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Para o professor-adjunto do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Amaury Castilino, doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento, o mundo virtual facilita determinadas formas de comunicação que podem concretizar algumas relações afetivas reais. Além disso, algumas pessoas tímidas e outras mais recatadas encontram na internet oportunidades de exposição de desejos que são partilhados por outros. Mas a dúvida é: esse aumento de exposição pessoal pode aumentar as perversões sexuais?. "Pensamentos ou desejos sexuais menos comuns podem ser compartilhados na internet, tornando-os aparentemente usuais para o indivíduo que eventualmente acreditava que estava sozinho naquela fantasia. Esse aspecto pode favorecer a expressão comportamental do desejo por meio de um afrouxamento dos freios morais."
A psiquiatra e psicanalista mineira Marília Brandão Lemos Morais enfatiza que a internet é um meio de comunicação social valioso e um veículo por meio do qual as pessoas podem se apegar afetiva e socialmente, já que as redes sociais promovem o diálogo on-line e off-line. Ao propiciar acesso a conteúdos diversos, vão estar à disposição sites de pornografia, de encontros amorosos e sexuais e de sexo virtual, que, se antes se limitavam ao texto, agora agregam imagens, vídeos, a possibilidade de usar a webcam em tempo real e o contato virtual. "As pessoas compulsivas sexuais usam a internet como veículo da sua compulsão. Muitos têm vida real com seus parceiros, mas não controlam o poder aditivo e viciante de apenas um clique ao seu alcance. No mundo virtual, elas encontram seus grupos e pares com as mesmas preferências, vivências, fantasias. E sabem que serão aceitas, não rejeitadas."
Marília reforça que a internet promove dependência por três fatores. Primeiro, pela acessibilidade, 24 horas, sete dias por semana e, ainda, com a facilidade de aparelhos móveis, podendo estar em qualquer lugar. Segundo, pelo anonimato. A pessoa se sente protegida. E terceiro, por ser um empreendimento de baixo custo, todos têm acesso. "O problema é que quem faz parte do grupo de risco vai estimular o transtorno ao vivenciar na internet a busca de suas fantasias. É uma tendência de ser repetitivo." A médica lembra que há características de personalidade que podem predispor a esse comportamento. São pessoas em fase de fragilidade, solitárias, tímidas e que usam a internet como escape, forma de enfrentamento e desvio dos problemas da vida real. "Num primeiro momento, podem achar interessante. Mas ao se tornar viciante, vai gerar prazer fácil, imediato e estimular um circuito de recompensa e gratificação que, por ser repetitivo, causará problema na vida pessoal. O refúgio na internet é uma forma de alienação afetiva, social e do trabalho que só causa sofrimento", pontua.
A psiquiatra conta que de 5% a 10% dos usuários da população mundial podem se tornar dependentes e não só de sexo, mas de jogos (pôquer e RPG) e da própria navegação. "Há pessoas que acessam por curiosidade. E os compulsivos são capturados pela rede. A internet passa a ser um problema grave. As obsessivas não conseguem desviar o pensamento e, no caso de doentes e criminosos, como os pedófilos, a usam para atrair suas possíveis vítimas."
VIDA MODERNA
A médica mineira chama a atenção para o sofrimento dos dependentes. "Eles precisam buscar ajuda porque sozinhos não vão se desvencilhar. Têm de tratar a dependência, ficar um tempo longe, como ocorre no caso da droga ou do álcool. A internet é instrumento da vida moderna, impossível viver sem (usada no trabalho, para acessar banco, fazer compras etc.) e, por isso, é fundamental procurar um tratamento tanto medicamentoso quanto psicoterápico." Marília lembra ainda que pessoas compulsivas e dependentes podem aprender a conviver com o uso da internet de forma saudável, com equilíbrio e contenção.
Segundo ela, a dependência é recente e nem conta na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) ou no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSMs). "Vários autores escrevem livros, há trabalhos, mas é tudo novo ainda. O doente na internet entra em estado alterado de consciência. A sensação de tempo e hora muda, assim como a de espaço, de quebras de fronteiras, de conversar com alguém na China como se estivesse ao seu lado. Vivem num estado de imersão prazeroso e tudo é novidade, surpresa, sem começo ou fim. Ele pensa que tem controle, mas na realidade o perde. É bom destacar que o ser humano é social, precisa estar agregado, que a fantasia é necessária, mas não pode descontrolar."
Carmita Abdo - psiquiatra, psicoterapeuta, terapeuta sexual, doutora e livre-docente pela USP
Temos dificuldades
"Para evitar o transtorno sexual é importante ter saúde física e emocional. Acham que é pouca coisa? Não é. É preciso ter levado sempre uma vida saudável e para alcançá-la, recomendo: não seja sedentário, pratique exercícios, mantenha o peso, dieta balanceada, não beba em excesso, não use drogas, procure se estressar o menos. Tente aproveitar, passear, trabalhar, mas garantir as horas de sono necessárias. Com tudo isso você evita adoecer ou pelo menos protelar a propensão ao adoecimento, como diabetes, hipertensão, colesterol e triglicérides altos e outras doenças que acarretam prejuízos à sexualidade. O sexo pode ser melhorado com medicação, mas a causa de um problema sexual deve ser reconhecida e combatida. Só o medicamento para agir nos sintomas é paliativo. O brasileiro gosta muito de sexo, é reconhecido no mundo inteiro como bem resolvido. No entanto, a dificuldade de ereção, ejaculação precoce, falta de desejo das mulheres e a dificuldade do orgasmo delas mostram que temos muita dificuldade. Talvez nossa liberdade com o corpo, a forma tranquila com que falamos do assunto seja diferente de outros povos, mas não o nosso desempenho."
Tratamento pode correr risco
O professor-adjunto do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Amaury Castilino comenta que o uso da internet trouxe um outro tema relevante para os debates no meio médico e na academia: a interferência das redes sociais na relação médico-paciente. Ele explica que é cada vez mais fácil o paciente ter acesso a informações pessoais de médicos e familiares. Dessa forma, informações sobre relacionamentos, filiações religiosas ou partidárias, escolhas de estilo de vida, imagens não profissionais, entre outras, são facilmente obtidas na rede, com meras consultas a sites de relacionamento.
"Algumas delas podem prejudicar a relação profissional e atrapalhar o curso do tratamento. Muitas vezes, os pacientes nem sequer comentam a respeito dessas informações, e o impacto negativo delas pode nunca ser discutido. Ao mesmo tempo em que não se pode exigir que o psiquiatra não participe das redes sociais, esses profissionais precisarão observar alguns aspectos das expectativas sociais a respeito da sua profissão. Além disso, sabe-se que a fala do paciente é modulada de acordo com o que ele sabe sobre o médico e, na psiquiatria, é de fundamental importância que o paciente se sinta à vontade para relatar suas vivências, sem receio de julgamentos pessoais", avalia Castilino.
Para o psiquiatra, as redes sociais são um fenômeno da comunicação moderna. Tornaram-se uma nova forma de vida social, com uma amplitude de possibilidades de contato maior e mais rápida do que tudo que tínhamos anteriormente. "Dessa forma, acaba sendo uma ferramenta importante para a divulgação de informações médicas relevantes para a sociedade. Sobretudo nas formas de grupos para discussões profissionais, as redes sociais tendem a ser aliadas do médico e do paciente na promoção da saúde." Por outro lado, ele lembra que junto com a exposição há também muita mentira, invenção e criação. "Na prática psiquiátrica, muitas vezes podemos enxergar discrepâncias entre os relatos de angústia, depressão e sofrimentos diversos no consultório com a aparente satisfação com a vida mostrada na rede social. O que se coloca no consultório, em geral, é mais livre de críticas e de censura; nas redes sociais coloca-se o que tende a ser aprovado e reforçado por ‘curtições’."
CONFIANÇA
Com a exposição virtual, uma questão é saber se o médico pode usar as informações das mídias sociais par fazer diagnóstico?. "Embora esse assunto ainda não tenha sido amplamente discutido nos conselhos de medicina, há uma nítida tendência dos psiquiatras a uma restrição da atuação médica ao que se consegue obter de informação a partir da anamnese no consultório. A busca de dados sobre o paciente a partir da internet pode comprometer a relação de confiança do paciente no seu médico e levar à interrupção do tratamento. Considera-se que uma confrontação do paciente com informações obtidas por busca ativa nas redes sociais pode causar constrangimento inadequado para o tipo de relação que se deseja construir."