Pesquisadores da Universidade Pompeu Fabra, na Espanha, acreditam que os resultados podem levar ao desenvolvimento de terapias de rejuvenescimento das células responsáveis pela regeneração muscular, o que beneficiaria tanto idosos quanto pacientes com progeria, desordem que leva ao envelhecimento prematuro dessas células. “Essa pode ser uma nova estratégia para atenuar as funções de células específicas em pacientes com a síndrome da progeria e, potencialmente, para pessoas que perderam a capacidade total de regenerar seus tecidos, como os idosos”, acredita Pedro Sousa-Victor, principal autor do trabalho.
A perda de massa muscular esquelética e da força é conhecida como sarcopenia. A potência muscular é inversamente correlacionada à mortalidade de populações idosas. Ou seja, quanto mais fraco o idoso, menor a expectativa de vida dele. Pablius Braga, médico do Centro de Medicina do Exercício e do Esporte do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, considera os resultados interessantes, porque há muito tempo a ciência investiga o que leva a essa perda de massa muscular acentuada na velhice. “Uma teoria afirma que os idosos perdem musculatura porque eles não a utilizam. Mas pesquisas recentes tentam mapear os processos genéticos e entender essa fisiologia para tomar outras medidas”, conta o médico, que não participou do estudo.
Entre outros fatores, esse declínio é associado à diminuição da capacidade regenerativa de células-tronco do músculo, as chamadas células-satélites. Elas são ativadas em situações em que o organismo sente a necessidade de novos mioblastos (estruturas que dão origem às fibras musculares) e desencadeiam o processo de crescimento ou regeneração. Com o avanço dos anos, as satélites perdem a habilidade de reparar tecidos lesionados.
“Quando a pessoa ainda não atingiu a velhice, as células-satélites permanecem repousando no organismo e são ativadas apenas quando o músculo sofre uma lesão. Nos idosos, todavia, esse repouso é extinto, e as satélites entram em um estado de inatividade permanente. Até o momento, poucos estudos têm investigado as alterações intrínsecas do envelhecimento, e não se conhece bem o papel dessas mudanças no declínio da capacidade de regeneração”, acentua Juan Carlos Sizpisua Belmonte, pesquisador da Universidade de La Jolla, na Califórnia, que também não participou da pesquisa.
Experimentos Trazer luz para essa questão é o grande feito da equipe de Pedro Sousa-Victor. Eles compararam as propriedades musculares em ratos de várias idades e observaram que as características da sarcopenia apareceram em camundongos idosos, aqueles com 28 meses ou mais, e também nos ratos com progeria. Notavelmente, quando uma lesão muscular foi induzida pela aplicação de uma toxina, observou-se um declínio acentuado na capacidade de regeneração das células-satélites.
Esse fenômeno não pode ser explicado por uma quantidade reduzida dessas células, afirma Sousa-Victor, porque o número de células era equivalente em todos os ratinhos. Os cientistas, então, realizaram uma série de experimentos em que as satélites de animais idosos foram transplantadas para ratos jovens. Daí, constatou-se que o declínio de regeneração do músculo relacionado à velhice ocorre devido a mudanças intrínsecas às células-satélite, independentemente da idade do rato. “Curiosamente, elas exibiram um ciclo celular defeituoso em resposta às lesões após o transplante, indicando uma falha na manutenção do estado latente”, nota Belmonte.
Ainda restava uma importante pergunta: o que leva as células-satélites a entrarem no estado de inatividade? Uma análise comparativa de programas de expressão genética reduziu a lista dos prováveis fatores, até apontar como principal suspeita a p16INK4a, uma proteína supressora de tumor e importante reguladora do envelhecimento celular. Em outra rodada de testes, os autores encontraram evidências da ligação entre p16INK4a e a inatividade das células, até que a supressão da expressão da proteína levou, nos animais, à restauração da autorrenovação e da proliferação das satélites. “Nosso estudo mostra que a manutenção do estado de repouso reversível nos músculos vai depender da repressão desse mecanismo natural do envelhecimento e fornece novas evidências sobre as alterações intrínsecas à idade nas células-satélites”, afirma Sousa-Victor.
Enquanto um tratamento genético para rejuvenescer os músculos ainda não chega às clínicas, o exercício físico e a boa alimentação continuam sendo a melhor forma de alcançar uma velhice saudável.
“É preciso fazer atividades físicas, porque favorecem o estímulo ósseo. Quando uma pessoa caminha, o corpo entende que há uma necessidade de cálcio. É importante tomar sol para produzir a vitamina D”, aconselha Paulo Henrique Araújo, ortopedista do Centro de Ortopedia e Traumatologia de Brasília. Essas atividades, segundo ele, garantem ossos fortes. “Não sabemos bem como regular o funcionamento dos músculos. Mas é certo que a alimentação regrada fornece nutrientes para esses tecidos, e essa medida está ao alcance de todos.”
A idade dos brasileiros
Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística indicam que, em 2060, o Brasil terá 58,4 milhões de idosos, fatia correspondente a 26,7% da população. Praticamente, os maiores de 65 anos vão quadruplicar no país devido à queda de mortalidade e à maior expectativa de vida para as crianças nascidas a partir de 2013. Os meninos devem viver até os 71,2 anos, em média, e as meninas, até 74,8 anos. Em 2060, essa expectativa aumentará ainda mais, chegando a uma média de 78 anos para os homens e 84,4 anos para as mulheres.
Novas pistas sobre o envelhecimento
Além das descobertas dos pesquisadores espanhóis, uma equipe de cientistas chineses afirma, na mesma edição da revista Nature, ter encontrado uma relação entre as atividades mitocondriais e o tempo de vida de lombrigas Caenorhabditis elegans. A descoberta apoia a noção de que a função mitocondrial está relacionada ao envelhecimento. No artigo, pesquisadores do National Institute of Biological Sciences, em Pequim, descrevem como ocorre o impacto de radicais livres no funcionamento das células internas, lançando luz sobre o processo de envelhecimento em geral.
Eles adicionaram fluorescência em proteínas dentro das células musculares desses nematoides para monitorar a atividade metabólica na mitocôndria. Assim, conseguiram encontrar uma ligação entre a frequência de flashes mitocondriais, os mitoflashes, e o tempo de vida dos vermes. Esse processo é o responsável por desencadear a produção dos radicais livres. Após análises com microscópio, os pesquisadores perceberam que a contagem do número de mitoflashes disparados quando o verme tinha apenas três dias de vida servia como um indicador de quanto tempo ele viveria.
Quanto maior a quantidade de flashes, menor era o tempo de vida da cobaia, o que indica, segundo Dong, que a acumulação dos radicais livres leva à morte precoce. “Não está claro se esses resultados poderão ser vistos em seres humanos. Mais experiências são necessárias”, diz. A equipe sugere que a técnica pode contribuir para uma melhor compreensão de doenças geradas por defeitos nas atividades celulares.
Sergio Fernandes, geriatra
Tem que malhar
“A mulher, mesmo jovem, tem uma proporção menor de massa muscular em relação ao homem. Ela tem mais gordura, o que é favorecido pelos hormônios, e isso vai dar a ela as características femininas. Mas, com o tempo, a produção de hormônios cai, tanto na mulher quanto no homem, e isso leva à perda de massa muscular e, portanto, das formas físicas e dos contornos corporais, que fazem as diferenças entre os sexos. É por isso que o corpo dos idosos de ambos os sexos é parecido, porque essa carga hormonal específica dos sexos diminui. Isso não quer dizer que não vale a pena fazer exercícios: é importante estimular o corpo, inclusive fazendo musculação.”