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“Meu filho tem uma empresa e quatro filhos para cuidar. Você acha que eu vou pedir alguma coisa a ele?”, afirma, categórica. A família, no entanto, vive por perto. Os retratos dos dois filhos, oito netos e da primeira bisnetinha, de 1 ano, que dona Neuza exibe com orgulho, ocupam álbuns de fotografia e porta-retratos por toda a casa.
O apartamento em que mora hoje, na verdade, pertencia ao filho mais velho. Com a morte do pai, a família decidiu que seria mais confortável para Neuza se ela trocasse a antiga morada, maior e cheia de lembranças, por uma menor e mais aconchegante. Dona Neuza se instalou no apartamento do filho, e ele foi para um na Asa Norte, perto o suficiente para matar a saudade sempre que necessário, mas longe o suficiente para que cada um preservasse o seu espaço. “Não me senti sozinha com tudo o que aconteceu, até porque meu filho assumiu muito o lugar do pai depois da morte dele. Hoje, é ele quem cuida de mim.”
Mas só de vez em quando, porque na maior parte do tempo é a própria dona Neuza quem dá conta da sua rotina cheia de atividades. Aos 74 anos, ela é, como costuma dizer, uma “refém do carro”. É ele quem a leva e traz dos compromissos nas casas de caridade em que trabalha duas vezes por semana — hábito que mantém desde os tempos em que se mudou do Rio de Janeiro para Brasília, em 1977 — e nos encontros com as amigas durante a semana ou nas visitas aos médicos para cuidar dos exames periódicos de saúde. Uma vez ao ano, religiosamente, a aposentada se submete a um checape para se certificar de que tudo continua em ordem. E, até agora, vai tudo muito bem. “Peço a Deus que me dê muita saúde para que eu consiga continuar me virando”, torce.
Mas, se a família não precisa se preocupar com a saúde de dona Neuza, é ela quem se preocupa com a dos familiares. A aposentada deixou no Rio uma irmã, dois anos mais velha, que hoje também mora sozinha, em Saquarema, interior do estado, e não tem a mesma atenção com a saúde. “Ela tem pressão alta e, se eu ligo e ela não atende, quase morro de preocupação, mas ela também se recusa a ir morar com qualquer pessoa”, continua.
Teimosia que Neuza não pretende ter no futuro, se um dia precisar de atenção e cuidados extras. Embora ainda desnecessária, a preocupação com o que pode vir pela frente existe — e longe de tabus e preconceitos. “Eu vejo algumas das minhas amigas, já mais velhas, ficando dependentes, e começo a fazer minha cabeça. Se um dia precisar, devo colocar uma cuidadora no quarto de hóspedes”, planeja. “Iria também para uma casa de repouso. Mas não qualquer casa! Uma boa casa”, finaliza, com humor.
Uma cidadã do mundo
Aos 84 anos, Carolina Castello Branco tem mais carimbos no passaporte que a maioria das pessoas que se julgam viajantes assíduas. Pelo menos uma vez por ano, sai pelo mundo rumo a um novo destino com um grupo de amigas de uma agência de viagens para a terceira idade. Só nos últimos anos, Carol, como é chamada pelos amigos, esteve na Itália, nos Estados Unidos, na Rússia, na França, na Turquia e na Escandinávia. Fora os destinos em terras brasileiras: de vez em quando, visita os familiares em São Luís, no Maranhão, terra natal, ou a sobrinha em Salvador. No aniversário de 80 anos, um mapa múndi com os dizeres “Os caminhos por onde andei” e alfinetes por todos os lugares por onde já havia pisado enfeitavam a parede.
Uma vida social tão intensa mal permite que Carol aprecie a liberdade e a privacidade que tem em casa, tão poucos são os dias que fica em Brasília. “Já cuidei dos meus filhos. Agora, vou fazer o que eu quiser!”, diz, sorridente. Desde que ficou viúva, aos 49 anos, a aposentada vive sozinha no apartamento que antes dividia com a família, na Asa Sul. Está lá desde 1963, quando Brasília ainda se desenhava como cidade. Viu os três filhos crescerem, se casarem e deixarem seus quartos vazios e o marido se despedir precocemente da vida. Nada disso a fez procurar por outro lar, menor ou com menos lembranças. Muito menos significa que sua vida tenha se tornado solitária. Os netos — são oito — lhe fazem companhia nas tardes depois do colégio. Além disso, todos os filhos têm uma cópia da chave. Livre acesso à casa de toda a vida.
Como nunca foi muito de dirigir, Carol se vira como pode. Andar, ela diz, faz bem para sua pressão alta. “Já estou acostumada com a vizinhança. Vou ao supermercado, ao banco, à hidroginástica, tudo a pé”, conta. De fato, os vizinhos estão acostumados a ver os cabelos vermelhos de Carolina passeando pelas redondezas. E, enquanto a saúde lhe permite — e ela faz questão de dizer que cuida muito bem dela —, as caminhadas, pela quadra ou pelo mundo, não devem parar tão cedo. “Eu não penso nesse negócio de doença, de velhice. Gosto de pensar positivo. Daqui dessa casa agora, eu só saio para o cemitério”, ri.