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Esta combinação explosiva é a conclusão de um grupo de pesquisadores, que analisou três estudos e produziu um artigo que será publicado na próxima edição da Psychological Science, veículo mais importante da psicologia empírica mundial. “A criança que já tem a autoestima elevada costuma progredir com os elogios, ainda que exagerados. Já aquelas que têm autoestima menos desenvolvida costumam evitar novos desafios”, explica Eddie Brummelman, principal autor do estudo e professor visitante da Universidade do Estado de Ohio (EUA).
Brummelman pondera que muitos estudos já analisaram os efeitos desse “louvor” sobre as crianças, mas a pesquisa é uma novidade porque demonstrou os efeitos de forma empírica, ou seja, com dados de experiências reais. Segundo as estatísticas, os adultos tiveram a tendência de elogiar duas vezes mais as crianças com baixa autoestima (saiba mais sobre as experiências logo abaixo).
Outra conclusão trazida pelos pesquisadores é a de que, principalmente para os pequenos com baixa autoestima, é mais importante elogiar ações; e não sua personalidade. Assim, dizer: “olha, que coisa inteligente você fez aqui” seria muito melhor do que dizer “como você é inteligente!”. Os psicólogos integrantes do grupo de pesquisa apontam ainda uma terceira dica para os pais aflitos com essas descobertas: repetir mantras como “eu vou conseguir” faz a criança se sentir pior.
Embora os apressados possam querer fazer parecer diferente, o estudo não diz que os pais e professores devem parar de elogiar. Ele só salienta que isso deve ser feito dentro de um contexto adequado; e nunca de forma exagerada. A psicanalista e psicopedagoga mineira Cristina Silveira corrobora as principais conclusões dessa pesquisa, e acrescenta alguns pontos à reflexão. Além de criar uma pressão por vezes insuportável sobre as crianças menos confiante, alguns tipos de elogios podem também favorecer o desenvolvimento de adultos insensíveis, com dificuldade de respeitar o outro.
Cristina recebe casos de crianças superdotadas, por exemplo, que não correspondem ao desempenho esperado pelos pais na escola. "Isso acontece principalmente porque os pais, assim que descobrem essa característica, caem na tentação de elogiar e espalhar para todos os amigos e conhecidos que o filho é um gênio. E o 'gênio', que mesmo com Q.I. altíssimo também tem suas dificuldades, acaba ficando muito pressionado”, explica Cristina. A criança pode até simular doenças e dores físicas para não fazer uma prova ou não participar de uma competição.
O elogio exagerado à inteligência, por exemplo, pode fazer também com que o pequeno desenvolva indiferença ou insensibilidade, adotando uma postura de 'dono da verdade'. Ou seja, pode haver problemas também com o excesso de autoconfiança. “Esse outro tipo de gêniozinho passa a desrespeitar o professor e os colegas. Não sabe seus limites”, aponta a psicanalista.
O elogio desmedido pode causar até mesmo patologias – ansiedade, depressão, pânico. “Por medo de não se sair tão bem quanto esperado, a criança opta por não fazer a tarefa. Quando a família entende a questão dos elogios de forma equivocada, ele pode ser muito prejudicial”, descreve Cristina.
Elogiar é errado?
Não. Mas é preciso usar da forma correta. Quando uma criança recebe elogios pela sua inteligência ou beleza, ela pode concluir que deve ser inteligente e linda sempre. Acontece que a vida é cheia de frustrações, que produzem as experiências que nos levam ao amadurecimento. “Uma criança que nunca enfrenta uma frustração tem o desenvolvimento de seu caráter prejudicado. Ela pode ficar muito insegura ou extremamente insensível”, frisa Cristina.
No caso dos elogios pela beleza – 'olha que lindo', 'parece uma bonequinha' – a repetição e exagero podem levar a uma busca por um padrão inalcançável, motivando cirurgias plásticas ainda na adolescência, ou mesmo favorecendo o desenvolvimento de anorexia e bulimia. “Para alcançar um padrão de beleza que alguém viu nela um dia, a menina pede um vale-silicone de presente de aniversário aos 15 anos, por exemplo”, conta Cristina.
Por outro lado, o elogio é um poderoso motivador; e não só para as crianças. O X da questão é a forma utilizada. “Se você diz que o adolescente é muito inteligente e vai tirar de letra o vestibular de medicina, a pressão pode ficar insuportável. Mas, se você diz que admira o esforço que ele está fazendo e que, mesmo se o resultado não for o ideal, ele vai entender que pode sempre melhorar”, esclarece a psicopedagoga. Isso vale também para os professores. “Quando o elogio vem durante o processo, a criança aprende que o bom resultado é consequência do esforço. Por outro lado, se elogiamos apenas a inteligência, a criança não vai querer demonstrar nenhuma fraqueza que contradiga esse elogio. Daí surgem as desculpas para não fazer uma prova, por exemplo”, exemplifica a especialista.
Louvor inflado e autoestima
Os pesquisadores criaram uma expressão para diferenciar os tipos de elogios. 'Inflated praise', que em tradução livre é o equivalente a 'louvor inflado', é descrito no estudo como aquele elogio que inclui palavras de ênfase como 'incrível' e 'perfeito'.
Em um dos estudos avaliados, 114 pais (88% dos quais eram mães) participaram da experiência junto com os filhos. Alguns dias antes, as crianças fizeram testes específicos para determinar seu grau de autoestima. Em casa, os pais aplicaram 12 exercícios de matemática cronometrados e disseram aos filhos suas impressões sobre os resultados. A ação foi filmada, sem a presença dos pesquisadores no ambiente. Expressões como 'fantástico' caíram na categoria louvor inflado. Já a frase 'você fez isso muito bem' ficou na categoria louvor não-inflado.
Os resultados mostraram que os pais elogiaram seus filhos cerca de 6 vezes durante a sessão; e 25% dos cumprimentos eram 'inflados'. Segundo os pesquisadores, o detalhe mais importante é que os adultos aumentaram a carga com as crianças de baixa autoestima. "Os pais parecem pensar que crianças menos confiantes precisam de uma dose extra de elogios. Por mais que seja compreensível que eles pensem assim, nosso estudo mostra que o tiro pode sair pela culatra”, diz Brad Bushman, coautor e professor de comunicação e psicologia na Ohio State.
Em outra experiência, 240 crianças fizeram um desenho inspirado pela pintura 'Rosas Selvagens', de Van Gogh. Em seguida, uma pessoa identificada como 'pintor profissional' fez observações sobre o trabalho, variando entre 'louvor inflado', 'louvor não-inflado' e 'não-louvor'.
Depois de receber a nota, as crianças foram convidadas a fazer outros desenhos, mas poderiam escolher qual imagem iriam copiar. Os organizadores informaram aos participantes que algumas eram mais fáceis, portanto elas poderiam errar menos. E também aprender menos. As outras opções eram mais difíceis, e elas poderiam errar mais, mas também aprender mais.
As crianças com autoestima baixa que receberam elogios inflados escolheram as mais fáceis. As crianças com autoestima elevada que receberam os mesmos elogios tiveram a tendência de buscar imagens mais difíceis de copiar. “O 'louvor inflado' coloca pressão sobre pessoas com autoestima pouco desenvolvida. Se você disser a ela que o resultado foi incrivelmente ótimo, ela pode se sentir obrigada a seguir o mesmo padrão e não topar novos desafios, para ficar em uma zona segura”, define Brummelman. O colega Bushman completa. “Embora isso contrarie o senso comum, os pais e demais adultos devem controlar seus desejos de inflar o ego da crianças que já se sentem mal sobre si mesmas”, conclui.
A psicopedagoga Cristina Silveira reforça que uma criança com baixa autoestima geralmente vai recusar muitos convites, vai apresentar desculpas e pode até mesmo somatizar a ansiedade – com dores de cabeça, diarreia, problemas respiratórios. “Ela pode também se apresentar como uma criança mais entristecida, que não acredita em seu potencial. Os pais precisam ter a sensibilidade para perceber que não é uma incapacidade cognitiva ou motora; e sim a insegurança que está barrando o desenvolvimento do filho”, define a psicanalista. Outra hipótese pode ser a presença de alguma condição específica da criança, como o déficit de atenção. “Neste caso, o cuidado deverá ser também específico e os elogios durante o processo deverão ser direcionados à capacidade de se concentrar em uma tarefa, por exemplo”, aconselha.
E a falta, faz falta?
Sim. A falta de elogios também pode ser prejudicial. Fazer o estilo 'pai severo' e exigir um boletim que tenha apenas nota 10, sem nunca reconhecer o esforço, pode levar a uma sensação de abandono emocional, que reduz a autoestima e autoconfiança. “O reconhecimento é uma forma de cuidado e uma demonstração de que aquela criança está sendo observada pela família”, argumenta a psicopedagoga.
Uma criança que raramente recebe elogios pode acreditar que é incapaz de alcançar o que os pais querem. “E pode se transformar em um adolescente ou adulto torturado pela necessidade de satisfazer a opinião dos pais, dos professores, dos colegas. Sem, no entanto, acreditar em si mesmo”, alerta a especialista. “O que acontece na vida contemporânea é que os pais não têm tempo de realmente acompanhar a criança, de visualizar o processo como um todo. Se ela está se alimentando direito, se está estudando, se está sofrendo bullying. Não basta um tempo curto, ainda que de qualidade, para se inteirar de tudo isso”, salienta a psicopedagoga. Cristina denuncia que essa situação de abandono nem sempre é percebida. “As crianças ficam entregues à escola, à babá e até aos motoristas. Cabe aos pai se perguntarem se ganhar sempre mais dinheiro e ser capaz de consumir mais coisas é tão importante. E o acolhimento do filho, onde fica?”, questiona a psicanalista.
As crianças querem, além de um elogio bem colocado, a presença e a compreensão. Ela pode ter necessidade de mudar de escola, por exemplo, devido ao seu perfil. Por que não? Há escolas de diversas linhas e propostas. Outro exemplo: ela pode não ser talhada para ser um grande jogador de futebol, mas ter outro talento, que só será percebido com a convivência. “É preciso desfazer as fantasias que os pais têm em relação aos filhos. Nós precisamos enxergar os filhos reais que temos em casa, ou seja, aqueles que têm várias potencialidades, mas talvez não aquelas que imaginamos. Essa criança pode vir a ter uma vida maravilhosa, fazer uma ação importante pelo bem da humanidade, mas acabamos por sufocá-la em prol de nossas expectativas”, defende Cristina Silveira. “Entre a postura ultrasevera de antigamente e a falta de limites que veio depois, é preciso haver um equilíbrio. Lembrando que cada criança tem seu jeito. Umas precisam de mais incentivo, outras menos”, finaliza.