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A leucemia é um tipo de câncer que atinge os glóbulos brancos do organismo, ou seja, ataca diretamente o exército de defesa do indivíduo, mutando as células normais e invadindo a medula óssea — onde se forma o sangue. Os voluntários do estudo foram diagnosticados com um tipo altamente letal da doença: a leucemia linfoblástica aguda recidiva ou refratária B. O mal, quando detectado em adultos, tende a levar a um prognóstico ruim, com uma sobrevida média de seis meses ou menos. Inicialmente, esse tipo de câncer é sensível à quimioterapia, mas, muitas vezes, se torna resistente à medicação, levando os pacientes à reincidência. O tratamento padrão para essa variação de leucemia é o transplante autólogo de medula. No entanto, o procedimento não pode ser realizado quando a doença está em plena atividade. Precisa-se enfraquecê-la antes, fase em que os médicos indicam a químio e a radioterapia. A alternativa, porém, não surte efeito em pacientes resistentes.
Para combater a doença, os oncologistas norte-americanos propõem utilizar uma molécula criada por eles — o receptor de antígeno quimérico, ou simplesmente CARs — por meio de uma modificação genética dos glóbulos brancos originários da medula óssea do próprio paciente. CARs são proteínas que direcionam as células do sistema imunológico para que matem as células de leucemia. É como se as células fossem “reeducadas” para reconhecer e destruir estruturas cancerígenas que têm a proteína CD19 — alvo terapêutico que identifica somente as moléculas malignas, sem atacar o restante do corpo. Essa característica contrasta com os quimioterápicos atuais, que deixam um rastro de devastação em todas as células do paciente e causam efeitos colaterais fortes.
As CARs também permanecem no organismo do paciente por um período superior ao das outras drogas quimioterápicas, muito além do tempo necessário para aniquilar as células tumorais, desaparecendo eventualmente quando as inimigas não estiverem mais no organismo. Isso porque o ataque é altamente específico. “Esses resultados extraordinários demonstram que a terapia celular é um tratamento eficaz para pacientes que já esgotaram todas as terapias convencionais”, comenta Michel Sadelain, autor sênior do artigo e diretor do Centro de Engenharia Celular do Memorial Sloan Kettering. “Nossos resultados iniciais foram mantidos em um grupo maior de pacientes e já estamos olhando para novos estudos clínicos para avançar essa nova abordagem terapêutica no combate ao câncer”, acrescenta.
Vida retomada
Os pacientes com essa leucemia recidiva têm poucas opções de tratamento, apenas 30% respondem à quimioterapia de salvamento. A terapia com células CARs resultou numa taxa de resposta completa de 88%, permitindo que a maior parte dos pacientes fizessem a transição para o transplante de células-tronco. Há mais de dois anos, Dennis J. Billy, da Pensilvânia, foi um dos primeiros pacientes a receber o tratamento. Após o tratamento, foi capaz de ser submetido a um transplante de medula óssea. Está livre do câncer e de volta ao trabalho desde 2011. Paolo Cavalli, dono de um restaurante em Oxford, em Connecticut, também recebeu a terapia e continua em remissão completa oito meses depois.
Em março de 2013, os cientistas relataram, pela primeira vez, os resultados de cinco pacientes tratados com a terapia celular. Surpreendentemente, todos eles obtiveram remissão completa. Segundo a pesquisadora e presidente da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea, Lúcia Silla, os primeiros estudos com essas células surgiram entre 2009 e 2010 descrevendo como elas eram produzidas ainda em modelos animais. “O de agora é o coroamento da técnica”, comemora. Silla explica que, na pesquisa clínica, existem ensaios de fase 1, 2, 3 e 4.
“A primeira é oferecida aos voluntários de formas diferentes e em quantidades distintas até detectar a melhor dose para humanos. Normalmente, nessa etapa, o efeito é mínimo, já que o foco está voltado para a tolerância do humano, não para a eficácia do tratamento”, explica. No caso da equipe de Sadelain, que divulgou essa etapa, os resultados chegaram a 88% de efetividade. “Normalmente, o remédio para entrar na primeira linha, no estudo de fase 3, precisa mostrar uma eficácia de pelo menos 30% a 40%”, diz Silla. Ela explica que o dado apresentado pelos pesquisadores é espetacular, considerando a taxa, o fato de os pacientes serem muito graves e de a dosagem ainda não estar perfeitamente regulada, ou seja, ainda sem o potencial completo. “Essa é a prova cabal de que a terapia celular com células imunológicas é, ao meu ver, a quebra de paradigmas do século 21.”
Distante da realidade local
“Essa pesquisa, com o uso da modificação genética de células do próprio paciente, é muito promissora. Tive a oportunidade de presenciar o transplante de dois pacientes submetidos a essa terapia enquanto estive no centro, em Nova York. É um trabalho com um número de pacientes ainda pequeno, com prognóstico muito ruim e pouquíssimas opções terapêuticas. Acho que qualquer coisa que for feita nesse sentido, com o objetivo de resgatar um paciente, sempre será muito bem-vinda. O uso dessa técnica ainda é muito complicado. Há a necessidade de um laboratório extremamente especializado e ainda está muito distante da realidade do Brasil.”
Volney Vilela, hematologista do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês – Unidade Brasília
Início determinante
O principal objetivo é destruir as células leucêmicas para que a medula óssea volte a produzir as normais. O tratamento tem etapas. A primeira, essencial, busca a remissão completa, ou seja, um estado de aparente normalidade após a poliquimioterapia. Esse resultado é alcançado com um ou dois meses de tratamento, quando os exames (de sangue e da medula óssea) não mais evidenciam células anormais. Entretanto, pesquisas comprovam que ainda restam no organismo muitas células leucêmicas (doença residual), o que obriga a continuação das intervenções para não haver recaída.
Monitoramento não invasivo A evolução de doenças como câncer é inevitável e temida, especialmente porque não se pode monitorar completamente a velocidade com que as células doentes passam a dominar o organismo do paciente. Não há alerta. Assim como o desenvolvimento de resistência ao medicamento, que só é evidente quando os sinais de crescimento do tumor ficam bastante perceptíveis. Nas duas situações, pode-se perder um tempo valioso. Uma equipe da Universidade de John Hop-kins (EUA) propõe um teste sanguíneo que pode medir o DNA mutante originário do tumor e, dessa forma, prever as duas condições precocemente.
A equipe, liderada por Chetan Bettegowda, estuda tumores no sistema digestivo ou próximos a ele. Atualmente, para saber a efetividade de uma terapia ou a constituição genética de um cancro, é preciso extrair amostras in loco por meio de uma biópsia. O procedimento é bastante invasivo e não pode ser repetido com uma frequência de monitoramento. Segundo os pesquisadores de John Hopkins, a amostragem de sangue de um paciente pode ser suficiente para obter informações genéticas do tumor, até mesmo aqueles em fase inicial, sem a necessidade de um procedimento invasivo para a retirada de tecidos doentes. Com o exame desenvolvido por eles, foi possível detectar mais de 50% dos pacientes entre os 14 tipos de tumores em estágios iniciais. O resultado sugere que uma coleta de sangue poderia ser uma abordagem de triagem viável para detectar a maioria dos cânceres.
Brasileiras
O artigo, publicado hoje na revista científica Science Translational Medicine, conta com a coautoria de duas brasileiras. Integrantes do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a biomédica Sueli Mieko Oba-Shinjo e a neurologista Suely Kazue Nagahashi Marie desenvolvem a técnica para tumores cerebrais. Marie conta que o grupo tem trabalhado, há mais de uma década, em pesquisas de marcadores de cânceres localizados no sistema nervoso central. Ela explica que, diferentemente dos tumores estudados por Bettegowda, os tratamentos e os diagnósticos feitos para os cancros cerebrais precisam ultrapassar a barreira hematoencefálica, que divide a corrente sanguínea do restante do corpo e o tecido cerebral.
Devido a essa barreira, muitas vezes, não há uma penetração do DNA mutante, relacionado ao tumor, na corrente sanguínea periférica. “Não chega ao nível de frequência de um tumor sólido no tubo digestivo, por exemplo. Mas o que foi verificado é que no liquor a presença de mutação é mais alta”, diz Marie. O liquor é um fluido corporal estéril e de aparência clara que ocupa o espaço entre o crânio e o córtex cerebral e age como uma espécie de amortecedor.
Marie detalha que a retirada de amostra do liquor é difícil porque o tumor ocupa um espaço no crânio que naturalmente aumenta a pressão dentro da cabeça. O procedimento de coleta pode alterar esse “equilíbrio” da pressão intracraniana, com danos graves ao paciente. “Agora, estamos tentando colher o líquido sistematicamente quando o paciente é submetido à cirurgia. Ou seja, qualquer coisa que ocorra, ele estará pronto para uma intervenção.” A neurologista acredita que o monitoramento do DNA mutante circulante, além de fornecer informações sobre o tumor de uma maneira não invasiva e precoce, por orientar uma terapia específica.
Parceria duradoura
A colaboração entre os times de pesquisadores norte-americanos e brasileiros vem de longa data. A equipe publicou pelo menos outros dois artigos na Science em 26 de setembro de 2008 e em 28 de janeiro de 2011. Eles descrevem os resultados obtidos pelas pesquisas com a identificação de marcadores para o diagnóstico precoce de câncer.