Assista:
O ilustrador Emerson Penerari, 38 anos, foi um dos poucos que se manifestou avesso ao slogan comemorativo no canal da Galinha Pintadinha no Youtube: “Essa geração de novos pais querem as crianças quietas, então?”, questionou. Pai de Helena, de 6 anos, ele conta que teve acesso ao vídeo por acaso. “Havia clicado em um clipe musical para assistir no Youtube, e, antes de o vídeo iniciar, começou o da Galinha. Geralmente clico em “Pular Anúncio”, mas como conheço o núcleo de criadores da Galinha Pintadinha (moro em Campinas, também trabalho com ilustração e eles iniciaram os trabalhos aqui), resolvi assistir para prestigiar o trabalho. Infelizmente não gostei do slogan que usaram para comemorar 1 bilhão de visualizações”. O que o incomodou foi a forma como os criadores da Galinha Pintadinha querem que seus vídeos sejam usados. “Como forma de deixar as crianças quietas, estáticas, caladas, sentadas. Não inventaram ainda um manual de criação de filhos, não sou pedagogo, posso estar enganado em algumas colocações, mas tenho certeza que, quando uma criança fica quieta por tempo demais, alguma coisa está errada”, pondera.
A psicóloga clínica e professora do Departamento de Psicologia da PUC Minas, Heloísa Lasmar cita a psicanalista Melanie Klein, uma das pioneiras no atendimento clínico de crianças, para resumir o incômodo do pai de Helena. “Se a criança está muito quietinha, o adulto pode se inquietar por que tem alguma coisa fora do lugar”. A especialista questiona, inclusive, a veracidade da mensagem que aparece no vídeo. “Algumas crianças ficam quietinhas durante um tempo”. Para ela, o que meninos e meninas saudáveis mostram é que eles não param. “O que incomoda o adulto desde sempre é essa inabilidade para a criança ficar quieta”, alerta. Dentro desse contexto, o slogan da campanha no Youtube até refletiria uma necessidade das famílias.
Heloísa Lasmar explica que essa inquietude peculiar ao universo infantil reflete a descoberta do mundo. “Crianças canalizam toda a energia para explorar e organizar de alguma forma um mundo desconhecido para elas. Essa agitação enorme é comum até os 5 anos. Depois disso, as crianças ficam um pouco mais calmas e passam a orientar o interesse delas para alguma coisa mais pontual, como por exemplo, os colegas ou os estudos. Nessa fase, elas já conseguiram algumas respostas de como as coisas funcionam”, explica.
Emerson Penerari conta que quando saiu o primeiro DVD da Galinha Pintadinha sua filha assistiu bastante. “Mas no momento prefere animações com princesas e pôneis. Acho que é fase”, observa. Emerson diz que em sua casa tem televisão e que Helena tem também acesso a vídeos na internet. No entanto, ressalta o cuidado que ele e a esposa têm em não deixar a pequena tempo demais em frente às telas e em saber o que ela anda vendo. “Desenvolvemos na Helena um gosto muito grande por livros. São raras as vezes em que ela insiste em assistir mais televisão quando é hora de desligar. Criamos a rotina de ler uma história antes de dormir e esse hábito a Helena cobra, sempre pedindo novas leituras”, afirma. Emerson não condena a televisão ou a internet para as crianças. Para ele, o importante é criar interesses diferentes na garotada.
Presidente do Comitê de Saúde Escolar da Sociedade Mineira Pediatria, Laís Maria Santos Valadares e Valadares afirma achar interessante a preocupação de algumas famílias sobre a mensagem do recente vídeo da Galinha Pintadinha. “Que bom, temos pais pensantes e preocupados com o desenvolvimento saudável de seus filhos. Crianças não têm que ficar quietinhas, elas têm que mexer, pular, correr e brincar”, declara.
A pediatra revela a preocupação de a televisão e vídeos na internet estarem sendo introduzidos bem mais precocemente na vida de meninos e meninas inclusive em algumas escolas infantis. “Sabemos que a tv faz parte do dia a dia do adulto e das crianças. Sabemos que a criança brasileira é a que mais vê tv no mundo. Em recentes pesquisas, 90% dos pais brasileiros afirmaram que suas crianças menores de 2 anos têm contato com a tv e em torno de 50% das crianças brasileiras até 3 anos já têm tv no quarto”, revela.
Laís diz que em 1999, a Academia Americana de Pediatria (AAP) já recomendava que crianças menores de 2 anos não passassem muito tempo em frente à televisão. “Hoje sabemos mais sobre o desenvolvimento cerebral nesta faixa etária. A criança de até 2 anos está expandindo suas capacidades cerebrais e é nessa fase que os hábitos e as relações sociais estão se consolidando no cérebro. Devemos promover atividades que estimulem as sinapses cerebrais e a tv é uma atividade passiva intelectual e fisicamente (a criança recebe imagens e mensagem já prontas) e terá atrofia da sua imaginação, criatividade e prejuízo nas suas relações sociais. Não é uma questão somente de opinião, mas, também de ciência”, resume.
Para a psicóloga Heloísa Lasmar, se uma criança fica muito tempo, todos os dias, em frente à tela de televisão ou computador pode-se pensar onde estão os pais ou responsáveis. “Porque se alguém está incomodado com isso, vai pegar essa criança e vai passear. Se o adulto está preocupado vai mostrar à criança outra alternativa”, afirma. A especialista diz que, muitas vezes, os pais estão tão cheios de angústia que a criança quieta é um alívio. “As famílias se mexem muito mais para uma criança que é agitada, procuram até a ajuda de um especialista”, pondera. Mas ela reforça a necessidade para olhar para a criança que está muito quieta. “É aí que a gente deve se preocupar. Se a criança está se mexendo demais, se é considerada levada é um bom sinal de saúde, de iniciativa de vida. De vez em quando a criança tem que ficar quieta mesmo. Mas é de pouquinho em pouquinho que elas ficam”, pondera.
Emerson Penerari admite que, nos tempos atuais, os pais têm menos tempo para os filhos e que ele se incomoda “e muito” de pensar em crianças quietas na frente da televisão. “Crianças são questionadoras, precisam de diálogo com os pais para entender as coisas. A comunicação com os filhos é essencial para que eles se sintam confiantes, seguros e saibam que seus pais podem ajudá-los quando as dúvidas surgirem. Sim, é preciso ensinar as crianças como utilizar a tecnologia, mas por que não ensinar ao lado delas? Por que não assistir à Galinha Pintadinha junto com as crianças, e depois levá-las a um passeio onde ele possa ver as galinhas reais?”, questiona.
A pediatra Laís Maria Santos também tem uma sugestão para a falta de tempo: “Se os pais estão muito ocupados e não podem brincar com os filhos, dêem-lhes um jogo, brinquedos, papel, lápis, livros, que vão estimulá-los muito mais que um desenho”. E alerta: “crianças que passam muito tempo vendo desenho interagem menos e consequentemente têm menor estímulo, ficam menos criativas e têm bem prejudicadas as suas relações sociais. A médio e longo prazo têm prejuízo na sua cognição, além de transtornos do sono, humor e comportamento em geral”. A especialista ainda lembra que a televisão está também associada à violência e obesidade. “As crianças precisam brincar, brincar e brincar”, conclui.
Na última quinta-feira (20), o Saúde Plena entrou em contato com a Assessoria de Imprensa da Galinha Pintadinha e, até o momento, não obteve resposta. Por telefone, a reportagem foi informada que, devido ao marco alcançado no Youtube, os produtores estão sendo solicitados para muitas entrevistas e, assim, que possível, entrariam em contato. O espaço continua aberto.