É um pouco desagradável dizer, mas não há medo maior na vida de Scott Stossel, 44 anos, do que o de vomitar. Enquanto escrevia seu livro mais recente, 'My age of anxiety: fear, hope, dread, and the search for peace of mind' (Minha era de ansiedade: medo, esperança, pavor e a busca por paz de espírito, inédito no Brasil), ele fez as contas: havia 35 anos, quatro dias e 22 horas que não encarava o inimigo.
Apesar da trégua de décadas, sua emetofobia — medo irracional de vomitar — não recuou um milímetro sequer. “(Essa) é a fobia que tenho há mais tempo e que se mantém como a mais debilitante. Gasto uma quantidade desproporcional de tempo me preocupando com isso”, disse o escritor norte-americano à reportagem.
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Editor da prestigiada revista The Atlantic, Scott tem um histórico de transtornos de ansiedade impressionante. Desde criança, ele experimenta terapias e medicamentos para tentar controlar fobias diversas, incluindo medo de espaços fechados, de altura, de viagens de avião, de germes, de queijo (!) etc. Tensão e expectativa diante dos acontecimentos fazem parte da vida. No caso do escritor, porém, esses sentimentos transbordaram.
Suor excessivo, dor de estômago, falta de ar, aperto no peito e até sensação de morte iminente. A ansiedade, em suas facetas mais graves, tem o poder de reduzir seriamente a qualidade de vida do indivíduo. As atividades rotineiras se limitam drasticamente, pois as “ameaças” não estão sob seu controle.
“A ansiedade é essencial para a sobrevivência. Ela faz parte de estados emocionais ligados ao sistema de defesa do indivíduo e só vai ser tratada quando se transformar em transtorno médico mental”, explica Márcio Bernik, psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). “O distúrbio vai existir quando trouxer sofrimento excessivo, prejuízo emocional e prejuízo competitivo ao paciente”, afirma o especialista.
Em seu livro, Scott Stossel escreve que a ansiedade e seus transtornos são responsáveis, oficialmente, pela forma mais comum de doença mental nos EUA atualmente, mais ainda que a depressão. De acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental do país, 40 milhões de americanos, um em cada sete na população, sofrem de algum transtorno de ansiedade. E, com os dados epidemológicos mais recentes, é possível afirmar que uma em cada quatro pessoas no mundo será afetada por algum transtorno de ansiedade ao longo da vida.
Os motivos de cada um
Estamos falando de um sentimento personalíssimo — cada um sabe onde o calo aperta. O policial federal Frederick Leslie de Araujo, 35 anos, realizou o sonho de ser aprovado em um concurso público. Contudo, ao ser transferido para Foz do Iguaçu, começou a experimentar uma angústia que não condizia com seus planos.
“Minha ansiedade explodiu porque não estava preparado psicologicamente para o que o trabalho me exigia. Fui lotado numa área muito distante de Brasília e me sentia ansioso sobre o que faria para mudar dali. Era uma sensação de querer que as coisas fossem diferentes, mas a realidade permanecia aquela”, lembra.
Depois de um processo depressivo — clinicamente, ansiedade e depressão são difíceis de distinguir, dada a semelhança entre os sintomas neurológicos —, começou a trabalhar melhor suas expectativas, com medicamentos e psicoterapia. “Nesse momento, refleti que a ansiedade estava muito direcionada a uma tentativa de controlar coisas que viriam a acontecer.”
Sua busca por controle não ficou relegada ao tradicional. Apesar de saber o quão importantes foram o tratamento medicamentoso e a psicoterapia, quando descobriu a meditação budista é que se encontrou e percebeu que havia construído para si uma persona controlada pela ansiedade. “E vi que esse ser, além de mutável, tinha identidades desnecessárias. Não preciso da identidade do ansioso nem da do não ansioso”, pondera.
Funcionou para Frederick. O que não significa que funcione com outros. A resposta ao tratamento também é individualizada. O escritor Scott Stossel, por exemplo, experimentou mais de uma dúzia de abordagens, incluindo terapia cognitiva-comportamental, hipnose, acupuntura, ioga, massagem, terapia familiar etc. Sua lista de remédios chegou a 27 rótulos, do Xanax ao Rivotril, passando pelo Prozac.
“Em vários períodos da minha vida, as drogas foram essenciais para controlar meus sintomas de ansiedade, para a redução da minha angústia e para me manter funcional. Mas a psicoterapia tem me dado mais profundo autoconhecimento — e, se eu for ‘curado’ de verdade, acho que a psicoterapia é que mais ajudou. Enquanto não estou curado, a medicação ajuda a gerenciar meus sintomas”, relata o autor. Para ele, escrever sobre sua condição também foi terapêutico.
Um ponto particularmente intrigante é a “origem” da ansiedade. A ciência e, antes dela, a filosofia ensaiaram algumas explicações. Na Grécia antiga, Hipócrates já a tratava como problema médico. No século 19, Søren Kierkegaard a dimensionou com um “achado” da humanidade na obra O conceito de angústia — para ele, a ansiedade libera o potencial do indivíduo diante da liberdade. Sigmund Freud a trouxe para o terreno do inconsciente. Até Charles Darwin remeteu ao conceito, como dado importante para a evolução. “A verdade é que a ansiedade existe, ao mesmo tempo, por conta da biologia e da filosofia, do corpo e da mente, do instinto e da razão, da personalidade e da cultura. É um problema de hardware e de software”, compara Stossel.
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