Talvez nada cause mais medo — ou preguiça, a depender de quem escuta — do que a frase “precisamos conversar”. Pelo menos para a maioria dos casais, discutir a relação não é exatamente o melhor programa a dois. Mulheres esbravejam, homens reviram os olhos, uma nuvem negra se arma sobre a relação. Que a tal da DR (discussão da relação) é chata não há dúvida. No entanto, pode ser necessária para acertar os ponteiros e, dificilmente, um casal escapará dessa “manutenção”.
Para quem duvida, há até respaldo científico em favor da discussão. Em dezembro passado, pesquisadores da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, publicaram um estudo intrigante, que tinha como ponto de partida a pergunta “É melhor ser feliz ou ter razão?”. O senso comum aponta a primeira opção como a mais conveniente. Mas não foi isso que os cientistas constataram…
Foi escolhido um casal de voluntários disposto a medir o seu nível de qualidade de vida entre 0 e 10 durante algum tempo. Sem conhecimento da mulher, pediram ao homem (inclinado a abdicar da razão em nome da felicidade), que concordasse com qualquer opinião dela, mesmo que discordasse completamente. A hipótese era que a atitude do marido melhoraria a qualidade de vida de ambos. Mas, passados 12 dias, a pesquisa precisou ser interrompida às pressas. A qualidade de vida dele havia caído de 7 para 3. A da companheira havia subido, timidamente, de 8 para 8,5.
Em vez de trazer paz à relação, o comportamento do homem acabou levando a mulher a se tornar ainda mais crítica. Ele então jogou a toalha, contou tudo à mulher e terminou o relacionamento. “Nós pensávamos que os dois ficariam mais felizes ao fim da pesquisa, e ficamos realmente surpresos com os acontecimentos sérios e muito negativos”, disse à Revista Bruce Arroll, professor da universidade e chefe da pesquisa. A conclusão foi: evitar discussões pode ser pior do que as encarar de uma vez. E, sim, às vezes, as pessoas precisam ter razão — mais do que isso, precisam que os outros reconheçam que ela está certa.
Como desarmar uma bomba
A enfermeira Marília Ferro, 28 anos, e o namorado, o engenheiro automotivo Heitor Campos, 24, nem precisaram do resultado da pesquisa do professor Arroll para entender que, sem discutir, a relação não iria a lugar nenhum. Juntos há quatro anos, eles concordam que a convivência é uma arte que precisa de manutenção. “A expressão DR soa pejorativa. Você vê um casal batendo boca em uma festa e já diz: ‘Vixe, estão tendo uma DR’. Mas, para mim, não é a mesma coisa que briga”, pondera Marília.
Ela e Heitor aprenderam que expressar chateações é mais saudável do que alimentar sentimentos como raiva e frustração. “Logo que nos conhecemos, já disse para ele que, quando existisse alguma diferença, não era para sair de casa irritado, batendo porta. É para sentar e esclarecer, doa a quem doer”, continua.
Mas se, para Marília, discutir diferenças sempre fez parte da rotina — algo que ela aprendeu com a mãe, que fazia “mesas redondas” com a família —, Heitor precisou aprender com a namorada que falar é melhor do que guardar. “Nunca tivemos, em casa, o hábito de conversar. Sempre fui mais de guardar e deixar para lá”, conta o engenheiro. “No começo do namoro, eu não entendia nada. Ele ficava dois dias sem ligar, e eu ficava me perguntando o que será que tinha acontecido”, lembra a namorada.
Faz dois anos que eles dividem o mesmo teto, e os pequenos aborrecimentos estão sob controle. “Para a gente, a DR é, na verdade, um exercício para o casal se entender, chegar a um acordo sobre alguma coisa. Se algo me incomoda, eu prefiro falar na hora, resolver logo aquilo. A gente acha que isso deve ser uma coisa diária”, opina Marília. “Casal que briga demais, pode saber que precisa de umas DRs. Quando eu vejo gente discutindo no meio da rua, já penso: ‘Ih, pode cavar isso aí mais fundo que tem coisa para resolver’”, brinca a jovem.
A lição de Marília e Heitor é a mesma dos consultórios de terapeutas de casais: aprenda a lidar com conflitos em vez de ignorá-los. Varrer as desavenças para debaixo do tapete tende a ser o caminho mais curto para o desastre conjugal. “Quando você perde a comunicação com o parceiro, perde a conexão. Resgatar a comunicação é fundamental para revitalizar o relacionamento”, sublinha a psicóloga e especialista em comportamento humano Luiza Ricotta, autora dos livros O vínculo amoroso e Quem grita perde a razão.
Para a psicóloga, o não confrontamento até prolonga um relacionamento, mas não traz felicidade. “Tem gente que não gosta de DR, mas adora se queixar do companheiro para os amigos. Em casa, não diz nada. Essa pessoa tem interesse em manter o casamento, mas não em manter qualidade”, critica. “Quem faz DR se importa, está envolvido com o outro. Não significa afastamento”, completa.
E, na hora da DR, desabafar é importante, mas não é tudo. De acordo com os especialistas, é bom ter em mente que a discussão visa sempre chegar a uma solução. “Alguns casais vivem discutindo a relação sem jamais chegarem a um consenso”, analisa a psicóloga e terapeuta de casais Iara Camaratta, autora dos livros A escolha do cônjuge e O casal diante do espelho. “Ambos falam, mas nenhum escuta. Discussões dessa natureza são estéreis e não contribuem em nada. Uma DR só é frutífera quando os dois se dispõem a se expressar com clareza e respeito, acolhendo-se mutuamente”, diz. Pode-se ceder se for preciso. “Não é vergonha nenhuma mudar de posição. Quando os parceiros conseguem estabelecer uma linha de diálogo, no geral, os resultados são muito favoráveis”, conclui.
Outro ponto importante para que a discussão seja frutífera, avalia a psicóloga Sandra Salomão, gestalt-terapeuta e professora da PUC-Rio, é que o conflito precisa ser sensato. Por exemplo, discutir que um precisa amar o outro do mesmo jeito provavelmente não dará resultado. “A relação boa de discutir é que o casal vai para lados diferentes ao tomar decisões, como na criação dos filhos. Ou, no caso de namorados, nos ‘contratos’ do relacionamento. Por exemplo, se o acordo é que eles podem sair sozinhos com amigos, mas precisam avisar o outro e isso não acontece, aí é a hora de discutir a quebra do acordo”, explica.
Além disso, ela alerta para os casos em que as discussões acontecem por puro hábito. “A pessoa está tão acostumada a um relacionamento ruim que quer ter DR todo dia. É preciso diferenciar o que é uma discussão para mudar e o que é uma discussão para ficar na mesma”, pontua. Fato é que os casais mais felizes também passarão por DRs. Se há uma fórmula que a ciência ainda não desvendou, é a do relacionamento perfeito. “Plena felicidade conjugal? Não, isso não é possível. Seria como ter vida sem dor física ou sentimental. É a condição humana”, resume Bruce Arroll, da Universidade de Auckland.
Um pequeno roteiro
Não que exista algum tipo de fórmula para discutir a relação... Os terapeutas são unânimes em dizer que cada casal tem um tempo e uma dinâmica. Mas, como respirar fundo e aceitar alguns conselhos nunca matou ninguém, aí vai um “quase” passo a passo da boa DR:
Para quem duvida, há até respaldo científico em favor da discussão. Em dezembro passado, pesquisadores da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, publicaram um estudo intrigante, que tinha como ponto de partida a pergunta “É melhor ser feliz ou ter razão?”. O senso comum aponta a primeira opção como a mais conveniente. Mas não foi isso que os cientistas constataram…
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Em vez de trazer paz à relação, o comportamento do homem acabou levando a mulher a se tornar ainda mais crítica. Ele então jogou a toalha, contou tudo à mulher e terminou o relacionamento. “Nós pensávamos que os dois ficariam mais felizes ao fim da pesquisa, e ficamos realmente surpresos com os acontecimentos sérios e muito negativos”, disse à Revista Bruce Arroll, professor da universidade e chefe da pesquisa. A conclusão foi: evitar discussões pode ser pior do que as encarar de uma vez. E, sim, às vezes, as pessoas precisam ter razão — mais do que isso, precisam que os outros reconheçam que ela está certa.
Como desarmar uma bomba
A enfermeira Marília Ferro, 28 anos, e o namorado, o engenheiro automotivo Heitor Campos, 24, nem precisaram do resultado da pesquisa do professor Arroll para entender que, sem discutir, a relação não iria a lugar nenhum. Juntos há quatro anos, eles concordam que a convivência é uma arte que precisa de manutenção. “A expressão DR soa pejorativa. Você vê um casal batendo boca em uma festa e já diz: ‘Vixe, estão tendo uma DR’. Mas, para mim, não é a mesma coisa que briga”, pondera Marília.
Ela e Heitor aprenderam que expressar chateações é mais saudável do que alimentar sentimentos como raiva e frustração. “Logo que nos conhecemos, já disse para ele que, quando existisse alguma diferença, não era para sair de casa irritado, batendo porta. É para sentar e esclarecer, doa a quem doer”, continua.
Mas se, para Marília, discutir diferenças sempre fez parte da rotina — algo que ela aprendeu com a mãe, que fazia “mesas redondas” com a família —, Heitor precisou aprender com a namorada que falar é melhor do que guardar. “Nunca tivemos, em casa, o hábito de conversar. Sempre fui mais de guardar e deixar para lá”, conta o engenheiro. “No começo do namoro, eu não entendia nada. Ele ficava dois dias sem ligar, e eu ficava me perguntando o que será que tinha acontecido”, lembra a namorada.
Faz dois anos que eles dividem o mesmo teto, e os pequenos aborrecimentos estão sob controle. “Para a gente, a DR é, na verdade, um exercício para o casal se entender, chegar a um acordo sobre alguma coisa. Se algo me incomoda, eu prefiro falar na hora, resolver logo aquilo. A gente acha que isso deve ser uma coisa diária”, opina Marília. “Casal que briga demais, pode saber que precisa de umas DRs. Quando eu vejo gente discutindo no meio da rua, já penso: ‘Ih, pode cavar isso aí mais fundo que tem coisa para resolver’”, brinca a jovem.
A lição de Marília e Heitor é a mesma dos consultórios de terapeutas de casais: aprenda a lidar com conflitos em vez de ignorá-los. Varrer as desavenças para debaixo do tapete tende a ser o caminho mais curto para o desastre conjugal. “Quando você perde a comunicação com o parceiro, perde a conexão. Resgatar a comunicação é fundamental para revitalizar o relacionamento”, sublinha a psicóloga e especialista em comportamento humano Luiza Ricotta, autora dos livros O vínculo amoroso e Quem grita perde a razão.
Para a psicóloga, o não confrontamento até prolonga um relacionamento, mas não traz felicidade. “Tem gente que não gosta de DR, mas adora se queixar do companheiro para os amigos. Em casa, não diz nada. Essa pessoa tem interesse em manter o casamento, mas não em manter qualidade”, critica. “Quem faz DR se importa, está envolvido com o outro. Não significa afastamento”, completa.
E, na hora da DR, desabafar é importante, mas não é tudo. De acordo com os especialistas, é bom ter em mente que a discussão visa sempre chegar a uma solução. “Alguns casais vivem discutindo a relação sem jamais chegarem a um consenso”, analisa a psicóloga e terapeuta de casais Iara Camaratta, autora dos livros A escolha do cônjuge e O casal diante do espelho. “Ambos falam, mas nenhum escuta. Discussões dessa natureza são estéreis e não contribuem em nada. Uma DR só é frutífera quando os dois se dispõem a se expressar com clareza e respeito, acolhendo-se mutuamente”, diz. Pode-se ceder se for preciso. “Não é vergonha nenhuma mudar de posição. Quando os parceiros conseguem estabelecer uma linha de diálogo, no geral, os resultados são muito favoráveis”, conclui.
Outro ponto importante para que a discussão seja frutífera, avalia a psicóloga Sandra Salomão, gestalt-terapeuta e professora da PUC-Rio, é que o conflito precisa ser sensato. Por exemplo, discutir que um precisa amar o outro do mesmo jeito provavelmente não dará resultado. “A relação boa de discutir é que o casal vai para lados diferentes ao tomar decisões, como na criação dos filhos. Ou, no caso de namorados, nos ‘contratos’ do relacionamento. Por exemplo, se o acordo é que eles podem sair sozinhos com amigos, mas precisam avisar o outro e isso não acontece, aí é a hora de discutir a quebra do acordo”, explica.
Além disso, ela alerta para os casos em que as discussões acontecem por puro hábito. “A pessoa está tão acostumada a um relacionamento ruim que quer ter DR todo dia. É preciso diferenciar o que é uma discussão para mudar e o que é uma discussão para ficar na mesma”, pontua. Fato é que os casais mais felizes também passarão por DRs. Se há uma fórmula que a ciência ainda não desvendou, é a do relacionamento perfeito. “Plena felicidade conjugal? Não, isso não é possível. Seria como ter vida sem dor física ou sentimental. É a condição humana”, resume Bruce Arroll, da Universidade de Auckland.
"Ambos falam, mas nenhum escuta. Discussões dessa natureza são estéreis e não contribuem em nada. Uma DR só é frutífera quando os dois se dispõem a se expressar com clareza e respeito, acolhendo-se mutuamente" - Iara Camaratta, psicóloga e terapeuta de casais
Um pequeno roteiro
Não que exista algum tipo de fórmula para discutir a relação... Os terapeutas são unânimes em dizer que cada casal tem um tempo e uma dinâmica. Mas, como respirar fundo e aceitar alguns conselhos nunca matou ninguém, aí vai um “quase” passo a passo da boa DR:
- Dê um tempo, mas não muito
- Transforme queixas em pedidos
- Segure as punições
- Não exija, faça acordos
- Começou? Vá até o fim
- Arranque logo o band-aid
- Siga adiante