Nesta sexta-feira, 14, os norte-americanos comemoram o Valentine´s Day, espécie de Dia dos Namorados tradicional em vários países. E é dos Estados Unidos que vem uma enxurrada de estudos, a maioria encomendados por empresas de namoro online, que discutem questões básicas dos relacionamentos. A mais recente dessas pesquisas perguntou: os opostos se atraem? E a resposta foi não. Entre 760 pessoas que estavam procurando um parceiro em sites de relacionamento, a tendência era buscar características semelhantes. A última pergunta, no entanto, era se preferiam "alguém parecido ou que os completasse". Neste caso, a maioria dos entrevistados optou por 'alguém que complete a relação'. No que parece ser uma incoerência, 85,7 % das pessoas disseram querer um parceiro com a personalidade muito diferente.
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Para além da visão romântica, existe alguma situação em que os opostos realmente se atraem? Segundo Tatiana Mourão, psiquiatra e professora do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, o contraste com outro pode, sim, ser suficiente para despertar uma paixão. “Na verdade, do ponto de vista da neurociência e do mapeamento de imagens cerebrais, não há nada muito bem definido em relação a essa questão. Existem sim, teorias vinculadas à psicoterapia e ao comportamento humano. E essas análises dizem que os opostos podem se atrair, mas depende da finalidade. Os opostos se atraem para quê?”, pontua.
Se for para uma relação a curto prazo, é possível que a receita funcione. “Uma pessoa muito diferente do que estamos acostumados pode trazer, junto com suas características físicas, um encantamento, uma fascinação. Mas a paixão dura, em média, um ano; e em geral cada um segue seu caminho depois”, aponta a professora. É muito difícil que um relacionamento se desenvolva e se torne uma ligação mais forte e duradoura – amor – sem que haja algumas coisas em comum. “Pode ser um interesse por música ou por futebol, a mesma profissão, a mesma visão em relação à família ou à religião, por exemplo. Por outro lado, se não há nada em comum, é muito difícil manter o vínculo em longo prazo, seja para um casal heterossexual ou homossexual. Não estamos dizendo que as pessoas precisam, para ter um bom relacionamento, ser idênticas. Muito longe disso. Mas há necessidade de compartilhar”, acrescenta a especialista.
Tema inesgotável
A psiquiatra cita que há muitos estudos, na linha da psicologia evolutiva, que relacionam comportamentos observados em alguma espécies animais ao comportamento humano (saiba mais abaixo). Apesar de muito criticados e bombardeados por discursos de parte das ciências humanas e sociais, essas teorias são capazes de, pelo menos, intrigar os estudiosos, dada as semelhanças entre vida selvagem e humanos; entre nossos antepassados e o homo sapiens. “O interesse de muitos homens por mulheres mais jovens, por exemplo, poderia ser explicado por uma vontade inerente de garantir a prole. Entretanto, à luz da psicanálise e das mudanças recentes na sociedade, esses pontos nem sempre se sustentam”, diz Tatiana. “A atração e o desejo não se esgotam em livros científicos. Pelo contrário: são explorados na arte, no cinema, na literatura, sem que haja uma palavra final ou que se possa explicar definitivamente porque uma pessoa se sentiu atraída por alguém que viu apenas uma vez”, completa a psiquiatra.
Basta um jeito de olhar, muitas vezes. Algo que se repete. Pode ser uma característica que se repete nos vários 'amores' que aquela pessoa vai ter ao longo da vida; e nem ela mesmo entende o porquê. “Pode ser um pequeno detalhe, que vai formando um quebra-cabeça e configura a atração. Mas, passada essa lua-de-mel, quando a relação vira um namoro ou casamento, pode ser que surja uma 'areia' na engrenagem: a diferença. As pessoas sempre são diferentes, ningém é igual a ninguém. Mas temos que saber qual o nível de discrepância que é suportável. Como saber? Pelo sofrimento que essa diferença causa”, ensina Tatiana Mourão.
A psiquiatra explica que nem irmãos gêmeos, detentores do mesmo DNA, são pessoas iguais. “Eles podem ter, além do temperamento, até alturas diferentes, conforme os fatores ambientais. Temos que conviver com as diferenças, sempre, porque o outro sempre nos será um continente desconhecido. E a ilusão - que quase todos nós temos - de que a pessoa vai mudar, é mesmo ilusão. Fundamentalmente, não vai mudar. Pode haver, no máximo, uma maquiagem”, decreta a professora da UFMG.
Se há diferenças contornáveis e outras incontornáveis, é preciso saber identificar a medida em que um dos lados – ou os dois – começa a sofrer demais.
Sim ou não?
Portanto, os opostos podem se atrair. Não é uma regra, mas podem. Mas mesmo os opostos precisam de um fio condutor para prolongar a caminhada do casal. “Cabe a cada um aprender a ter tolerância e conviver com as diferenças. Por outro lado, se a diferença for incontornável, é preciso ter coragem de romper o ciclo. Algumas pessoas se intimidam pelos sentimentos de luto e depressão após o fim do relacionamento, mas eles podem ser superados. Não é todo mundo que vai ficar deprimido após uma separação”, completa Tatiana Mourão.
No fim das contas, são muitos os perigos para quem está disposto a viver paixões e construir amores. “Na minha opinião, vale a pena enfrentar o perigo, mas sem esquecer o cuidado consigo mesmo. Os riscos podem ser dosados - devemos lembrar que uma pessoa pode ser totalmente diferente da forma como ela se mostra na internet, por exemplo. É preciso ter pelo menos um pouco de pé no chão para não esconder a realidade de nós mesmos”, pondera a professora.
Ciência e comportamento
Na ciência, existe uma grande disputa entre a influência dos fatores biológicos, de um lado; e contextos sociais e emocionais, de outro; que poderiam determinar a escolha de um parceiro. O fascínio por essa pergunta é tão grande que o Museu de História Natural de Londres promoveu no final de 2013 uma exposição chamada 'Natureza Sexual'. O evento foi um grande sucesso de público e reuniu modelos de casais selvagens, dos anfíbios e répteis até as aves, grandes felinos e primatas. Mas, de forma inovadora, também convidou especialistas para discutirem o assunto junto com os visitantes.
Meg Barker, terapeuta sexual e professora de psicologia da Open University, na Inglaterra, disse que há um conflito entre a vontade de pertencer a um casal e a vontade de manter a liberdade. Por outro lado, a monogamia é exigida culturalmente, sendo que 'por baixo dos panos' há infidelidade e histórias traumáticas de traição. "Se, no início da nossa evolução, havia menos regras para o comportamento sexual - uma vez que não havia hierarquia entre machos e fêmeas, segundo os especialistas – o crescimento do cérebro e a necessidade maior de consumir alimentos de boa qualidade colocaram as fêmeas e seus bebês em posição mais vulnerável, dependente", explica Barker.
A comida era trocada por favores sexuais e os machos se sentiam mais inclinados a fazer isso quando tinha a paternidade dos filhotes garantida. Por outro lado, em sociedades de macacos, quando não há grande diferença de tamanho entre os sexos, a tendência é monogâmica, como no caso dos gibões, que escolhem um parceiro para a vida toda. Já no caso dos gorilas, em que o macho é muito maior que a fêmea, a tendência é de poligamia. Como não somos macacos nem gorilas, no entanto, continuamos em busca de respostas convincentes, de acordo com a nossa inclinação mais ou menos romântica.
Volker Sommer, antropólogo especializado em reprodução sexual e professor da University College of London, que também participou desse debate, acredita na influência do viés biológico para a escolha do parceiro, mas prefere ser prático: a falta de comunicação entre o casal é a principal causa do fim de um relacionamento. “Afinal, são dois indivíduos com interesses que nem sempre coincidem. Em função disso, nós fazemos compromissos. O segredo é tentar ser feliz dentro deles. Se eu começo a contar quantas vezes eu fiz isso, quantas vezes você fez aquilo dentro da relação; é porque algo não está funcionando", afirmou o antropólogo.
Os dois especialistas concordaram, no entanto, que as listas de regras para conquistar alguém, exploradas à exaustão por publicações principalmente voltadas ao público feminino, são perigosas. “Criamos uma imagem e expectativas irreais. Depois ficamos frustrados porque a pessoa do outro lado é real, cheia de vícios e virtudes”, definiu Barker.