Quatro milhões de doses da vacina contra o papiloma vírus (HPV) estão prontas para serem distribuídas gratuitamente em todo o país, na Campanha de Vacinação deste ano, em 10 de março. Meninas de 11 a 13 anos vão receber a primeira das três doses da vacina quadrivalente que previne contra quatro tipos de HPV (6, 11, 16 e 18). Dois deles, o 16 e o 18, respondem por 70% dos casos de câncer de colo de útero, o segundo mais comum entre as brasileiras. A meta é vacinar 80% da população de 5,2 milhões de meninas que formam o público-alvo da campanha, apresentada ontem pelo Ministério da Saúde.
A primeira etapa começa em março e será realizada em 36 mil salas de vacina do Sistema Único de Saúde (SUS) e pelas escolas públicas e privadas. A segunda e a terceira doses, respectivamente aplicadas seis meses e cinco anos depois da primeira vacinação, serão realizadas apenas pelo SUS. O esquema de dosagem espaçada é recomendado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e atualmente é usado por Canadá, Suíça, México e Colômbia. A coordenadora do programa de Imunização do Ministério da Sáude (MS), Carla Domingues, disse que a intenção de se articular com as escolas o início da vacinação têm por objetivo garantir "uma alta cobertura". Este ano, a vacinação abrangerá meninas de 11 a 13 anos. No ano seguinte, as de 9 a 11 anos e, em 2016, será a partir dos 9 anos.
O ministério destacou que as meninas têm iniciado sua atividade sexual aos 13 anos e, com a vacinação, vão se proteger. Prefeituras e escolas terão liberdade para adotar esquemas específicos de imunização. Os pais que não quiserem que suas filhas sejam vacinadas terão de assinar um termo de recusa. O governo vai investir R$ 1,1 bilhão para comprar 41 milhões de doses da vacina durante cinco anos. Para isso, o ministério firmou parceria para desenvolver a vacina com a Merck e o Instituto Butatan, que vai receber tecnologia para produzi-la.
CITOPATOLOGIA
Além da vacina contra o HPV, uma outra forma de prevenção, o exame citopatológico, também conhecido como papanicolaou, pode, e deve, ser feito na rede pública por qualquer mulher de 25 anos a 64 anos. “A solução para o câncer de colo de útero é simples: toda mulher precisa fazer o papanicolaou”, reforça Sérgio Bicalho, coordenador do Programa de Prevenção do Câncer do Colo do Útero e de Mama da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.
O estado tem hoje a menor taxa de mortalidade por esse tipo de câncer em todo o país. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 2001, eram 2,84 mortes por cada 100 mil habitantes. Na Suíça, o país com menor mortalidade, a taxa é de 1,1. No Amazonas, onde mais se morre por esse tipo de câncer no Brasil, a taxa é de 16,92 mortes a cada 100 mil habitantes. O lugar conquistado por Minas é reflexo de um trabalho feito com as secretarias municipais de saúde desde 1999, que colocou a prevenção do câncer de colo de útero como prioridade e, depois de uma década, começou a mudar estatísticas. Mas em 2012 ocorreu uma queda de cobertura que se repetiu em 2013. “Cerca de 80% dos prefeitos foram renovados. E esse fato muda a equipe de saúde dessas cidades. Estamos realmente preocupados”, lamenta Bicalho.
Causado pelo HPV, vírus transmitido por meio de relação sexual (penetração, sexo oral e contato de vulva com vulva), para Bicalho “o câncer de colo do útero é o câncer da mulher pobre”. Apesar de prevenível, muitas mulheres ainda morrem da doença por falta de acesso à vacina e pela resistência em fazer o exame papanicolaou.
Aprovada no Brasil há pouco mais de três anos, a vacina previne cerca de 70% dos casos, mas custa R$ 350 a dose. E são necessárias três doses. As pré-adolescentes brasileiras são o primeiro grupo a ser vacinado, o que deve ser ampliado nos próximos anos. Mas, como esse grupo só viria a desenvolver esse tipo de câncer daqui a 15 ou 20 anos, o impacto da vacinação sobre a doença não virá agora. “Em alguns países desenvolvidos a cobertura chega a mulheres de até 45 anos. Temos um câncer prevalente e que pode ser prevenido com essas duas armas, mas as pessoas não fazem, ou fazem um ou outro”, explica Bicalho, segundo o qual tomar a vacina não libera as mulheres do papanicolaou.
Resistência preocupa
O maior problema para a realização do exame papanicolaou é a resistência. Ele é o exame mais íntimo da mulher, que precisa se deitar, abrir as pernas e ter um aparelho (espéculo) introduzido na vagina para que o médico consiga colher o material. “Isso é uma barreira para mulheres menos esclarecidas, usuárias do SUS, e o que poderia ser solucionado com o exame não o é. Uma mulher com plano de saúde tem a oportunidade de escolher seu ginecologista, e de mudar se não gostar do profissional. Imagine quem vive em locais com pouco acesso aos serviços médicos. Se ela consegue o horário, muitas vezes o médico é um profissional mal remunerado, que trabalha sem condições satisfatórias de estrutura, que examina essa mulher sem paciência, sem fazer um acolhimento necessário, e talvez com um espéculo de tamanho inadequado”, lamenta o ginecologista. Essa paciente até colhe o exame, mas nem sempre volta para o controle no ano seguinte.
O problema é que o HPV não emite sinais. Segundo Sérgio Bicalho, o vírus entra nas células do colo do útero e elas começam a se multiplicar de forma desordenada, causando o pré-câncer, as chamadas lesões de baixo e alto grau. Isso não dá corrimento, não dá mau cheiro, não causa dor, nada que faça a mulher desconfiar do problema. Em alguns casos, o HPV se manifesta com verrugas. “Muitas procuram o médico quando já estão com um tumor avançado. Esse sim provoca sangramento.” A Organização Mundial de Saúde preconiza que o papanicolaou seja feito a cada dois ou três anos desde que dois exames tenham tido resultado normal em um intervalo de um ano.
Memória: herança inglesa
O Reino Unido tem hoje a segunda menor taxa de mortalidade do mundo por câncer de colo do útero, perdendo apenas para a Suíça. Tal colocação é resultado de um demanda organizada para a realização do exame papanicolaou. No modelo door to door, de porta em porta, ele é uma obrigatoriedade: agentes de saúde visitam os lares britânicos cobrando o resultado do exame e o solicitando caso ainda não tenha sido feito, permitindo uma cobertura total da população. E os bons exemplos da terra da rainha já são antigos. O ginecologista e professor aposentado da Universidade Federa de Minas Gerais Paulo Dias, durante um estágio de dois anos na Universidade de Oxford, ainda nos anos 1960, teve a oportunidade de vivenciar os escrutínios citológicos de massa realizados em cada cidade da ilha por equipes especializadas. Naquela época, eram as enfermeiras que coletavam o material para exame. “Em uma semana eram de 500 a 1.000 coletas. Se fosse depender apenas de médicos, não seria possível alcançar esse número”, conta o especialista, que copiou o modelo no pioneiro Subprograma Cérvico Uterino, que criou na capital mineira, em 1977. “Treinei, pessoalmente, as enfermeiras de 25 postos de saúde da capital. O que descobrimos de carcinomas de grau zero na época foi algo impactante. O Conselho Regional de Medicina não permitia que enfermeiras fizessem essa coleta no lugar dos médicos. Mas nem pedi permissão”, lembra Dias.