o fato de o projeto utilizar análises estatísticas que não levam apenas o ano anterior em consideração.” Os pesquisadores utilizaram uma série histórica de informações sobre a influenza A que regista o comportamento do vírus de 1968 a 2012. Um subtipo da influenza A foi estudado em especial, o H3N2. Ele é formado por informações genéticas de vírus aviários, suínos e humanos, e considerado um dos sazonais de maior circulação.
Por isso, inclusive, faz parte, com o H1N1, do desenvolvimento das vacinas. “As aves são as hospedeiras mais frequentes e não é normal que o vírus delas infecte humanos. Mas pode acontecer, e está se tornando cada vez mais comum. De repente, há uma mistura desses três tipos de vírus que geralmente começa com a ave infectando o porco (mas pessoas também podem infectá-los). Esse é o caso da H3N2. A mistura pode ser devastadora para a população humana que ainda não tem imunidade”, explica Prado.
O estudo investigou 3.944 sequências de mutações que ocorreram na proteína hemaglutinina (HA). Segundo Prado, a HA tem mais de 10 alterações genéticas conhecidas, o que dificulta o desenvolvimento de uma vacina eficiente. É nessa estrutura e na neuraminidase (NA) que se dão as maiores taxas de mutação. Pode ser que a vacina não cubra a variação na HA, o que vai deixar a população exposta e desprotegida. Por isso, o modelo desenvolvido na Alemanha leva em conta o sucesso de replicações do vírus na superfície da HA, estrutura chamada de epítopos.
Base biológica
Katia Koelle, pesquisadora do Departamento de Biologia da Universidade de Duke (EUA) ressalta que essa abordagem tem uma clara fundamentação biológica. As mutações nos epítopos são benéficas aos vírus porque alteram as características estruturais atacadas pelos anticorpos. “Assim, uma estirpe pode ter maior aptidão do que as concorrentes em ser antigenicamente mais distinta das cepas que circularam anteriormente. Por outro lado, mutações em regiões fora dos epítopos são ruins porque reduzem a estabilidade da proteína ou perturbam funções do vírus que foram conservadas na evolução”, observa.
A partir do direcionamento do modelo sobre a dinâmica evolutiva de linhagens históricas, os autores foram capazes de estimar os efeitos da aptidão dessas duas classes de mutação e, desse modo, quantificar o sucesso de cepas circulantes com base nas mutações que carregam. Usando essas estimativas, projetaram as frequências dos subtipos para um ano adiante. Eles determinaram a precisão das previsões do modelo, que utiliza uma abordagem computacional com algoritmos, comparando as mudanças na frequência dos subtipos ao longo das estações. O modelo previu corretamente o crescimento em linhagens virais em 93% do tempo, e o declínio pôde ser visto em 76% das vezes.
“Esse modelo preditivo pode ser muito útil aos pesquisadores que tentam determinar quais estirpes do vírus eles devem incluir nas vacinas sazonais. Atualmente, os tipos virais que são escolhidos para integrar as vacinas são previstos com ensaios que quantificam as diferenças antigênicas (de evolução de mutações) entre as cepas circulantes. Esse método é eficiente, mas alguns desencontros entre a vacina e as linhagens em circulação podem gerar epidemias de um tipo específico do vírus em uma outra estação”, diz Koelle.
A pesquisadora ressalta que, em termos de seleção de estirpes para a produção de vacinas sazonais, é importante ter em mente que o objetivo final da vacinação não deve ser a redução da quantidade de infecções, mas a minimização do número de mortes por gripe e o custo econômico global dessa doença a partir da resistência do sistema imunológico aos subtipos. “Modificar o modelo para incorporar esses objetivos parece relativamente simples, desde que existam dados suficientes para quantificar como as estirpes virais diferem em virulência e em outras propriedades relevantes.”
Ações regionalizadas
"A abordagem é visionária, mas, talvez, nem todos lugares tenham a oportunidade de utilizar esse método. Atualmente, reunimos os dados dos laboratórios e os enviamos ao laboratório de referência nacional, que os encaminha ao Centro de Controle de Doenças, nos EUA. Lá, são produzidas as vacinas utilizadas no Brasil. Se você pegar estirpes do México ou da Ásia, encontrará diferenças e características de mutação. O trabalho é interessante por dar outra alternativa. É importante frisar que, hoje, as vacinas não são desenvolvidas em cima de informações de cepas do ano anterior, pois podem surgir novas linhagens. Em alguns anos, a variação é pequena e em outros, grande. Por isso essa previsão é importante."
Paulo Sousa Prado,
biólogo especialista em saúde do Lacen-DF
biólogo especialista em saúde do Lacen-DF
Funções distintas
A hemaglutinina (HA) fica na camada mais externa do vírus, o envelope. É a responsável pelo reconhecimento e pela ligação do vírus nas células do sistema respiratório. Liga-se a elas e se aglutina aos glóbulos vermelhos do sangue. A letra H que aparece no nome dos subtipos virais se refere a essa proteína. Já a neuraminidase (NA) reconhece a mesma molécula que a HA, o ácido siálico da membrana celular, e também está localizada no envelope. No entanto, tem função distinta: ajuda o vírus a deixar a célula e invadir uma outra. Ela representa a letra N nos nomes dos subtipos virais