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Os resultados foram publicados na revista científica The Lancet Diabetes & Endocrinology, desafiando o conhecimento atual sobre o papel da vitamina D na prevenção de doenças não esqueléticas. A substância ficou famosa no meio científico e entre pacientes quando houve a comprovação, há algumas décadas, da influência que exerce sobre a saúde óssea e a absorção do cálcio. O achado abriu as portas para uma observação constante da ação da vitamina no organismo, possibilitando associações livres entre o alto nível do composto e a reduzida incidência de uma gama de doenças não necessariamente ligadas ao tecido ósseo.
Entre as centenas de trabalhos analisados pelo time de cientistas, 290 são do tipo observacional. Nesses, os benefícios da alta concentração de vitamina D apontados incluem redução do risco de eventos cardiovasculares (até 58%), de diabetes (até 38%) e de câncer do colorretal (até 34%). Conclusões que não puderam ser confirmadas nos ensaios clínicos com a efetiva suplementação. Ao reunir estudos que testam o efeito de prevenção em população com deficiência da substância, os pesquisadores se surpreenderam. A grande maioria dos 172 ensaios clínicos que examinaram os efeitos da suplementação de vitamina D não confirmou o resultado dos primeiros trabalhos avaliados.
Na verdade, a meta-análise não conseguiu identificar qualquer efeito ao se elevar as concentrações da vitamina D com a suplementação para a incidência, a gravidade ou a evolução clínica dessas doenças. “Se os benefícios mostrados por dados de estudos observacionais não são reproduzíveis em estudos randomizados — o método padrão ouro para a avaliação de uma relação causal entre a exposição e um resultado —, então, a ligação entre o nível de vitamina D e os distúrbios são provavelmente resultado de confusão fisiológica”, pressupõe o principal autor do artigo, Philippe Autier.
Fruto de inflamações
Autier levanta a hipótese de que os baixos índices do composto podem ser resultado de processos inflamatórios envolvidos na ocorrência e na progressão da doença. “Uma exceção seria leves ganhos na sobrevivência após a restauração dos deficits de vitamina D devido a mudanças de estilo de vida induzidas pelo envelhecimento e por problemas de saúde.” Segundo Autier, cinco ensaios em andamento que envolvem milhares de pacientes com pelo menos 50 anos testam se a suplementação (de 40mg a 80 mg por dia) pode reduzir o risco de câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, infecções, fraturas e o declínio das funções cognitivas. “Os primeiros resultados não são esperados antes de 2017, mas esses estudos têm o potencial para testar as nossas hipóteses”, considera.
Para o médico nutrólogo da Associação Brasileira de Nutrologia Guilherme Giorelli, as pesquisas observacionais trouxeram duas questões: “Por ter vitamina D alta, essas pessoas teriam menos doenças? E, se a taxa de vitamina D for reposta nessas pessoas, as doenças seriam evitadas?”. “As dúvidas ainda não existem, mas o mercado não aguardou (a solução delas). Se pesquisarmos o mercado de vitamina D, somente nos Estados Unidos, ele saiu de US$ 50 milhões há 10 anos para US$ 800 milhões”, observa. Giorelli acredita que esse aumento indica que muita pessoas estão utilizando a suplementação possivelmente sem controle e acompanhamento médico. “Ter um nível muito acentuado da vitamina pode levar a problemas renais e no fígado”, alerta.
Vá pelo sol
Os pesquisadores, porém, chamam a atenção para o fato de que é preciso ficar bem claro que os benefícios da vitamina D no sistema musculoesquelético são comprovados. A substância tem uma ação direta no tecido ósseo, produzindo e estimulando uma série de sínteses protéicas e de transformações nos ossos. Ela também aumenta a absorção intestinal do cálcio, levando a um maior aproveitamento do cálcio alimentar. Isso quer dizer que os ossos ficam mais fortes em indivíduos com níveis normais. Já quem tem deficiência do composto pode ser acometido por doenças graves na infância, como o raquitismo, e na fase adulta, a osteomalácia.
Para a endocrinologista Marise Lazaretti, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), o trabalho de Autier questiona vários estudos que foram feitos por associação. Ela argumenta que esses resultados revistos não necessariamente significam casualidade. “O indivíduo doente provavelmente se expõe menos ao sol e, portanto, vai ter menos vitamina D. Além disso, como se trata de uma vitamina solúvel em gordura, indivíduos obesos apresentam níveis sanguíneos mais baixos”, avalia.
Lazaretti observa que, ao analisar estudos que fizeram o processo inverso — dar a suplementação para diminuir a incidência de doenças —, a maioria não conseguiu comprovar o resultado esperado. “No Brasil, estamos vivendo uma grande deficiência na população justamente porque a ideia de que o sol faz mal foi incorporada a nossa cultura sem que o risco da deficiência de vitamina D fosse alertado. Tudo bem se a pessoa não quer tomar sol por medo do envelhecimento cutâneo ou do risco de câncer de pele, mas ela tem que saber que vai ser deficiente e que precisará de suplementação.”
Para a endocrinologista, o composto pode ser visto como um indicador de boa saúde, já que a mortalidade em pessoas com níveis normais de vitamina D é menor, assim como a associação com diversas enfermidades. “Não que ela seja necessariamente a causa dessas doenças, mas é um marcador, por significar sol, vida ao ar livre, talvez, atividade física e hábitos mais saudáveis.”