O estudo foi conduzido com 194 estudantes universitários, que participaram de dois testes diferentes. No primeiro, eles podiam assumir, em um game, o controle do Super-Homem; de Voldemort, vilão da saga Harry Potter; ou de um personagem neutro, nem bom nem mau. A partida foi rápida: cinco minutos, tempo em que os avatares enfrentaram os inimigos. Em seguida, os jogadores foram convidados a realizar outra tarefa, sem saber que ela estava relacionada à primeira. Nesse caso, eles teriam de servir a um desconhecido um pote de molho de pimenta e outro de chocolate, mas podiam escolher a quantidade a ser ofertada. O detalhe é que os voluntários foram informados de que a pessoa teria de ingerir todo o conteúdo da vasilha, fosse o doce ou a pasta picante (isso, porém, não era verdade, pois ninguém comeria as iguarias).
Em média, os participantes que haviam jogado como Super-Homem ofereceram duas vezes mais chocolate do que pimenta. Já com aqueles que encarnaram o vilão Voldemort, ocorreu o contrário: eles serviam porções de pimenta mais generosas que as de doce. Entre os jogadores neutros, a quantidade de alimento colocada nos potes foi balanceada. A pesquisa foi repetida com outros 125 participantes e obteve resultados semelhantes.
Após o término, os voluntários precisavam dizer se acreditavam ter sido influenciados pelo caráter de seus avatares. Todos negaram. Para Gunwoo Yoon, pesquisador do Instituto de Pesquisas de Comunicação da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e principal autor do estudo, não foi o que se viu na prática. “Sem perceber, as pessoas incorporaram rapidamente a identidade de seus avatares, punindo ou recompensando desconhecidos”, diz. “O fato de elas não terem notado isso mostra que, no geral, somos influenciados pelos jogos sem nem saber disso, o que pode ser algo traiçoeiro”, opina.
Cautela
Especialista em dependência em jogos virtuais, Mark D. Griffiths, pesquisador da Universidade de Nottingham Trent, pede cautela na interpretação do resultado. “Alguns estudos mostram, por exemplo, que pessoas envolvidas com delinquência jogam games mais violentos do que as que não têm esse tipo de comportamento. Então, isso indica que os delinquentes gostam mais de jogos violentos e não que os jogos deixam as pessoas violentas”, pondera.
Para Griffiths, contudo, o mundo virtual provoca influências nas experiências reais, à medida que é capaz de despertar características que estão latentes nas pessoas. “Indivíduos predispostos podem transpor atitudes violentas para o seu dia a dia. Mas acredito que isso ocorra em pessoas que passam muitas horas por dia dedicadas ao jogo. Não acho que cinco minutos sejam suficientes”, diz.
Embora reconheça que novas pesquisas devem ser feitas para confirmar seus resultados, Gunwoo Yoon não acha que os jogos apenas salientam características pré-existentes. “No nosso trabalho, não perguntamos antes aos participantes se eles queriam ser o herói ou o vilão. Nós escolhemos os avatares para eles, de maneira aleatória, justamente para evitar uma identificação prévia. Acredito que conseguimos mostrar que assumir um papel de herói estimulou, posteriormente, a se fazer algo bom, e vice-versa. Para mim, isso ocorreu por influência dos personagens”, insiste.
Ele também não acha que o tempo dedicado ao jogo é o mais importante. “Suspeito que o elemento que vai definir melhor o quanto alguém incorpora do avatar é o seu nível de envolvimento com o game. Na nossa experiência, nos pareceu que os mais cativados com a partida foram os que mais se influenciaram”, diz.
Transferência
Recentemente, outro estudo relatou algo parecido, que os pesquisadores chamaram de fenômeno de transferência de jogo. Depois de algumas partidas, jogadores afirmaram que o mundo real parecia modificado — eles começaram a ver os menus dos games e ouvir as músicas de fundo mesmo depois da tela desligada. Angelica Ortiz de Gortari, psicóloga do Centro Internacional de Pesquisas sobre Jogos, que desenvolveu o estudo, diz que algumas pessoas são mais suscetíveis a outras a serem influenciadas, transpondo para o cotidiano as experiências e os comportamentos vivenciados por seus avatares.
“Ainda não sabemos dizer exatamente o que estaria por trás dessa predisposição, mas tanto o tempo de exposição quanto o nível de comprometimento com o jogo parecem desempenhar um papel no fenômeno”, observa Gortari. Ela conta que a pesquisa foi feita com mais de 600 indivíduos que participam de fóruns sobre games. A maioria dos que sentiram os efeitos do fenômeno mostrou-se preocupada, e parte chegou a acreditar que estava perdendo a sanidade mental.
A especialista, contudo, ressalta que, em nenhum caso, a impressão de que o jogo continuava na vida real durou mais do que 10 minutos, indicando que a influência dos games não seria tão duradoura. “Acho que essa e outras descobertas nesse campo precisam ser mais investigadas, mas já são um convite para refletirmos com maior profundidade sobre os efeitos dessa exposição cada vez maior a estímulos artificiais.”
Personagens contra a esquizofrenia
Pesquisadores do Instituto de Psiquiatria do King’s College London desenvolveram uma terapia por meio de avatares para ajudar pacientes esquizofrênicos a controlar um dos sintomas mais característicos do distúrbio mental: as alucinações auditivas, vozes que eles escutam quase o tempo todo em suas cabeças. O sistema de computador, de acordo com os cientistas, poderá fornecer um tratamento mais rápido e efetivo que os medicamentos farmacológicos disponíveis atualmente no mercado. Além disso, eles acreditam que o método reduzirá a frequência e a severidade dos episódios da esquizofrenia.
Em um teste piloto com 16 pacientes que fizeram sete sessões de 30 minutos cada uma, quase todos disseram ter sentido uma redução na quantidade de vezes em que as vozes se manifestaram. Três participantes relataram que, após a terapia, pararam completamente de ouvir os sons — mesmo as alucinações auditivas os tendo acompanhado ao longo de 16, 13 e três anos e meio, de acordo com cada caso.
Na primeira fase do tratamento, o paciente cria o avatar, escolhendo o rosto e a voz da entidade que ele acredita se manifestar em sua mente. O sistema, então, sincroniza os lábios do personagem com seu discurso, permitindo que o terapeuta converse com o paciente por meio do avatar, em tempo real. A ideia é que o profissional encoraje o paciente a se opor à voz e, gradualmente, controlar as alucinações.
Confiança
Julian Leff, professor emérito de saúde mental do King’s College, que desenvolveu a terapia, disse que, embora os pacientes interajam com o avatar, eles sabem que não podem ser feridos, porque foram eles mesmos que criaram os personagens. “As vozes geralmente ordenam que o paciente se fira ou fira a família. Como resultado da terapia, o paciente ganha a confiança e a coragem de confrontar o avatar e, consequentemente, a lutar contra seu perseguidor”, observa. De acordo com ela, um estudo em larga escala será realizado no ano que vem.
“As alucinações auditivas são uma experiência muito estressante, muito difícil de tratar com sucesso, atrapalhando a vida dos pacientes por muitos anos”, lembra Thomas Craig, professor de psiquiatria que vai liderar a pesquisa futura. “A beleza dessa terapia é sua simplicidade e a brevidade. Se mostrarmos que o tratamento é eficaz, esperamos que se torne disponível em consultórios em poucos anos”, conta.