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Coautor do trabalho, Edward Chang, professor de cirurgia neurológica e fisiologia da Universidade de São Francisco, explica que o processo da fala é um dos mistérios que ainda não foram totalmente desvendados pela neurociência. “As regiões do cérebro que ela ‘ativa’ já haviam sido identificadas, mas ninguém realmente sabia como que esse processamento acontecia em detalhes”, afirma o especialista em um comunicado à imprensa.
Para decifrar esse processo, os cientistas contaram com a colaboração de pacientes com epilepsia que tinham recebido eletrodos no cérebro para tratar o problema. Os participantes ouviram uma coleção de 500 frases em inglês, gravadas por 400 pessoas diferentes, enquanto os eletrodos davam aos pesquisadores imagens de como reagia o giro temporal superior (GTS, também chamado de área de Wernicke), região cerebral já conhecida por ter relação com a compreensão da fala.
Como resultado, notou-se que o cérebro parece ter uma complexa estrutura formada por pequenos espaços especializados nos diferentes sons. Enquanto alguns neurônios reagem às vogais, por exemplo, outros são mais sensíveis ao som das consoantes. “Essas regiões estão espalhadas ao longo do GTS. Quando ouvimos alguém falar, diferentes áreas do cérebro se 'acendem' ao ouvirmos os vários elementos do discurso”, diz, no comunicado à imprensa, Nima Mesgarani, professor assistente da Universidade de Columbia.
“Ao estudar todos os sons da fala em inglês, descobrimos que o cérebro tem uma organização sistemática de unidades básicas de recursos de som, como elementos da tabela periódica”, completa Chang. No estudo, os autores escrevem que esse refinado conjunto de neurônios torna o ser humano capaz de distinguir a fala de seus semelhantes dos demais sons que ouve, dando preferência a ela.
Para Ricardo de Oliveira, neurocientista do Instituto D’or de Pesquisa, o experimento mostra processos importantes do mecanismo de compreensão da fala, mas ainda não consegue descrever toda a dinâmica relacionada a essa habilidade. “A identificação dos sons desses símbolos (letras) em regiões diferentes do cérebro, como vemos nesse trabalho, é só uma parte de como a fala é processada por nós fisiologicamente. Essa é a parte acústica. A compreensão e a interpretação já são pontos diferentes, que envolvem outros processos”, ressalta o brasileiro, que não participou da pesquisa.
Antonio Pereira, neurocientista do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), enfatiza a contribuição do estudo para o entendimento do cérebro. “É importante entendermos como esses processos se aplicam na prática. Podemos comparar com a geopolítica, por exemplo. Ao estudar esse tema, precisamos saber que nações fazem fronteira entre si. No caso do estudo, temos uma cartografia do cérebro, que permite estudá-lo a fundo”, analisa. “Agora, sabemos também que, com a diferença acústica de cada letra pronunciada, podemos ter reações diferentes do cérebro e que esse ‘ritmo’ no qual o cérebro funciona é essencial para a compreensão humana dos símbolos usados na língua falada”, completa.
Tratamentos
Para Oliveira, outra vantagem do estudo é a esperança de melhora de tratamentos voltados para quem tem problemas relacionados ao entendimento da fala. “Esses achados podem auxiliar na área biológica, já que conseguiríamos desenvolver maneiras de modelar essas regiões nas pessoas que possuem dificuldade de compreensão da fala, por meio de estímulos elétricos, por exemplo”, especula.
Pereira também acredita que as descobertas podem beneficiar a medicina e ajudar no estudo da evolução humana. “Elas podem ter grande valor clínico e também evolutivo para entendermos o que ocorre de diferente no cérebro humano, comparado ao de animais. Nós somos a única espécie que utiliza uma linguagem com características simbólicas para nos comunicarmos. E, certamente, além de decifrarmos esses mecanismos, o desenvolvimento de novas aplicações clínicas ganhará uma melhora fundamental.”