O estudo, intitulado Tratamento de pacientes ambulatoriais de anorexia nervosa, compara duas abordagens terapêuticas — a psicoterapia psicodinâmica focal e a terapia cognitivo comportamental voltada aos transtornos alimentares — ao tratamento padrão oferecido pelos centros de atendimento na Alemanha. O psiquiatra e médico supervisor do Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo, Eduardo Aratangy, explica que o primeiro método foca principalmente os conflitos e tensões psíquicas do indivíduo, “as relações afetivas, questões inconscientes e traumas ligados ao transtorno alimentar, sendo considerada um tipo de psicoterapia profunda”.
Já as terapias cognitivas comportamentais buscam intervir em pensamentos e ações do paciente, sendo mais objetivas e específicas para mudar determinados comportamentos e crenças que o paciente possua, diferencia Aratangy. E o tratamento padrão usado como modelo de comparação no estudo, por sua vez, combina orientações médicas e atendimento psicoterápico geral.
Ritmos
Para comparar essas abordagens técnicas, a equipe de Zipfel recrutou 242 pacientes diagnosticados com anorexia nervosa. Eles foram divididos em grupos e tratados com uma das abordagens durante 10 meses. Além de observar os efeitos da intervenção logo após esse período, os pesquisadores realizaram uma nova coleta de dados 12 meses após o fim da terapia, para verificar a manutenção dos efeitos de cada estratégia.
Os pacientes tratados com a técnica cognitiva comportamental ganharam peso e apresentaram melhoras dos sintomas mais rapidamente. Esse fator mostrou que o ritmo desse tratamento é mais veloz, o que pode ser extremamente importante caso o paciente esteja muito debilitado e com um peso muito baixo. A técnica de psicodinâmica focal, contudo, mostrou-se um pouco mais eficaz a médio prazo em relação às taxas de recuperação, isto é, à manutenção de um peso saudável e à ausência de muitos sintomas ligados a transtornos alimentares. Nesse estágio, mesmo que presentes, os sintomas foram leves e, provavelmente, não chegavam a prejudicar a vida do indivíduo.
Na opinião de Aratangy, a conclusão preliminar confirma uma impressão notada nos consultórios. “A proposta terapêutica de intervir em pensamentos e comportamentos (terapia cognitivo comportamental) tem resultados mais rápidos, enquanto a abordagem dos conflitos psicodinâmicos tende a gerar resultados terapêuticos mais duradouros, embora mais lentos”, resume.
A psiquiatra Angélica de Medeiros Claudino, complementa a análise do colega: “No curto prazo, é claro que uma técnica que trabalha os sintomas tem mais efeito, porque está diretamente voltada para isso. A médio e a longo prazo, a técnica que se preocupa mais em tratar o que está na base, aquilo que pode ter ajudado a desenvolver os sintomas, alcança os mesmos efeitos ou até uma continuidade de melhora. Isso porque a pessoa está estruturando uma base mais sólida para ficar bem”, observa.
Claudino, que é coordenadora do Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares da Universidade Federal de São Paulo (Proata/Unifesp), acrescenta que o primeiro fator a chamar atenção no trabalho de Zipfel é o alto número de pacientes pesquisados. Estudos anteriores com o mesmo objetivo não foram felizes ao comparar tratamentos devido a amostras muito pequenas, que limitaram o poder estatístico. Outro ponto importante foi o de testar a psicodinâmica, técnica pouco experimentada em geral pela ciência, especialmente nos casos de transtorno alimentar, mas muito forte no Brasil. “É interessante ver um resultado dessa técnica aplicada para a anorexia nervosa e a comprovação de que ela pode ser tão boa quanto a técnica cognitiva comportamental, ou mesmo o tratamento usual. Sendo que esse último, de acordo com a pesquisa, também é muito bom.”
Multiprofissional
Segundo a especialista, no Brasil, o tratamento chamado de usual é parecido com o adotado na Alemanha e, geralmente, envolve uma equipe multiprofissional, com psicoterapeuta, clínico para acompanhamento médico e psiquiatra. Ela lembra que, no país europeu, a equipe de tratamento é formada por um grupo de profissionais que têm experiência com transtornos alimentares, qualificação que ela considera essencial. “Faz muita diferença. Se você conhece esse tipo de paciente, sabe quais são os problemas e as dificuldades que eles encontram na recuperação.”
A psiquiatra da Unifesp reforça que o tratamento usual oferecido por profissionais da área tem eficácia tão boa quanto uma técnica manualizada — abordagem que funciona como um manual, em que, na primeira sessão, aborda-se um aspecto, na seguinte, um outro fator e assim por diante. “O tratamento usual não é tão rígido assim. Vai seguir um pouco a necessidade de cada paciente e a intensidade dos sintomas.”
A eficácia, mesmo que diferenciada de uma variedade de tratamentos para a anorexia nervosa, mostra a dificuldade em criar um tratamento padrão para esses pacientes. Também porque transtornos psiquiátricos envolvem essencialmente questões sociais, culturais, familiares, psicológicas e biológicas. “É muito difícil criar um modelo que contemple todos os aspectos de forma abrangente e que ainda consiga auxiliar cada paciente nas questões individuais. Por essa razão, o tratamento de tais quadros requer uma equipe ampla, integrada e treinada em transtornos alimentares”, acredita Aratangy.
Questão de tempo
“As técnicas psicodinâmicas têm uma abrangência maior, mas vão ter como desvantagem a demora para chegar ao resultado esperado. Estudos anteriores focam muito mais na questão imediata, que são as terapias cognitivas comportamentais, com ação mais rápida. Poucos estudos até então conseguiram avaliar períodos mais longos de tratamento e após o tratamento. Nesse ponto, esse estudo é extremamente importante, porque avaliou o resultado após 12 meses. Técnicas mais abrangentes têm uma ação mais evidente a longo prazo. Com um período maior de avaliação, foi possível mostrar uma variação na efetividade de cada abordagem. Examinado ao longo do tempo, o efeito imediato ligado aos sintomas pode ser mais rápido, mas pode não ser mantido. Então, as recaídas podem ser maiores. Funciona, mas com o decorrer do tempo, o paciente oscila. Técnicas psicodinâmicas podem demorar um pouco mais, mas se prolongam.”
Nelson Caldas, professor do Instituto de Psiquiatria do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro