Para a sexóloga e membro do comitê de sexologia da Sociedade Mineira Ginecologia e Obstetrícia (SOGIMIG), Stany Rodrigues Campos de Paula, tudo que é educativo e desmistifica algo que tem tanto peso, como é o caso da masturbação feminina, pode ajudar. “Mas trazer para um game a responsabilidade de um tratamento e de uma busca pessoal pode ser frustrante”, afirma. Mas essa não parece ser a intenção da designer: “O HappyPlayTime é um jogo de educação sexual que ensina garotas a se masturbar. Seu objetivo principal é eliminar o estigma associado à masturbação feminina, ao apresentar fatos sobre anatomia e técnicas de uma forma divertida”, afirma na página do projeto.
Tina Gong não é a única a trazer o tema para a cultura pop. Mile Cyrus lançou no final do ano passado o clipe de ‘Adore You’ em que simula movimentos de masturbação. Em seu último trabalho, Beyoncé dá destaque para a temática da sexualidade feminina. "Nós ensinamos as mulheres quando crianças que elas não podem ser seres sexuais como os meninos e os homens são". Proferida pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie em uma conferência em abril de 2013 como parte do discurso ‘Deveríamos todos ser feministas’, o trecho está sampleado na faixa '***Flawless' (leia mais aqui), do novo álbum da diva lançado em dezembro de 2013. Simpatizante ao feminismo em alguns momentos – porque deslizes no discurso posdem ser apontados por teóricos e militantes – a norte-americana se lança sobre o sexo enquanto tema do disco intitulado com o próprio nome. “Eu não tenho vergonha de ser sensual. Não sinto que tenho que proteger esse meu lado porque acredito que a sexualidade é um poder que todas temos", afirmou em documentário lançado no mesmo mês. "Sou uma mulher crescida e posso fazer o que eu bem quiser", canta em "Grown Woman. Em Rocket, outro exemplo, ela começa com o verso "let me sit my ass on you" ou “deixe-me sentar em você”.
Assista 'Adore You':
Assista a um trecho de ***Flawless:
Mulheres se masturbam 13 vezes menos que homens
Quase 53% das mulheres brasileiras solteiras, entre 18 e 25 anos, nunca se masturbaram. Na mesma faixa etária e estado civil, apenas 4,2% dos homens responderam da mesma forma à essa pergunta da pesquisa ‘Mosaico Brasil’, conduzida por Carmita Abdo, psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) também da USP. É uma diferença de quase 13 vezes. Se por um lado, a sociedade encara com naturalidade essa informação que apenas reforça a ideia de que à mulher o prazer sexual é negado, por outro, os números podem ajudar a entender a pressão sofrida pelas jovens Júlia Rebeca, de 17 anos, e Giana Fabi, 16, que se enforcaram após terem imagens de momentos íntimos de suas vidas divulgados via Whatsapp e espalhadas pela rede. Ambas se despediram no Twitter com mensagens em que pediam desculpas às famílias.
Repressão sexual
A sexóloga Stany Rodrigues Campos de Paula reforça que, independentemente do gênero, a masturbação em si já é um tabu. “Ela tem um cunho de proibido, de pecado”, diz. A palavra em si já carrega consigo o peso cultural e vem sendo substituída por especialistas para autoerotismo. “O homem ainda não vê a mulher como aquela que faz sexo por prazer, faz por afeto, pela condição marital”, afirma. No entanto, segundo Stany, a principal queixa das mulheres nos consultórios é a disfunção de orgasmo. “A mulher ainda precisa conhecer o próprio corpo e tem dificuldade até em saber o que é orgasmo. Muitas delas nunca se tocaram. Elas sabem que têm um órgão que lhes dá prazer, mas não têm coragem, iniciativa de tocá-lo. A mulher encontra o parceiro e acha que ele é quem tem que dar o prazer para ela, o prazer feminino está vinculado ao outro”, afirma.
Essa repressão sexual, para Stany de Paula, se dá quando se abre o universo da educação para as crianças, a partir dos 8 anos. “A curiosidade em relação ao outro aparece como proibitivo. Na adolescência, se torna mais real e é cercada de censura social. A masturbação é considerada errada, fora do contexto social aceitável e esse jovem trava uma briga entre o que é permitido e aquilo que ele deseja”, analisa. Aos 12 anos, segundo ela, a pessoa estabelece um caminho de fixar ou não essa sexualidade. “A masturbação pode entrar como elemento de fixação. Nessa fase, frases como ‘não pode’ ou ‘é sujo’ aparecem. Se o tema não for trabalhado de forma correta pode ser manipulado de uma forma tão expressiva a ponto de alterar as relações futuras”, salienta.
Mulheres e a dificuldade em se tocar
“Em qualquer faixa etária ou qualquer que seja o estado civil, a masturbação feminina é significativamente menor se comparada ao do homem”, afirma Carmita Abdo que ouviu mais de 8 mil pessoas em dez capitais brasileiras durante a pesquisa ‘Mosaico Brasil’. O tema masturbação é apenas um dos itens abordados no mapeamento da vida sexual do brasileiro. O contato com o próprio corpo é tão proibitivo para as mulheres brasileiras, segundo a coordenadora da pesquisa, que mesmo procedimentos de saúde em que a mulher precisa entrar em contato com o seu genital não são aceitos com tranquilidade. Carmita cita, por exemplo, o tratamento com creme vaginal, a camisinha feminina e até o absorvente íntimo. “Mesmo com prescrição médica, esse contato é mais difícil do que se poderia considerar natural. A mulher brasileira é culturalmente muito pouco habituada a estar em contato com o seu genital”, afirma a especialista. Carmita Abdo diz que o próprio autoexame das mamas não foi uma prática que as mulheres adotaram confortavelmente no início. “Causou um mal-estar”, observa.
“A masturbação também faz parte desse contexto”, afirma Abdo. A pesquisadora usa a expressão ‘sacrossanta genitália’ para explicar por que esse toque na vagina é tão carregado de contextos culturais, históricos, morais e religiosos. “Parece uma situação de resguardo, para que num relacionamento a dois ela possa então permitir esse contato”, diz. Entretanto, aponta algo que poderia ser considerado uma contradição caso a sociedade não fosse machista: “ela não se toca, mas deve dar livre acesso para o seu parceiro”. Carmita ressalva que esse resguardo é pouco consciente. “Ela não está pensando isso – ‘não masturbo porque tenho que guardar’ -, essa mensagem é transmitida ativamente de geração para geração”. E acentua: “a mulher consegue se libertar um pouco mais na maturidade”. Tanto é que é entre as divorciadas na faixa etária entre 41 e 50 anos e 51 e 60 anos que aparecem os menores índices de mulheres que nunca se masturbaram: 26,6% e 14,7%, respectivamente. “Nota-se também que as mulheres separadas tem uma tendência à masturbação um pouco maior que as casadas e as solteiras. Elas se ressentem mais da necessidade do sexo”, avalia.
Entender o próprio corpo
Para Carmita, a masturbação é importante para o homem e para a mulher. “É a maior fonte de autoconhecimento da sexualidade. É sair do plano da fantasia e entrar no plano da sensoriedade. É entender o próprio corpo e ver como ele responde aos estímulos. Aprender o que gosta e o que não gosta, o quanto ela precisa ser estimulada para dar uma resposta. São informações que podem ser transmitidas ao parceiro”, salienta. Algumas dessas questões podem, obviamente, serem resolvidas também através de um relacionamento sexual entre casais heterossexuais. “Mas o homem tem mais experiência com a autoerotização e sai com um ganho em relação à mulher. Ele já sabe solicitar o que quer e ela terá que aprender quando começar a ser excitada na relação”, expressa.
A carga cultural influencia não só o autoconhecimento da sexualidade feminina como funciona como impeditivo de verbalizar para o parceiro o que se deseja. “Mesmo quando ela é acessada, muitas vezes não solicita a continuidade de um estímulo positivo”, afirma. Carmita Abdo observa que conhecer o próprio desejo não é tudo. “Tem que ter também uma disposição para apresentar o que quer, o que excita”, conclui.
A coordenado da pesquisa ‘Mosaico Brasil’ aborda ainda outras duas questões que se relacionam ao tema da masturbação. A primeira é a própria anatomia feminina que não facilita o acesso tanto quanto a masculina. “O homem tem condição de se tocar com muito mais discrição que a mulher. A menor acessibilidade ao genital também influencia”. Outra é como a genitalidade é algo muito mais premente na sexualidade masculina. “Toda a ação do homem é dirigida para a genitalidade como momento culminante, principal e almejado na relação. A mulher chega à genitalidade através de uma estimulação mais geral. Para o homem, o direcionamento todo é para o pênis. A mulher - para chegar à lubrificação necessária que favoreça a penetração e culmina com a descarga de tensão (orgasmo) – ela precisa ser estimulada desde emocionalmente até fisicamente por vários pontos espalhados pelo seu corpo”, encerra.