Cerca de 220 brasileiros aguardam um novo coração. São pessoas que precisam passar pelo transplante do órgão, vítimas de miocardiopatias primárias ou decorrentes da evolução de doença isquêmica, valvar, congênita, entre outras. O transplante cardíaco é o tratamento indicado para o portador da chamada cardiopatia terminal, aquela na qual o tratamento clínico otimizado, procedimentos intervencionistas ou mesmo cirurgias não são suficientes para melhorar a qualidade ou prolongar a vida da pessoa. Classicamente, essas pessoas já apresentam sintomas de dispneia aos pequenos esforços ou mesmo em repouso, apesar de um tratamento convencional intenso. Nos Estados Unidos, são feitos, em média, 2,3 mil transplantes anuais, enquanto, no Brasil, a média é de 150.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), foram feitos 136 transplantes de coração durante o primeiro semestre de 2013, sendo 52 no estado de São Paulo, 17 no Distrito Federal, 16 no Rio de Janeiro, 12 no Ceará, 12 no Paraná, 11 em Minas Gerais, nove em Pernambuco, cinco no Rio Grande do Sul e dois no Mato Grosso do Sul. Em uma década, segundo a ABTO, foram 2.905 transplantes de coração no país, dando esperança de vida para muitas pessoas.
Segundo o cardiologista João Gusmão, coordenador do centro de terapia intensiva cardiovascular do Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, todas as pessoas podem expressar sua vontade de doar órgãos. “É um ato voluntário e que pode ser manifestado em vida, inclusive assinalando essa opção na carteira nacional de habilitação. É fundamental compartilhar essa vontade com os familiares, porque facilitará a doação. Quando o potencial doador está internado e tem morte encefálica comprovada pela equipe médica, é lavrado o Termo de Declaração de Morte Encefálica (seguindo a Resolução 1.480, de 8 de agosto de 1997, do Conselho Federal de Medicina) e é feita a notificação à Comissão Intra-hospitalar de Transplante, para os procedimentos legais”, esclarece.
Foi em 26 de maio de 1968 que a equipe do médico Euryclides Zerbini realizou o primeiro transplante de coração no Brasil. A cirurgia foi feita no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, quando o lavrador mato-grossense João Ferreira da Cunha recebeu um coração novo. Ele, porém, morreu 28 dias depois da cirurgia. De lá para cá já foram realizadas mais de 100 mil cirurgias do gênero em todo o mundo.
De acordo com Gusmão, o transplante cardíaco é indicado para a pessoa com cardiopatia terminal e que preencha critérios de indicação baseados em protocolos médicos. “Os pacientes com insuficiência cardíaca terminal podem ser encaminhados para os centros transplantadores. Os casos de doenças de Chagas também têm sido relevantes. O serviço de transplante cardíaco do Felício Rocho foi todo reestruturado, sob a coordenação do médico Fábio Ávila Tófani, e, em agosto de 2010, atendeu o primeiro candidato no ambulatório. A cirurgia no hospital é feita também pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seguindo os critérios de elegibilidade para o transplante”, diz.
O processo cirúrgico é feito por uma equipe de cirurgiões treinados para esse tipo de procedimento. “O paciente transplantado deve seguir uma rotina ambulatorial com a equipe de cardiologistas clínicos, prevista no protocolo, como consultas médicas semanais, quinzenais, mensais, trimestrais e anuais.” O primeiro transplante de coração realizado no Felício Rocho foi feito pelo cardiologista Carlos Figueroa, em 27 de abril de 1986, sendo que de lá para cá foram feitos 145 procedimentos. “Estamos recomeçando uma nova fase e temos o objetivo de fazer 10 transplantes ao ano”, acrescenta João Gusmão.
AVANÇO MAIOR ESTÁ NOS IMUNOSSUPRESSORES
Para o cardiologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG) Sílvio Amadeu de Andrade, os avanços na estratégia cirúrgica (técnica, materiais e soluções de conservação do órgão) e nos imunossupressores estão melhorando os resultados imediatos e a médio e longo prazo dos transplantes. “Assim, a expectativa de vida do transplantado cardíaco vem se prolongando nos últimos anos. O mais importante nisso, com certeza, são os imunossupressores mais modernos”, ressalta o médico.
De acordo com João Gusmão, do Felício Rocho, os imunossupressores atuam pré e pós-cirurgia, ajudando o organismo a aceitar bem o novo órgão. “A rejeição ocorre quando o sistema imunológico do receptor não reconhece como seu o coração transplantado e desencadeia uma resposta imunológica que agride o novo coração”, diz.
O Hospital das Clínicas da UFMG já fez mais de 150 transplantes desde que começou a operar o serviço, no primeiro semestre de 2006, quando os primeiros pacientes foram inscritos em lista de espera, sendo o primeiro transplante realizado em 30 de junho do mesmo ano. “O credenciamento do HC para transplante cardíaco foi um marco importante na evolução do serviço de cardiologia do hospital, que, nos últimos 10 anos, cresceu significativamente. Há cerca de 10 anos, o serviço tinha em média dois a três pacientes internados e hoje tem, em média, 45 pacientes/dia. O HC tornou-se referência no implante de cardiodesfibrilador implantável (CDI) e marcapasso multissítio. Com a abertura da unidade coronariana, passou a ser referência no tratamento do infarto na Região Metropolitana de Belo Horizonte”, acrescenta.
Sílvio de Andrade esclarece que “qualquer cardiologista de Minas Gerais pode encaminhar seu paciente para a equipe de transplante cardíaco do hospital. Basta fazer um relatório e anexar exames cardiológicos básicos. De posse desses documentos, um familiar ou mesmo um funcionário das secretarias de Saúde solicita o agendamento da consulta no Posto de Atendimento Médico (PAM) Padre Eustáquio, que funciona como uma central de marcação para casos de alta complexidade. Caso o paciente esteja internado, o médico assistente deve entrar em contato diretamente com a secretaria da cardiologia no HC. O tempo de espera até a consulta é, em média, de três a quatro semanas”.
O médico salienta que desde o primeiro transplante, a equipe cirúrgica do HC/UFMG é basicamente a mesma, composta pelos médicos Carlos Figueroa, Cláudio Leo Gelape, Paulo Henrique Nogueira e Renato Bráulio. “Fazem parte ainda da equipe de cardiologistas Fábio Morato e Maria da Consolação Vieira Moreira, que é a responsável técnica pelo programa.”
Desinformação ainda é grande
Alguns transplantes são cobertos pelos planos de saúde, como rins e medula. “Qualquer transplante pode ser feito por via particular, mas a fila é única. Porém, a maioria dos transplantes é feita pelo SUS, especialmente coração e pulmão”, explica o cardiologista do HC/UFMG Sílvio Amadeu de Andrade, que lamenta que ainda haja muita resistência quanto à doação do órgão. “Esperamos que o número de doadores aumente, pois a fila de espera dos pacientes está aumentando.” As exigências na seleção do doador de coração são maiores do que rim, por exemplo, e o tempo para realizar o transplante é de apenas quatro horas depois da captação do órgão.
Andrade esclarece, no entanto, que ainda há muito preconceito quanto à doação de órgãos, principalmente de coração. “Isso se dá por desinformação e desconfiança sobre a morte encefálica. E posso afirmar: o Brasil tem uma das legislações mais rígidas do mundo. São vários os exames comprobatórios realizados no paciente, dois médicos independentes dão seu parecer, com intervalo mínimo de seis horas entre as avaliações. Há também pessoas que imaginam que a retirada do órgão para transplante deforme o doador, o que não ocorre. Conhecer o drama de um paciente que aguarda um transplante sob risco de vida a todo momento pode sensibilizar as pessoas, assim como ouvir o testemunho de quem foi transplantado em situação crítica e hoje retomou sua vida”, diz.
Recente Sílvio de Andrade ressalta ainda que é difícil precisar o tempo de sobrevida do transplantado. “O transplante é um procedimento na medicina relativamente recente e a sobrevida vem aumentando. A maior chance de óbito é durante a cirurgia (o paciente que morre no dia do transplante puxa muito para baixo o tempo de sobrevida). Em média, um transplantado cardíaco vive em torno de 15 anos. O que viveu mais no Brasil, até então, viveu 28 anos.”
Doadores são aquelas pessoas em morte encefálica, sem evidências de cardiopatia. Pacientes acima dos 45-50 anos, se tabagistas, diabéticos ou hipertensos, e em morte encefálica, têm que ser submetidos a um cateterismo antes de doar o coração, limitando-se assim a captação de órgãos de pacientes que não sejam jovens. Aqueles que fizeram uso de drogas ou portadores de doenças infectocontagiosas não podem ser doadores.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), foram feitos 136 transplantes de coração durante o primeiro semestre de 2013, sendo 52 no estado de São Paulo, 17 no Distrito Federal, 16 no Rio de Janeiro, 12 no Ceará, 12 no Paraná, 11 em Minas Gerais, nove em Pernambuco, cinco no Rio Grande do Sul e dois no Mato Grosso do Sul. Em uma década, segundo a ABTO, foram 2.905 transplantes de coração no país, dando esperança de vida para muitas pessoas.
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De acordo com Gusmão, o transplante cardíaco é indicado para a pessoa com cardiopatia terminal e que preencha critérios de indicação baseados em protocolos médicos. “Os pacientes com insuficiência cardíaca terminal podem ser encaminhados para os centros transplantadores. Os casos de doenças de Chagas também têm sido relevantes. O serviço de transplante cardíaco do Felício Rocho foi todo reestruturado, sob a coordenação do médico Fábio Ávila Tófani, e, em agosto de 2010, atendeu o primeiro candidato no ambulatório. A cirurgia no hospital é feita também pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seguindo os critérios de elegibilidade para o transplante”, diz.
O processo cirúrgico é feito por uma equipe de cirurgiões treinados para esse tipo de procedimento. “O paciente transplantado deve seguir uma rotina ambulatorial com a equipe de cardiologistas clínicos, prevista no protocolo, como consultas médicas semanais, quinzenais, mensais, trimestrais e anuais.” O primeiro transplante de coração realizado no Felício Rocho foi feito pelo cardiologista Carlos Figueroa, em 27 de abril de 1986, sendo que de lá para cá foram feitos 145 procedimentos. “Estamos recomeçando uma nova fase e temos o objetivo de fazer 10 transplantes ao ano”, acrescenta João Gusmão.
AVANÇO MAIOR ESTÁ NOS IMUNOSSUPRESSORES
Para o cardiologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG) Sílvio Amadeu de Andrade, os avanços na estratégia cirúrgica (técnica, materiais e soluções de conservação do órgão) e nos imunossupressores estão melhorando os resultados imediatos e a médio e longo prazo dos transplantes. “Assim, a expectativa de vida do transplantado cardíaco vem se prolongando nos últimos anos. O mais importante nisso, com certeza, são os imunossupressores mais modernos”, ressalta o médico.
De acordo com João Gusmão, do Felício Rocho, os imunossupressores atuam pré e pós-cirurgia, ajudando o organismo a aceitar bem o novo órgão. “A rejeição ocorre quando o sistema imunológico do receptor não reconhece como seu o coração transplantado e desencadeia uma resposta imunológica que agride o novo coração”, diz.
O Hospital das Clínicas da UFMG já fez mais de 150 transplantes desde que começou a operar o serviço, no primeiro semestre de 2006, quando os primeiros pacientes foram inscritos em lista de espera, sendo o primeiro transplante realizado em 30 de junho do mesmo ano. “O credenciamento do HC para transplante cardíaco foi um marco importante na evolução do serviço de cardiologia do hospital, que, nos últimos 10 anos, cresceu significativamente. Há cerca de 10 anos, o serviço tinha em média dois a três pacientes internados e hoje tem, em média, 45 pacientes/dia. O HC tornou-se referência no implante de cardiodesfibrilador implantável (CDI) e marcapasso multissítio. Com a abertura da unidade coronariana, passou a ser referência no tratamento do infarto na Região Metropolitana de Belo Horizonte”, acrescenta.
Sílvio de Andrade esclarece que “qualquer cardiologista de Minas Gerais pode encaminhar seu paciente para a equipe de transplante cardíaco do hospital. Basta fazer um relatório e anexar exames cardiológicos básicos. De posse desses documentos, um familiar ou mesmo um funcionário das secretarias de Saúde solicita o agendamento da consulta no Posto de Atendimento Médico (PAM) Padre Eustáquio, que funciona como uma central de marcação para casos de alta complexidade. Caso o paciente esteja internado, o médico assistente deve entrar em contato diretamente com a secretaria da cardiologia no HC. O tempo de espera até a consulta é, em média, de três a quatro semanas”.
O médico salienta que desde o primeiro transplante, a equipe cirúrgica do HC/UFMG é basicamente a mesma, composta pelos médicos Carlos Figueroa, Cláudio Leo Gelape, Paulo Henrique Nogueira e Renato Bráulio. “Fazem parte ainda da equipe de cardiologistas Fábio Morato e Maria da Consolação Vieira Moreira, que é a responsável técnica pelo programa.”
Desinformação ainda é grande
Alguns transplantes são cobertos pelos planos de saúde, como rins e medula. “Qualquer transplante pode ser feito por via particular, mas a fila é única. Porém, a maioria dos transplantes é feita pelo SUS, especialmente coração e pulmão”, explica o cardiologista do HC/UFMG Sílvio Amadeu de Andrade, que lamenta que ainda haja muita resistência quanto à doação do órgão. “Esperamos que o número de doadores aumente, pois a fila de espera dos pacientes está aumentando.” As exigências na seleção do doador de coração são maiores do que rim, por exemplo, e o tempo para realizar o transplante é de apenas quatro horas depois da captação do órgão.
Andrade esclarece, no entanto, que ainda há muito preconceito quanto à doação de órgãos, principalmente de coração. “Isso se dá por desinformação e desconfiança sobre a morte encefálica. E posso afirmar: o Brasil tem uma das legislações mais rígidas do mundo. São vários os exames comprobatórios realizados no paciente, dois médicos independentes dão seu parecer, com intervalo mínimo de seis horas entre as avaliações. Há também pessoas que imaginam que a retirada do órgão para transplante deforme o doador, o que não ocorre. Conhecer o drama de um paciente que aguarda um transplante sob risco de vida a todo momento pode sensibilizar as pessoas, assim como ouvir o testemunho de quem foi transplantado em situação crítica e hoje retomou sua vida”, diz.
Recente Sílvio de Andrade ressalta ainda que é difícil precisar o tempo de sobrevida do transplantado. “O transplante é um procedimento na medicina relativamente recente e a sobrevida vem aumentando. A maior chance de óbito é durante a cirurgia (o paciente que morre no dia do transplante puxa muito para baixo o tempo de sobrevida). Em média, um transplantado cardíaco vive em torno de 15 anos. O que viveu mais no Brasil, até então, viveu 28 anos.”
Doadores são aquelas pessoas em morte encefálica, sem evidências de cardiopatia. Pacientes acima dos 45-50 anos, se tabagistas, diabéticos ou hipertensos, e em morte encefálica, têm que ser submetidos a um cateterismo antes de doar o coração, limitando-se assim a captação de órgãos de pacientes que não sejam jovens. Aqueles que fizeram uso de drogas ou portadores de doenças infectocontagiosas não podem ser doadores.