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“Cerca de 40 mil bebês nascem com defeitos cardíacos congênitos nos Estados Unidos anualmente e aqueles que necessitam de tratamento sofrem com múltiplas cirurgias para entregar ou substituir os implantes não degradáveis que não crescem com pacientes jovens”, conta Jeffrey Karp, da Divisão de Engenharia Biomédica do Hospital Infantil de Boston e autor do artigo publicado, nesta semana, na revista científica Science Translational Medicine. Para testar o gel, nomeado de adesivo hidrófobo ativado por luz (HLAA, em inglês), os autores, inicialmente, usaram camundongos e perceberam que o material, que tem o processo de adesão catalisado por raios ultravioleta, poderia ser usado para conectar um “remendo” de polímeros ao coração e que, sozinho, poderia selar defeitos na parede cardíaca, mesmo efeito das suturas.
Em seguida, eles transferiram os testes para porcos, animais cujo coração bate em taxas similares ao dos humanos — o dos ratos tem batimento muito mais elevado. A eficiência da supercola foi mais uma vez confirmada. Além disso, foi observado que o adesivo se manteve no mesmo lugar mesmo com o aumento dos batimentos, quando adrenalina foi injetada nas cobaias. “O HLAA sozinho foi capaz de fechar imediatamente até defeitos na artéria carótida de suínos sem quaisquer complicações hemorrágicas”, garantem os pesquisadores.
O maior problema enfrentado hoje para a aplicação na cirurgia cardiovascular de colas biológicas é a falta de aderência. O campo operatório está normalmente inundado com sangue e existe uma alta pressão nas cavidades. “Para usar os produtos disponíveis, não pode haver sangue no campo operatório e isso é algo extremamente difícil de conseguir. São colas que não têm uma capacidade de aderência muito forte”, descreve Robson Poffo, cirurgião cardiovascular do Hospital Albert Einstein.
O diferencial do material desenvolvido pela equipe de Harvard está no fator de ele poder ser usado inclusive dentro do coração, por meio de uma cirurgia minimamente invasiva e com a introdução de um dispositivo banhado com o produto, sem necessidade de sutura. “Isso não é possível com nenhuma cola. Por outro lado, o estudo ainda é experimental, em ratos e modelos suínos, além de ser muito curto já que os animais ficaram vivos somente pelas 24 horas seguintes, mas representa uma esperança”, pondera. Poffo avalia que a passagem do ponto de vista experimental para a aplicação no ser humano deve levar alguns anos.
Inspiração animal
O especialista lembra também que o estudo com a supercola iniciou-se há mais de três anos na Universidade de Utah, também nos Estados Unidos. Lá, uma equipe de bioengenharia estudou pequenas larvas marinhas capazes de construir uma espécie de castelo extremamente resistente em pedras e penhascos. Os cientistas identificaram que os pequenos animais utilizam a areia do mar e restos de concha com uma substância hidrófoba — repelente à água — , excretada por eles mesmos. Dessa forma, eles constroem estruturas firmes, semelhantes ao concreto, mesmo em ambiente aquático ou subaquático.
“O grupo de Harvard também teve interesse nesse tipo de estrutura, além de observar o comportamento da lesma que solta uma substância viscosa capaz de prendê-la e deslizá-la por paredes mesmo molhadas”, diz. Os pesquisadores imaginaram uma forma de usar esses mecanismos e aplicá-los na cirurgia cardiovascular, principalmente na do tipo minimamente invasivo. “Outra coisa interessante foi que, ao analisar o coração dos porcos, eles viram uma interação entre o produto e as células do órgão, como se fossem conexões entre o fibroblastos e a cola”, acrescenta Poffo.
Segundo o cirurgião do Instituto Nacional de Cardiologia Andrey Monteiro, a principal busca na área é por uma cola que pare qualquer tipo de sangramento, uma das principais complicações agudas em traumas e cirurgias cardíacas. Há, inclusive, muito incentivo de pesquisa nesse sentido porque o campo de utilização para o produto é amplo. “Imagine que, no meio de uma guerra, a pessoa leve um tiro. Como você vai conter esse sangramento?”, exemplifica.
Utilizar uma cola que estanque o sangramento instantaneamente e por completo seria a solução perfeita, mas, na opinião de Monteiro, ainda é um processo em evolução e que está longe de ser aplicado. “As opções de hoje estão melhores do que as de alguns anos atrás. Mas as colas disponíveis são usadas apenas para a prevenção do sangramento ou a tentativa de diminuição da hemorragia”, compara.
No armário da cozinha
A aposentada Joana Woitas ficou famosa em 1997 ao ter uma hemorragia estancada pelo uso da cola doméstica conhecida como Super Bonder. A façanha foi do cirurgião cardiovascular Francisco Gregori Júnior, do Hospital Evangélico de Londrina, no Paraná. Em 21 de março, Joana deu entrada no centro cirúrgico apresentando um quadro de infarto do miocárdio. Os médicos não conseguiram controlar uma hemorragia do orifício do ventrículo esquerdo do coração da paciente. Depois de tentar diversas formas de sutura, Gregori Júnior teve a ideia de usar o produto caseiro, que foi comprado no posto de gasolina mais próximo. O procedimento foi muito bem-sucedido e Joana viveu por mais 14 anos.