Um tipo de hormônio sexual feminino pode ajudar a diminuir a quantidade de convulsões em crianças com uma grave forma de epilepsia. Ligado ao ciclo menstrual e gestacional, o estrogênio também tem importantes propriedades neuroprotetoras. O estradiol, um subtipo do hormônio, foi usado em camundongos com a mesma mutação genética que causa a síndrome e, segundo os resultados obtidos na Faculdade de Medicina Baylor, em Houston (EUA), a substância é capaz de prevenir a epilepsia ao alterar o circuito neuronal de forma permanente.
O artigo, publicado nesta quinta-feira (23) na Science Translational Medicine, sugere que, no futuro, seja possível que o tratamento hormonal possa melhorar o desenvolvimento anormal dos neurônios responsáveis pelas crises. Para chegar a esses resultados, a equipe do Laboratório de Neurogenética Desenvolvimentista Blue Bird Circle, do Departamento de Neurologia da instituição, fez experiências com cobaias modificadas geneticamente para apresentar a mesma síndrome observada em humanos.
Doses do hormônio similares ao que é entregue a um bebê ainda dentro do ventre materno por meio da corrente sanguínea foram dadas aos ratinhos logo após o nascimento. Isso porque outras tentativas mostraram que, se o início do tratamento fosse postergado para quando os animais tivessem 30 dias, ele já não teria mais efeito. “Acreditamos que a principal razão para o estradiol aparentemente só funcionar quando aplicado no início da vida é porque, depois de um certo ponto, as redes no cérebro são estabelecidas e deixam de responder ao hormônio da mesma maneira”, imagina Jef-frey Noebels, líder do estudo.
A necessidade do tratamento ser praticamente imediata poderá ser acompanhada se um dia a terapia for transposta para humanos. Como essa síndrome tem um marcador genético, pode ser detectada no bebê antes mesmo do nascimento, o que facilitaria um possível início precoce do tratamento. No entanto, Marino M Bianchin, neurologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, alerta que é muito cedo para pensar nos resultados com humanos, apesar de a técnica ser muito promissora.
Segundo Bianchin, o trabalho traz resultados bastante interessantes do ponto de vista de evolução do tratamento, mostrando que é possível corrigir, com terapia hormonal, um defeito de organização dos neurônios no córtex. “Esse tratamento faz com que algumas redes neuronais que são deficientes nesse tipo de doença se normalizem. Eles (os pesquisadores) mostram que essa terapia aplicada precocemente, às vezes antes mesmo da primeira crise, pode modificar as redes neuronais de uma forma mais permanente”, considera o neurologista.
Cérebro moldado
Noebels detalha que, durante o desenvolvimento inicial, precursores de neurônios migram para os locais de instalação finais, formando uma série de novas conexões. Esse processo é, em parte, influenciado por hormônios capazes de moldar regiões cerebrais. O mesmo que fez o estradiol: moldou regiões em princípio “defeituosas” para que funcionassem normalmente na vida adulta. Porém, segundo Noebels, o processo é limitado e rápido. Eventualmente, as alterações não podem mais ser realizadas.
Segundo ele, essa associação das crises epilépticas com a carga hormonal, principalmente a feminina, não é uma novidade. Mulheres com epilepsia costumam ter um número de crises que varia conforme o ciclo menstrual. “A gente sabe também que o estrogênio é um hormônio que facilita o aparecimento de crises. A progesterona, bastante presente durante a gravidez, pode inibi-las. Por isso, temos hoje alguns tratamentos feitos à base de hormônios.”
No caso do estudo norte-americano, nos primeiros momentos de vida, foi percebido o efeito inverso, ou seja, o bebê teve as crises reduzidas, assim como a progressão da doença quando o estradiol foi ministrado. “E tem um efeito diferente também. Ajuda a corrigir um defeito genético presente na cobaia”, acrescenta Noebels.
Diferentemente de epilépticos mais comuns, que têm crises esporádicas e, muitas vezes, nenhuma crise se medicados, pacientes com esse subtipo da doença — mais comum em meninos — podem sofrer várias crises em um único dia. A condição já está associada com um desenvolvimento ruim do cérebro. As convulsões, somadas a esse problema, fazem com que a criança tenha um retardo grave no crescimento, com dificuldades para aprender a andar ou falar. “Precisamos considerar que qualquer tipo de terapêutica desenvolvida nesse sentido pode trazer grande ajuda”, avalia Bianchin.
O artigo, publicado nesta quinta-feira (23) na Science Translational Medicine, sugere que, no futuro, seja possível que o tratamento hormonal possa melhorar o desenvolvimento anormal dos neurônios responsáveis pelas crises. Para chegar a esses resultados, a equipe do Laboratório de Neurogenética Desenvolvimentista Blue Bird Circle, do Departamento de Neurologia da instituição, fez experiências com cobaias modificadas geneticamente para apresentar a mesma síndrome observada em humanos.
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A necessidade do tratamento ser praticamente imediata poderá ser acompanhada se um dia a terapia for transposta para humanos. Como essa síndrome tem um marcador genético, pode ser detectada no bebê antes mesmo do nascimento, o que facilitaria um possível início precoce do tratamento. No entanto, Marino M Bianchin, neurologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, alerta que é muito cedo para pensar nos resultados com humanos, apesar de a técnica ser muito promissora.
Segundo Bianchin, o trabalho traz resultados bastante interessantes do ponto de vista de evolução do tratamento, mostrando que é possível corrigir, com terapia hormonal, um defeito de organização dos neurônios no córtex. “Esse tratamento faz com que algumas redes neuronais que são deficientes nesse tipo de doença se normalizem. Eles (os pesquisadores) mostram que essa terapia aplicada precocemente, às vezes antes mesmo da primeira crise, pode modificar as redes neuronais de uma forma mais permanente”, considera o neurologista.
Cérebro moldado
Noebels detalha que, durante o desenvolvimento inicial, precursores de neurônios migram para os locais de instalação finais, formando uma série de novas conexões. Esse processo é, em parte, influenciado por hormônios capazes de moldar regiões cerebrais. O mesmo que fez o estradiol: moldou regiões em princípio “defeituosas” para que funcionassem normalmente na vida adulta. Porém, segundo Noebels, o processo é limitado e rápido. Eventualmente, as alterações não podem mais ser realizadas.
Segundo ele, essa associação das crises epilépticas com a carga hormonal, principalmente a feminina, não é uma novidade. Mulheres com epilepsia costumam ter um número de crises que varia conforme o ciclo menstrual. “A gente sabe também que o estrogênio é um hormônio que facilita o aparecimento de crises. A progesterona, bastante presente durante a gravidez, pode inibi-las. Por isso, temos hoje alguns tratamentos feitos à base de hormônios.”
No caso do estudo norte-americano, nos primeiros momentos de vida, foi percebido o efeito inverso, ou seja, o bebê teve as crises reduzidas, assim como a progressão da doença quando o estradiol foi ministrado. “E tem um efeito diferente também. Ajuda a corrigir um defeito genético presente na cobaia”, acrescenta Noebels.
Diferentemente de epilépticos mais comuns, que têm crises esporádicas e, muitas vezes, nenhuma crise se medicados, pacientes com esse subtipo da doença — mais comum em meninos — podem sofrer várias crises em um único dia. A condição já está associada com um desenvolvimento ruim do cérebro. As convulsões, somadas a esse problema, fazem com que a criança tenha um retardo grave no crescimento, com dificuldades para aprender a andar ou falar. “Precisamos considerar que qualquer tipo de terapêutica desenvolvida nesse sentido pode trazer grande ajuda”, avalia Bianchin.