“Essa técnica nos permitiu identificar uma série de metabolismos quando os alteramos com drogas que afetam as convulsões. Abrimos uma nova linha de investigação, que foca no efeito de modificações dietéticas quanto à suscetibilidade dos ataques”, destaca Daniel Kuebler, autor principal da pesquisa, publicada nesta semana no Journal of Experiments Visualized, e professor de biologia da Universidade Franciscana de Steubenville, nos Estados Unidos.
Segundo Kuebler, os cientistas já sabem que algumas dietas têm efeito sobre as convulsões. A cetogênica — baseada na proibição de carboidratos e na liberação de proteínas —, por exemplo, é usada com esse intuito desde a década de 1920. Há, no entanto, pouco consenso sobre os mecanismos subjacentes a ela. “A técnica que desenvolvemos nos permitirá entender melhor essa questão”, explica.
A droga utilizada provoca um efeito parecido com o da dieta cetogênica. Ao inibir a produção de glicose, a metformina leva o organismo a produzir corpos cetônicos, que, por um motivo ainda não totalmente esclarecido, evitam as crises convulsivas. “A restrição calórica gera a cetogênese nas moscas, estado que alivia as convulsões em alguns casos de epilepsia juvenil em seres humanos”, explica Kuebler.
No experimento, as cobaias foram induzidas a crises de convulsão e tiveram o comportamento gravado por uma webcam. Com o registro, os cientistas conseguiram analisar as melhoras e as pioras apresentadas pelas moscas da fruta de acordo com o medicamento recebido. “Os sistemas de rastreamento de vídeo têm sido amplamente utilizados para analisar o movimento e detectar várias anormalidades no comportamento locomotivo desse animais. Desse modo, abrimos uma nova linha de investigação, olhando para o efeito que as modificações dietéticas têm na apreensão de sensibilidade”, destaca o cientista.
Por conta desse novo indício, os cientistas pretendem aprofundar a busca analisando os efeitos de outras dietas. “Agora, focamos em modificações dietéticas e como elas afetam as apreensões nas moscas. Temos analisado todas as dietas de açúcar, bem como a alimentação rica em proteínas, para observar o efeito que elas têm sobre as apreensões”, diz Kuebler.
Falta aprofundar
As opções disponíveis para evitar ataques convulsivos incluem medicamentos, melhora na qualidade de vida (para manter sob controle o estado emocional) e, em alguns casos, intervenção cirúrgica. Segundo Ronaldo Maciel Dias, neurologista do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), a estratégia de mudanças na dieta de epilépticos também é recorrente, mas os resultados apresentados pelos cientistas da Universidade Franciscana poderão ajudar na prescrição de ferramentas mais específicas.
“Há algum tempo, sabemos que alimentos específicos são úteis ao funcionamento cerebral, como os que fazem parte da dieta citogênica. Quando a pessoa adota uma alimentação que reduz a glicose, ela cria uma situação de jejum induzido. Isso faz com que o organismo produza os corpos cetônicos, o que também explica o resultado positivo da metformina nesse trabalho”, explica. O especialista pondera que os estudos sobre o uso do medicamento contra o diabetes para controlar a epilepsia precisam ser mais aprofundados, assim como o acompanhamento do efeito da droga. “Mas podemos ter, sim, expectativas de que pesquisas nessa linha tragam novas alternativas terapêuticas à epilepsia”, aposta.
Tarso Adoni, neurologista do Hospital Sírio-Libanês, também avalia que a pesquisa americana precisa de continuidade, já que as semelhanças entre as moscas e o metabolismo humano são pequenas. “É um passo inicial, mas, ainda sim, muito importante, pois pode abrir caminho na criação de drogas para um problema que acomete pelo menos 3% da população”, destaca.
O neurologista frisa ainda que o remédio usado no experimento tem sido menos prescrito para o tratamento do diabetes devido aos fortes efeitos colaterais, como cólicas abdominais, náuseas e agravamento de sintomas relacionados à gastrite. “Ele pode ter auxiliado a cetogênese nas moscas e, por isso, as melhoras quanto aos ataques, mas esse efeito precisa ser testado em humanos para, quem sabe, consigamos elaborar um novo medicamento com base nesses resultados”, destaca.
Busca por menos efeitos colaterais
A busca por novos medicamentos que ajudam na prevenção da epilepsia tem sido extensa. Segundo Tarso Adoni, neurologista do Hospital Sírio-Libanês, nos últimos cinco anos, o desenvolvimento de substâncias para tratar as convulsões tem se focado bastante em alternativas que surtam menos efeitos colaterais, como menor alteração no raciocínio do pacientes e menos agressão ao fígado. “Atualmente, muitas drogas mais modernas estão surgindo, como esse resultado divulgado agora pelos americanos, com o objetivo de reduzir impactos tanto do ponto de vista farmacológico quanto das intervenções cirúrgicas. Há, inclusive, estudos que pretendem a cura de muitos indivíduos”, completa.
Daniel Kuebler, líder do estudo que mostra o efeito da dieta cetogênica no controle da epilepsia, acredita que a técnica poderá render muitos frutos na área de pesquisa, principalmente pelo fato de poder ser adaptada em qualquer laboratório de pesquisa. “Esse sistema de baixo custo pode ser configurado facilmente em um laboratório de ensino de graduação simples e permitir aos alunos fazer ensaios de aprendizagem com base em um orçamento relativamente bem econômico”, diz. Há ainda a possibilidade de o procedimento ser utilizado no combate a outros distúrbios. “Muitas doenças afetam a locomoção, e essa técnica pode identificar defeitos sutis em relação a movimentos locomotores em moscas ou em outros insetos por sua grande aplicabilidade”, avalia Kuebler. (VS)