Combater esse cotidiano estressante é a proposta do slow parenting (pais sem pressa), movimento que procura diminuir o ritmo do dia a dia infantil. Criada pelo inglês Carl Honoré no livro Sob pressão, a proposta defende que os filhos tenham tempo para se tornar quem são e não o que os pais querem que eles sejam. O movimento tomou força na Europa, chegou aos Estados Unidos e adentra aos poucos no Brasil.
A criança com excesso de atividades sofre com os sintomas do estresse, como maior agressividade, choro sem motivo, ansiedade e isolamento. A situação a deixa tão agitada que ela não sabe o que fazer quando tem tempo livre. Acaba ficando entediada. “Chamamos de criança que não sabe brincar”, diz Luciana Castro. Segundo a psicóloga, o que cansa são as responsabilidades e o horário marcado. Nessas condições, os pequenos sofrem as mesmas tensões que os adultos, mas ainda não têm estrutura para lidar com isso.
De acordo com a psicóloga Penélope Ximenes, é importante que meninos e meninas tenham pelo menos duas horas diárias para poder brincar do que quiserem. E essa janela para a liberdade deve ser planejada pelos pais e aberta desde cedo. A dona de casa Karla Gabrielle, 27 anos, decidiu colocar o filho Carlos Eduardo, 3, na natação neste ano. O curso de inglês ficará para quando o garoto tiver 5, e um esporte aos 7.
Mesmo com o planejamento, ela entende que será essencial conversar e observar o menino para saber o que ele quer fazer caso se sinta sobrecarregado. “Eu não o tiraria do curso de línguas, mas sentaria com ele e perguntaria de qual atividade ele prefere sair para não haver conflito”, especula. Este é o primeiro ano em que Carlos fará uma atividade fora da escola. Karla preocupa-se com a rotina do filho porque quer que ele tenha acesso a conhecimentos que ela não pôde ter quando nova, mas de uma forma que ele também concilie as obrigações com o lazer.
Só mais duas
Apesar de existirem crianças que fazem bem cinco práticas extracurriculares e outras que se limitem a uma, em média elas conseguem lidar com duas atividades semanais, segundo a psicóloga Luciana Castro. Para saber se a atividade é benéfica, basta observar sinais comportamentais emitidos por elas. “Normalmente, fazem corpo mole porque querem dormir ou ficar mais tempo no videogame, mas é elementar ver a diferença entre a manha e a recusa: percebe-se o sinal de manha quando a criança vai para a atividade reclamando, mas volta alegre e contando várias novidades. A prática prejudica quando ela vai chateada, volta sem querer conversar e pode até causar brigas e discussões com os colegas durante as aulas.”
A estudante Tarcisa Moura, 37 anos, acredita que balé, natação e inglês sejam o suficiente para a filha Maria Luíza, 8. A menina tem pelo menos três horas diárias livres para ver televisão, mexer no computador e brincar. Ir ao parque com o amigo Heitor, 8, é um dos passeios preferidos. Tarcisa não acha que a filha está sobrecarregada e, caso sentisse algum problema, repensaria as atividades. “Não acredito que seja bom sufocar a criança com horários e regras. Afinal, são apenas crianças.”
Nas horas livres, o acesso ao computador é fiscalizado. Tarcisa regula, por exemplo, que tipo de conteúdo pode ser visto pela filha no tablet. A atitude é apoiada pela psicóloga Penélope Ximenes. “Os pais que não supervisionam e passam pouco tempo com os filhos colaboram para que eles cresçam fazendo o que quiserem e sem a devida noção de limites.”
A vigilância vale também para os dias sem obrigações. Nos fins de semana, quando dá para acordar tarde e ficar mais tempo no videogame, pais e filhos não podem relaxar completamente. Segundo Ximenes, pode-se dedicar um tempo maior à televisão, mas não é saudável ficar cinco horas ou até mais na frente da tela. Sábados e domingos devem ser o momento para juntar a família, ir ao ar livre em dias de sol e elaborar brincadeiras nos dias de chuva. A psicóloga sugere, por exemplo, que os pais ensinem aos filhos como se divertiam quando tinham a idade deles, como pular corda, elástico e empinar pipa.
Na casa de Jeniffer, 13, e de Pedro Victor, 11, os fins de semana são animados. Junta, a família gosta de acampar, fazer trilha, ir a parques e andar de skate. No aniversário da menina, em agosto, planejam um dia na Chapada Imperial, a 50km da capital federal, para praticar arvorismo. “Raramente sabemos antes o que faremos. Seguimos nossas vontades: podemos ir ao clube, ao cinema ou relaxar e brincar com jogos de tabuleiro em casa”, afirma o pai, Erick Samuel, 35. Contudo, nas ocasiões em que ficam em casa, o horário é controlado: uma hora por dia no computador “senão eles não estudam”, ri Erick.
Cuidados também com a alimentação
Tentar deixar a rotina dos filhos mais saudável passa ainda por mudanças na alimentação. De acordo com a nutricionista Ana Paula Caio Zidório, a criança precisa de até 30 minutos para comer as principais refeições sem interferências, principalmente da televisão. Zidório alerta que é necessário planejar os pratos e lanches com antecedência, de forma que sempre haja frutas e vegetais visíveis e que os pratos contenham todos os grupos alimentares.
Fora de casa, o controle também deve ser mantido. A especialista sugere que as lancheiras do novo ano letivo sejam mais saudáveis. Os lanches escolares devem conter frutas e suco natural, além de poderem ser complementados, com bolo ou biscoito sem recheio ou sanduíche natural caseiro, por exemplo. Devem ser evitados bolos e biscoitos industriais recheados, chocolate, salgadinhos, frituras, refrigerante e sucos de caixinha.
Erick Samuel conta que a mulher é rígida nesse assunto, mas deixa Jeniffer e Pedro Victor fazerem os próprios pratos quando vão ao restaurante. Como já estão maiores, às vezes, compram o lanche na escola, mas ainda levam sucos, frutas e biscoito. Além disso, refrigerante e doces só podem ser consumidos nos fins de semana. “Se minha mãe deixasse, nós levaríamos salgadinho e refrigerante para a escola todos os dias”, confessa Jeniffer.
Os lanchinhos preferidos por muitas criança são também os responsáveis pelo avanço da obesidade infantil. De acordo com o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, ligado ao Ministério da Saúde, um em cada três brasileiros com idade entre 5 e 10 anos está acima do peso. Além da alimentação, é necessário que os pequenos se exercitem mais. Segundo a psicóloga Luciana Castro, crianças com tempo ocioso em excesso tendem a ficar obesas, a serem menos sociáveis e mais tímidas, além de poderem ficar inquietas e muito agitadas devido à grande quantidade de energia não gasta.
Mudança conjunta
Confira as dicas da nutricionista Ana Paula Zidório para que as crianças tenham uma alimentação mais saudável
» Deixe que elas escolham as frutas, os legumes e as verduras no supermercado
» Ensine-as a lavar esses alimentos e, na mesa, elogie o quanto ficaram com aparência boa
» Plante uma horta em casa e ensine os pequenos a cuidarem dela
» Diversifique as refeições. A salada apenas de alface e tomate vai perdendo a graça se comida frequentemente. A recomendação é de que as crianças ingiram pelo menos três frutas e/ou vegetais diferentes por dia
Elas correm menos
Falhas na alimentação e o excesso de tempo dedicado aos artefatos tecnológicos podem estar comprometendo uma das atividades mais marcantes da infância: a agilidade. Um estudo apresentado por pesquisadores australianos e realizado em Dallas, nos Estados Unidos, mostrou que, ao longo das últimas cinco décadas, as crianças e jovens têm perdido a capacidade de correr. Os cientistas constataram que os meninos e as meninas de hoje correm mais lentamente do que os pais quando tinham a idade deles. Além de analisar 50 estudos entre 1964 e 2010, os estudiosos realizaram testes com jovens de 9 a 17 anos. Eles concluíram que as crianças de hoje correriam 1,609 metro com um minuto e meio a mais de demora do que as de 46 anos atrás. Embora não saibam as causas exatas do problema, cientistas sugerem que ela está atrelada a mudanças sociais, físicas, fisiológicas, psicossociais e comportamentais. Apontam, em especial, o aumento do peso na infância.