Uma campanha publicitária veiculada no Reino Unido provocou a revolta de pacientes e familiares de pessoas com câncer. Na tentativa de destacar o fato de que os tumores no pâncreas têm uma taxa mínima de cura – em torno de 3% se o diagnóstico não for precoce -, a entidade Pancreatic Cancer Action propôs que a mensagem mostrasse pacientes reais, ao lado de frases como "Queria ter câncer de mama" ou "Queria ter câncer nos testículos", junto com as estatísticas de mortalidade de cada enfermidade.
O cirurgião oncológico Felipe José Fernandez Coimbra, diretor do núcleo de cirurgia abdominal do centro paulista A.C.Camargo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, também não concorda com a abordagem. “Existem outras maneiras de se chamar a atenção para o câncer de pâncreas, e essa não me parece ideal. No entanto, esse tipo de tumor é muito agressivo e nem sempre é lembrado entre as hipóteses para problemas no aparelho digestivo. Temos muitas campanhas para o câncer de mama e de próstata, sempre lembrados em função de sua incidência; mas não podemos negligenciar uma doença cuja letalidade supera a dos outros dois tipos juntos”, explica o especialista.
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Dificuldades específicas
Coimbra lembra que o pâncreas é um órgão que ficar na 'parte de trás' da barriga, atrás do estômago e do intestino, colado ao duodeno e cercado por veias e artérias muito importantes, responsáveis por levar sangue a órgãos abdominais. Além da função mais conhecida, que é a de produzir substâncias endócrinas, como a insulina para controle da glicose; ele produz enzimas que ajudam na digestão. “Pela localização e pela dificuldade de identificar os sintomas iniciais, além do desconhecimento até mesmo dos médicos, o diagnóstico acaba sendo tardio. Infelizmente, esta é uma realidade no Brasil e no mundo inteiro”, acrescenta o cirurgião. No Brasil, segundo o Inca, a doença causa mais de 7.700 mortes por ano, sendo aproximadamente 3.800 em homens e 3.900 em mulheres.
Os tumores no pâncreas são considerados muito agressivos também porque o órgão têm facilidade de enviar células para os 'colegas', contribuindo para aparecimento mais rápido da metástase. “Apesar de a incidência desse tipo de câncer ser quase igual à mortalidade, devemos lembrar que existe tratamento e possibilidade de cura. A estratégia inclui a cirurgia, que é de alta complexidade e envolve muitas vezes a ressecção vascular, ou seja, a substituição dos vasos sanguíneos; combinada com a radioterapia e quimioterapia”, esclarece Coimbra.
Para o especialista, de uma forma geral, o tratamento moderno do câncer é cada vez mais capaz de individualizar os métodos, de acordo com o caso específico do paciente, e ter bons resultados. Entretanto, como o tumor no pâncreas é mais agressivo e difícil de ser identificado, a necessidade de diagnóstico precoce deve ser reforçada. Apesar de um pouco genéricos, os principais sinais de alerta a serem observados são:
-dores na parte alta da barriga;
-dores nas costas;
-aparecimento de diabetes ou piora no quadro de diabetes;
-emagrecimento sem motivo aparente;
-em alguns casos, icterícia (aspecto amarelado da pele), porque tumores na cabeça do pâncreas podem comprimir o canal de transporte da bile;
-histórico de pancreatite crônica ou de repetição;
-histórico familiar de casos de câncer no pâncreas ou no sistema digestivo que, sob avaliação de oncogeneticista, podem indicar necessidade de exames mais específicos e estratégias de prevenção;
-tabagismo, relacionado a muitos casos de câncer no aparelho digestivo.
A prevenção da doença envolve a adoção de hábitos saudáveis, evitar o excesso de peso e não se automedicar em casos de problemas no aparelho digestivo. “Por mais que a campanha britânica possa ter conseguido chocar a população, não temos certeza se aqueles telespectadores conseguiram algum esclarecimento sobres essas questões importantes”, lamenta o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica.
Os tumores de pâncreas mais comuns são do tipo adenocarcinoma, que corresponde a 90% dos casos diagnosticados. O outro tipo, bem mais raro, é o carcinoma neuroendócrino. No Brasil, o câncer de pâncreas é responsável por cerca de 2% de todos os tipos da doença diagnosticados e por 4% do total de mortes por câncer. Raro antes dos 30 anos, torna-se mais comum a partir dos 60 anos.
Controvérsia
Após a controvérsia em torno da campanha, Ali Stunt, fundadora da Pancreatic Cancer Action, que descobriu ter um tumor no pâncreas em 2007, quando tinha 41 anos, defendeu a iniciativa. “Não desejamos câncer para ninguém e sabemos que toda as formas são horríveis, mas existem sim, pacientes de câncer pancreático que chegam a desejar ter outro tipo, dadas as baixíssimas taxas de sobrevivência. A maioria nunca havia ouvido falar da doença até ter o diagnóstico, apesar de ser a nona forma de câncer mais comum no Reino Unido”, afirmou Stunt.
Chris Askew, diretor da instituição, também defendeu a mensagem. Ele disse que, em momento algum, o anúncio diz que uma forma de câncer é preferível. “Queremos destacar o progresso lento da consciência e da mobilização, em relação aos outros tipos da doença. Muitas mulheres que têm câncer de mama felizmente sobrevivem, mas 80% de quem tem a doença no pâncreas vai morrer dentro de, no máximo, 12 meses, sendo que a expectativa de vida, em muitos casos, é de quatro a seis meses após o diagnóstico. Queremos incentivar a prevenção e acabar com esse nível tão devastador de mortalidade", concluiu o executivo.