Será que há alguém no mundo que nunca tenha sentido dor de cabeça ou não vá sofrer com uma? Improvável. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cefaleia, 95% da população no país apresentará uma dor de cabeça ao longo de sua vida. Cerca de 70% das mulheres e 50% dos homens terão pelo menos um episódio de cefaleia ao mês. A enxaqueca ocorre em até 20% das mulheres e entre 5% e 10% da população masculina. No Brasil, um total de 13 milhões de pessoas vão encarar a dor de cabeça pelo menos 15 dias por mês, a chamada cefaleia crônica diária. Números considerados alarmantes.
Uma classificação internacional indica que há mais de 150 tipos de cefaleias, sendo as mais comuns a cefaleia tensional e as enxaquecas. A primeira é considerada a mais frequente, apresenta-se com dor leve a moderada, geralmente em pressão em toda a cabeça, com duração de uma hora até vários dias. Ela é desencadeada principalmente por cansaço e estresse emocional. Já a enxaqueca tem vários subtítulos e é marcada por intolerância do paciente a luz, cheiros, barulhos e movimentos.
Segundo Célia Roesler, da Sociedade Brasileira e Internacional de Cefaleia e membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, a enxaqueca é um tipo de cefaleia e não é a mais comum. A diferença, de acordo com Célia, é que a enxaqueca ocorre em um ou ambos os lados da cabeça, predominando a dor latejante e pulsátil, podendo durar de quatro até 72 horas, acompanhada de náuseas e/ou vômito.
A sensação de quem sofre da enxaqueca é a de não ter escapatória. No entanto, a presidente da Sociedade Mineira de Neurologia, Rosamaria Guimarães, enfatiza que quando o paciente tem consciência de seus hábitos é possível identificar os gatilhos da dor de cabeça. Às vezes não é preciso sequer tomar remédio, mas mudar de comportamento. “Quer dizer, se a privação do sono é que vai desencadear a dor, procure dormir bem.”
DE OLHO NOS GATILHOS
Rosamaria enumera vários gatilhos com os quais lidamos no dia a dia e que podem provocar a dor de cabeça. Conhecê-los é fundamental para evitar o que afeta seu bem-estar. Um dos gatilhos está no que você come. Então, ela recomenda: “Se você come alguma coisa e sente dor de cabeça na sequência, passe a observar mais sua alimentação. Queijos defumados, amarelos, comida chinesa (por causa do glutamato monossódico), embutidos, enlatados (por causa dos conservantes, estabilizantes e aromatizantes), alimentos gordurosos e chocolate estão nessa lista”, indica. Há ainda as bebidas alcoólicas, principalmente o vinho tinto, além de bebidas com cafeína, como café, chá (preto e mate) e a Coca-Cola. “A cafeína trata, mas também dá dor de cabeça”, diz. Tem ainda o grupo dos odores, com os perfumes, cigarros e produtos de limpeza.
Célia Roesler enfatiza que “os gatilhos são para a enxaqueca. O paciente enxaquecoso pode estar sem dor, mas se exposto a eles vai senti-la.” E os gatilhos para os quais ela chama a atenção, além dos já citados pela colega Rosamaria Guimarães, são molhos vermelhos, shoyu, fritura de modo geral, muitas horas sem se alimentar ou comer muito, mudança brusca de temperatura e calor excessivo, estresse físico e emocional, dormir pouco ou muito, nervosismo, cansaço, muita euforia, tristeza demais... “Não é receita de bolo. Cada pessoa é diferente. Nem todas vão ter dor de cabeça com chocolate. Para quem tem enxaqueca, o importante é não sair da rotina. A recomendação é ter dieta leve, horário regular de sono, fazer atividade física, já que aumenta a endorfina, nosso analgésico natural (se estiver com dor, fique em repouso porque qualquer esforço vai piorar).”
A neurologista Rosamaria ressalta ainda que há outros desencadeadores da dor. “Exercício físico extenuante, tiaras e rabo de cavalo apertados (por causa da tensão da musculatura, que vai gerar contração e a dor), remédios de pressão arterial (efeito colateral) e pílulas anticoncepcionais. Pessoas com bruxismo às vezes não sabem que têm o problema na articulação temporo-mandibular e acordam de manhã com a dor. Há ainda relatos da dor de cabeça sexual (enxaqueca por coito).” Rosamaria lembra que a dor ataca mais as mulheres por questões hormonais. “Ela é 10 vezes mais comum que no homem. E tem tendência a desaparecer com a menopausa.” Ela chama atenção também para a cefaleia crônica. “Essa é caracterizada pela dor que ocorre mais de 15 dias por mês, por três meses.”
Automedicação não deve ser adotada
A médica Célia Roesler enfatiza que o grande erro para tentar tratar as cefaleias é a automedicação. O maior desencadeador da dor crônica diária é o uso abusivo de analgésicos por causa do chamado efeito rebote. “O cérebro produz a endorfina, mas, quando o paciente passa a tomar analgésico demais, ele se acomoda, para de produzi-la e fica querendo cada vez mais o remédio.” Por outro lado, ela explica que, se a dor se instalou, é preciso medicação ministrada pelo médico. “É ele quem vai tratar a dor de cabeça adequadamente. Falamos que a dor é como um incêndio: se começou, tem de apagar. Mas é fundamental que seja com o remédio certo para aquela dor, para que, com o passar do tempo, o paciente possa até suportar uma dor menos intensa até ela passar, sem tomar o medicamento.”
SALVAS
Como se não bastassem tantos desencadeadores, há a temida e pouco conhecida cefaleia em salvas. Célia explica se tratar da pior dor de cabeça que existe, sendo mais comum nos homens, principalmente, os fumantes. “Ela já foi chamada de cefaleia suicida. Ela não melhora com repouso, silêncio, ambiente sem luz. A pessoa, de tanta dor, chuta e dá murro na parede. A sensação é de um ferro em brasa perfurando o cérebro.”
A neurologista ensina que a cefaleia em salvas ocorre, geralmente, uma vez por ano ou a cada dois, três anos. É sazonal. E pode durar até três meses. O paciente pode ter até oito crises por dia com essa intensidade.” A dor tem controle, mas não tem cura e pode durar de 15 a 180 minutos. O médico indica o tratamento mais adequado, já que o sofrimento é muito grande.” Muitos chegam a pensar que estão com tumor”, diz.
Conforme a neurologista, a dor de cabeça “tem cura medicamentosa e melhora a qualidade de vida social.” Célia alerta sobre as crianças que também têm muita dor de cabeça. “É preciso acreditar nelas e buscar ajuda. Muitas vezes a dor aparece no intervalo entre o almoço e o recreio (índice de hipoglicemia) ou em quem não gosta de tomar café da manhã (falta de alimento). Os pais têm de dar atenção a esses casos.”