O médico Rodrigo Nunes Lamounier, doutor em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor clínico do Centro de Diabetes de Belo Horizonte, destaca que, além de novas formas de monitoração da glicose, a própria formulação da insulina foi sendo modificada ao longo do tempo para facilitar o tratamento do diabetes. Considerada uma das decobertas mais importantes da medicina do século XX, ao lado da penicilina, seu desenvolvimento está longe de chegar ao fim. “Em 2014, estamos esperando a chegada ao mercado brasileiro de novas substâncias com perfil de longa ação, que diminuem drasticamente o risco de hipoglicemia”, explica Rodrigo.
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A monitoração também passou por fases bem ‘rústicas’. Não muito longe, ali nos anos 80, as fitas precisavam ser inseridas na urina para apresentarem um resultado nem sempre confiável. A hipoglicemia não pode ser verificada dessa maneira e mesmo a hiperglicemia não era apontada de forma precisa.
As bombas de insulina, que hoje são acopladas aos monitores contínuos de glicose, parecem recentes, mas já passaram por 20 anos de evolução tecnológica. Hoje elas são menores, discretas e práticas. E representam uma grande evolução em relação ao tratamento tradicional.
No sistema que ainda é o mais comum, com as canetas e seringas de insulina, geralmente são aplicadas, em média, quatro doses ao longo do dia. Só que essa injeção de ação prolongada pode não corresponder às variações e necessidades do corpo durante o dia. No caso da bomba, o sensor é inserido por meio de um catéter na região abdominal e se comunica a um dispositivo computadorizado do tamanho de um smartphone, que tenta ‘imitar’ o funcionamento do pâncreas. Para isso, ela deve ser programada de acordo com a necessidade de cada pessoa, para que as doses sejam liberadas de acordo com o relógico biológico e o perfil de cada um, a exemplo da alimentação e da carga de atividade física.
O aparelho fornece insulina de duas maneiras. A primeira é a liberação contínua, que mantém a glicose no sangue estável entre as refeições e durante o sono; e uma dose maior comandada pelo usuário, quando ele percebe que a glicemia está muito elevada, ou mesmo antes das refeições, para compensar determinados alimentos.
Entretanto, a bomba exige, da mesma maneira que o tratamento tradicional, um compromisso com a verificação de glicose no sangue ao longo do dia; a disciplina na contagem de carboidratos e o ajuste das doses com base nos níveis de glicose no sangue, na quantidade ingerida de carboidratos e na atividade física. Tudo isso depende da pessoa com diabetes. Com orientação médica, é claro, mas no fim da cadeia é ela que vai tomar as decisões cotidianas.
Por isso, uma das grandes esperanças para o futuro próximo do tratamento de diabetes é o pâncreas artificial. Embora de funcionamento semelhante ao da bomba de insulina, o aparelho, também de uso externo, será capaz de realizar os cálculos e liberar a dose automaticamente, sem a necessidade de intervenção do usuário. Segundo Lamounier, já há exemplos bem sucedidos, principalmente para funcionar durante a noite, e seguem os estudos para o funcionamento pleno com o indivíduo acordado.
Em setembro deste ano, a Administração de Remédios e Alimentos (FDA) dos Estados Unidos aprovou o uso da primeira bomba do tipo. Chamado MiniMed, o aparelho produzido pela companhia Medtronic inclui um sensor que envia um alerta se os níveis estão muito baixos e, se a pessoa está dormindo, inconsciente ou incapaz de reagir, a bomba desliga durante duas horas. Um sistema similar já teve o uso aprovado na Europa. O MiniMed foi aprovado para uso em pessoas portadoras de diabetes maiores de 16 anos, embora os próximos estudos possam permitir o uso a partir dos 2 anos de idade.
Pessoas diferentes precisam de métodos diferentes
O médico desfaz um mito comum entre as pessoas que recebem o diagnóstico do diabetes: se você tem que aplicar muitas doses de insulina ao longo do dia, é porque sua doença é mais grave. “Não é. Na verdade, a doença estará muito mais bem tratada com a aplicação de vária doses precisas ao longo do dia”, esclarece o especialista.
O endocrinologista lembra que a incorporação da tecnologia ao cotidiano da pessoa com diabetes vai depender do perfil, dos hábitos de vida, da idade, e também do momento de vida em que a pessoa está – se pretende engravidar, se viaja muito, por exemplo - e outras questões de saúde enfrentadas por ela. “Existem bombas – ainda não no Brasil, mas isso é questão de tempo – que permitem até a prática de natação sem a necessidade de retirar o aparelho. Outros modelos permitem o acionamento por controle remoto, ou seja, sem a necessidade de levantar a camisa para apertar o botão. O ajuste do dispositivo para cada paciente é praticamente artesanal, individualizado, mas a alma central desse processo continua sendo o processo de educação e capacitação da pessoa”, destaca Lamounier.
Para Lamounier, outra evolução em curso na incorporação da tecnologia no tratamento do diabetes é a ampliação do acesso. A barreira do custo ainda existe, principalmente nos países emergentes, mas existe também a barreira da informação. “Aos poucos a tecnologia pode ser incoporada por todos. Enquanto em muitos países as canetas são utilizadas por cerca de 80% das pessoas com diabetes, no Brasil o método mais comum ainda é o frasco e a seringa. Entretanto, é possível a aquisição da caneta por meio do Programa Farmácia Popular, mas muitos não sabem disso ou enfrentam dificuldades com a reposição do estoque”, explica Lamounier. A esperança é que, com a evolução contínua, alguns métodos possam se tornar mais baratos e acessíveis.
Três em cada dez brasileiros têm smartphones
Mas a matéria não era sobre tratamento de diabetes? Sim, e a informação acima tem tudo a ver com a nossa conversa – a tecnologia que traz mais qualidade de vida para quem tem a doença metabólica. Existem hoje vários aplicativos para a ‘gestão da glicemia’, que facilitam a contagem de carboidratos e o registro das taxas de glicemia. Esses aplicativos tornam mais fácil o processo de compreensão e interpretação das variações da glicose. “Se a pessoa tiver ferramentas que facilitem esse registro, mais disciplinada ela será, mais informações serão passadas ao médico e melhor será o controle do diabetes”, explica Rodrigo Lamounier.
Entre os aplicativos recomendados pelo médico, existem dois em português:
-O Gliconline, que oferece controle glicêmico; cálculo de calorias, carboidratos, gorduras e proteínas; lembrete de medicamentos e cálculo de doses de insulina. Disponível para Apple iOS e Android, é um app pago: custa R$53,03.
-O Glicocare, que oferece diário glicêmico e diário alimentar, além de lembretes de medicamentos, diário da atividade física e anotações. Além de disponível para Apple iOS e Android, é gratuito.
E há ainda várias opções gratuitas em inglês, como o Glucose Buddy, que permite registrar, além das taxas glicêmicas, o peso, a pressão arterial e montar gráficos para visualizar melhor o comportamento das taxas. O site Healthline.com, um dos mais populares nos Estados Unidos, listou os 13 melhores aplicativos para controle do diabetes de 2013. Clique aqui para conferir a lista: www.healthline.com
E vem mais novidade por aí
Em fevereiro de 2014, será realizada a 7ª Conferência Internacional de Tecnologias Avançadas e Tratamento para Diabetes. Rodrigo Lamounier representará Minas Gerais no evento com dois trabalhos, sendo o primeiro sobre monitoração contínua de glicose e seus efeitos na redução de episódios ‘surpresa’ de hipoglicemia; e o segundo sobre uma experiência única do mundo – o monitoramento de 67 atletas com diabetes em corrida de longa distância – no caso, a Volta da Pampulha, com 18 quilômetros de extensão. “É o maior estudo desse tipo do mundo”, afirma o especialista.
O estudo avalia o efeito da variabilidade da glicose em atletas com diabetes durante a corrida, comparando o sensor de monitoramento contínuo com a glicemia capilar. A análise aconteceu dentro do Projeto Volta Monitorada de Belo Horizonte, ação pioneira e gratuita lançada em 2009 e que busca a inserção de pessoas com diabetes no ambiente esportivo. “Nosso principal objetivo é aumentar a saúde e diminuir os preconceitos”, afirma Lamounier, idealizador da ação.
Para este trabalho, foi feita uma comparação entre atletas que mediram sua glicemia de forma contínua – a monitoração contínua é feita no interstício das células – e atletas que utilizaram a glicemia capilar, ou seja, colheram a gotinha de sangue na ponta do dedo. “Podemos dizer que são compartimentos biológicos diferentes, e conseguimos comprovar que a atividade física intensa tem efeito nessa relação. Entretanto, este efeito não é suficiente para induzir um erro grave no tratamento”, explica o endocrinologista.