Ela explicou que, quando a pessoa se cadastra em um banco de doares, uma das informações pedidas é sobre a raça. "Existe uma discrepância muito grande em relação ao percentual de pessoas no Brasil das diferentes etnias e doadores. A grande maioria dos doadores é da raça branca, que não é a mais frequente”, destacou. Aline informou que o registro tem atualmente de 70% a 80% de doadores da raça branca, o que “destoa dos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a distribuição de raças no Brasil”.
O diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea (Cemo) do Instituto Nacional de Câncer (Inca), órgão do Ministério da Saúde, Luís Fernando Bouzas, porém, questiona a informação da hematologista que, para ele, é mais baseada em feeling (sentimento, percepção). “A pessoa acha que é isso”. Bouzas, que é também coordenador do Redome e do Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea, disse que “a médica não tem como afirmar isso”. Ele explicou que a informação sobre raça é uma informação livre “dada pelo próprio doador” no momento da inscrição no Redome.
Essa informação, entretanto, vem se modificando. Hoje, mais de 40% ou 50% da população se dizem brancos, enquanto os que se declaram negros ou pardos são 35% dos registrados. A situação dos indígenas é diferente, ressaltou Bouzas. "No Brasil, o índio verdadeiro não tem autonomia para ser doador voluntário, porque, na legislação, ele é considerado assemelhado a um menor. Ele é tutorado pela Fundação Nacional do Índio e não pode se candidatar à doação de medula óssea”.
Quanto aos asiáticos, o médico admitiu que o percentual de doadores é pequeno. O Inca tem feito campanhas para captação de doadores nessa parcela da população, que está mais concentrada em São Paulo e no Paraná. Ele ressaltou, no entanto, que a participação dessa etnia no Redome “vem aumentando também”.
Bouzas chamou a atenção para o fato de que, quando se busca o dado genético, verifica-se que muitos dos que se dizem brancos não o são, ou que os que se declaram índios nem sempre são indígenas puros, por causa da miscigenação da população brasileira. Por isso, o Inca está analisando a ancestralidade dos doadores para tentar identificar qual é a característica que predomina naquela pessoa. As informações mais técnicas, que são atualizadas anualmente, podem ser obtidas na página na internet da Rede Brasil de Imunogenética. “Temos técnicos hoje trabalhando nessa análise mais apurada, mas não é fácil fazer isso, ainda mais em uma população miscigenada como a nossa”.
O registro nacional conta atualmente com 3,240 milhões de doadores, com forte participação de pessoas miscigenadas. “Talvez o Brasil seja hoje o país que registre a maior participação desse tipo. É muito mais que o registro alemão ou o norte-americano, que têm participação maior de caucasianos do que de doadores miscigenados”. De acordo com o médico, esse dado é analisado a cada ano, com a entrada de novos doadores. Nos últimos dois anos, entraram de 270 mil a 300 mil novos doadores no Redome, a cada ano. “Sempre tem uma renovação e um acréscimo de características novas no registro”.
Para Aline, a autodeclaração da raça pelos doadores, ao fazerem o registro, “é um critério subjetivo”. Ela observou que, quando os hospitais fazem pesquisa de busca de doadores para pacientes, percebem que a compatibilidade é muito relacionada à questão da raça. “É muito difícil conseguir um doador compatível de raças diferentes, porque tem um impacto grande. Para brancos, é muito mais fácil encontrar doador, tanto entre os brasileiros quanto entre os doadores de outros países com predominância de brancos na população. "Isso é bem perceptível”, disse Aline.
Segundo a médica, é mais difícil conseguir doadores para pacientes descendentes de negros ou de outras raças. Embora não haja estatística definida, o problema se agrava em relação a pacientes indígenas ou descendentes de índios. Não se consegue encontrar doadores compatíveis também em outras partes do mundo”, destacou Aline, mesmo em países que têm um significativo percentual de negros na população, como os Estados Unidos. “O cadastro deles é um pouco deficiente de doadores dessa raça. E de indígenas é mais difícil ainda".
Bouzas ressaltou, porém, que o número de doadores no Brasil não é pequeno perto da real necessidade do país, quando se trata de doadores das etnias negra, indígena e asiática, como indicou a hematologista. “Isso não é verdade”. A possibilidade de encontrar um doador para um brasileiro já ultrapassa 70% hoje. “Isso sem contar com a possibilidade dos bancos de sangue de cordão (umbilical) e de buscar um doador no exterior”.
A rede mundial tem em torno de 24 milhões de doadores. Bouzas informou que a chance dos brasileiros de encontrar um doador subiu de 10% a 12%, em 2003, para 76%, na última avaliação, feita nos dois últimos anos.
Ele é contra a divulgação de informações de maneira aleatória, como considerou ter sido feito por Aline Guilherme e disse que o correto é procurar analisar os registros com os dados genéticos, de naturalidade, ou seja, da origem dos doadores, e estimular campanhas localizadas. No ano passado, por exemplo, Bouzas disse que portaria do Ministério da Saúde elevou o teto para cadastramento na Bahia de 5 mil para 20 mil doadores. O estado tem forte participação de representantes da raça negra. “Então, é um estímulo a campanha naquela região”.
O Centro de Transplante de Medula Óssea está preparando campanhas para atrair doadores em nichos da população que precisam ser melhor representados no Redome.