Saúde

Xarope de milho de alta frutose e Bisfenol A, parte 2: o plástico pode ser assassino?

Uso do BPA na fabricação de mamadeiras está proibido no país, mas ele continua fazendo parte de nossas vidas sob outras formas. É realmente perigoso?

Letícia Orlandi

Uma vez absorvido pelo organismo, o BPA pode atuar de forma semelhante a hormônios e estimular indevidamente o funcionamento das glândulas
Na sequência da reportagem sobre os candidatos a vilões da saúde do século XXI, hoje vamos falar sobre o Bisfenol A (ou BPA), que pode estar presente inclusive nessa garrafinha de água que você mantém sobre a mesa de trabalho. Ontem, para quem ainda não leu, a primeira parte da matéria esclareceu dúvidas sobre o xarope de milho rico em frutose.


Conversamos com o endocrinologista pediátrico Rafael Mantovani para saber quanto há de 'terrorismo' e de realidade nos posts exaustivamente compartilhados sobre esses temas, principalmente por pais e mães preocupados, nas redes sociais.

Plástico que parece brinquedo, mas é assassino?
Assim como o xarope de milho rico em frutose, o Bisfenol-A (BPA), também não está livre de polêmica. Composto usado na fabricação de policarbonato, presente em grande parte dos plásticos rígidos e transparentes, o BPA pode ser encontrado também no revestimento interno de embalagens que acondicionam bebidas e alimentos, como as latas de alumínio para refrigerantes comercializadas no Brasil. O uso do BPA em mamadeiras está proibido no país desde janeiro de 2012, mas ele continua fazendo parte de nossas vidas sob outras formas. E por que ele é perigoso?

Hábito de guardar comida em embalagens plásticas na geladeira e depois levá-la imediatamente ao aquecimento no micro-ondas pode favorecer a contaminação dos alimentos
Rafael Mantovani explica que essa substância é um disruptor endócrino. Isso quer dizer que ele, uma vez absorvido pelo organismo, pode atuar de forma semelhante aos hormônios e estimular indevidamente o funcionamento das glândulas. Em alguns casos pesquisados, ele se assemelha ao estrógeno (hormônio feminino). “O BPA é associado a alguns casos de câncer e também a ocorrências de puberdade precoce, ginecomastia (crescimento anomal de mamas em homens), obesidade, doenças cardíacas e problemas reprodutivos, como a infertilidade masculina”, explica o médico.

Pesquisa da Universidade de Colúmbia (EUA) apontou ainda que o BPA pode ser transmitido ao feto durante a gestação e alterar as funções cerebrais do embrião, motivando inclusive mudanças de comportamento no futuro. Um outro trabalho, desta vez da Universidade Goethe, de Frankfurt, constatou a presença de desreguladores endócrinos na água mineral engarrafada. O estudo incluiu amostras de água acondicionadas em plástico na França, Alemanha e Itália. Das 18 marcas analisadas, 61,1% (ou seja, 11) apresentaram resultados que indicam uma resposta ao estrogênio significativa no ensaio biológico. Ainda segundo os pesquisadores alemães, a mesma água na embalagem de vidro apresentou um terço da atividade estrogênica.

 

Os riscos apontados por milhares de investigações científicas motivaram a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) a criar a campanha “Diga não ao bisfenol A, a vida não tem plano B” e também uma Comissão Nacional de Disruptores Endócrinos.

BPA em mamadeiras é coisa do passado - a Anvisa proibiu a comercialização em 2012. Mas o elemento está presente no revestimento interno de latas vendidas no pais, por exemplo
Além do Bisfenol A, são considerados desreguladores endócrinos os ftalatos (substâncias também utilizadas no processo de fabricação do plástico); os fitoestrógenos, como a soja; além de alguns pesticidas e metais pesados como o arsênio, o cádmio e o mercúrio. A exposição prolongada e a idade em que ocorre o contato com esses elementos interferem nas consequências que eles podem ter para a saúde, daí a importância de se redobrar a atenção com as crianças – no caso delas, até mesmo doses consideradas ‘baixas’ podem provocar alterações.

Mantovani salienta que o principal estímulo para a contaminação do alimento pelo BPA são as mudanças de temperatura, porque o bisfenol é um elemento instável. “Um hábito corriqueiro que é perigoso: utilizar vasilhame de plástico para guardar a comida na geladeira e depois aquecê-la no microondas nesta mesma vasilha”, ensina. O médico explica que hoje existem produtos plásticos no mercado com o selo BPA Free (livre de BPA), que devem ter a preferência na hora da compra.

 

Proibido para uns, liberado para outros
Mas ainda não há uma legislação para banir totalmente a substância. A Comissão Nacional de Disruptores Endócrinos apoia iniciativas para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determine que os produtos constituídos por BPA contenham avisos no rótulo, para que o consumidor possa fazer suas opções de forma mais consciente.

Segundo a Anvisa, no entanto, a resolução RDC n. 41/2011, que proibiu a comercialização de mamadeiras em policarbonato no Brasil, foi estabelecida ‘por precaução’, ‘considerando a maior exposição e susceptibilidade dos indivíduos usuários deste produto’. A Agência informa ainda que, segundo os especialistas, devido à considerável incerteza relacionada com a validade e relevância de observações referentes a baixas doses de BPA, “seria prematuro afirmar que estas avaliações fornecem uma estimativa realista do risco à saúde humana”.

Embora reconheça que os resultados de milhares de estudos devam orientar mais pesquisas, a fim de reduzir as dúvidas, a Anvisa reforça que, para as demais aplicações, o BPA ainda é permitido. A legislação estabelece o limite máximo de migração específica desta substância para o alimento - 0,6 miligramas por quilo, mas as indústrias não são obrigadas a especificar seus índices no produto. O órgão federal utilizou alguns desses argumentos para se posicionar diante de uma ação civil pública apresentada pela Procuradoria da República no Estado de São Paulo, em 2011. O juiz concedeu liminar, mas a Anvisa entrou com agravo de instrumento para suspendê-la.

Embalagens plásticas marcadas com os números 3 ou 7 têm maior chance de conter BPA
Na prática, existem algumas dicas para evitar a contaminação por BPA. As embalagens que contém a substância geralmente são marcadas com o número 3 ou 7 em um selo no fundo do recipiente. Esses números podem indicar também a presença de ftalatos. Veja mais orientações:

Dicas:
- Jamais esquente no microondas bebidas e alimentos acondicionados no plástico. O bisfenol A é liberado em maiores quantidades quando o plástico é aquecido.

-Evitar levar ao freezer alimentos e bebidas acondicionadas no plástico. A liberação do composto também é mais intenso quando há um resfriamento.

-Reduza o consumo de alimentos enlatados.

-Evite pratos, copos e outros utensílios de plástico. Opte pelo vidro, porcelana e aço inoxidável na hora de armazenar bebidas e alimentos.

-Descarte utensílios de plástico lascados ou arranhados. Evite lavá-los com detergentes fortes ou colocá-los na máquina de lavar louças.

Para saber mais sobre os disruptores endócrinos, acesse: www.desreguladoresendocrinos.org.br