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Segundo o infectologista e imunologista Esper Kallás, do Hospital Sírio-Libanês, assim que os primeiros casos da doença foram identificados, as vítimas chamaram a atenção por algumas características em comum. “A primeira delas é que a grande maioria era homem homossexual com doenças infecciosas características de pessoas que tinham deficiências graves no sistema de defesa, mas que eram previamente saudáveis”, descreve. A busca por essas convergências entre os diagnosticados com a misteriosa doença foi intensa até a descoberta de que havia um defeito na resposta imune celular desses pacientes. “Viram que uma célula do sistema de defesa conhecida como linfócito T CD4 estava muito baixa. Com essas características comuns, passaram a definir uma síndrome.”
O termo é usado para um conjunto de sinais e sintomas agrupados em torno de uma doença. “Chamaram de síndrome de imunodeficiência adquirida porque todas essas pessoas não tinham no passado qualquer histórico que evidenciasse essa deficiência no sistema de defesa”, explica Kallás. Pouco antes, em 1982, o problema foi temporariamente chamado de doença dos 5 H porque era diagnosticada em homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários de heroína injetável) e hookers (nome em inglês dado aos profissionais do sexo).
HIV se espalha
Em um ano, porém, uma epidemia heterossexual foi descrita na África Central, vitimando preferencialmente as mulheres. “Mal sabíamos na época que esse pequeno número de casos eclodiria em dezenas de milhões, resultando em uma das maiores pandemias dos tempos modernos”, mensura Peter Piot, ex-diretor executivo do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) e atual diretor da London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido. Em 1984, o início de uma disputa entre pesquisadores franceses e norte-americanos revelou, pela primeira vez, o agente causador do mal (veja Para saber mais). O retrovírus mais tarde chamado de vírus da imunodeficiência humana (HIV) foi identificado em testes de diagnóstico da Aids implementados para proteger o fornecimento de sangue e apontar as pessoas infectadas.
“Foram adotadas medidas adicionais de prevenção, incluindo programas de redução de risco, aconselhamento e testagem, distribuição de preservativos e programas de troca de agulhas. No entanto, o HIV continuou a se espalhar, contaminando 10 milhões de pessoas na primeira década após a identificação dele”, narra Piot. A década seguinte foi marcada pela intensificação da epidemia em diversas áreas do mundo, como o cone sul africano, que inclui África do Sul, Angola, Moçambique, entre outras nações. Todos viram uma epidemia explosiva da infecção pelo HIV. Países da Ásia e da União Soviética também relataram um aumento expressivo da propagação do vírus.
Na década de 1990, áreas foram quase dizimadas com drásticas quedas nas taxas de expectativa de vida. “Se antes chegavam aos 60 anos de idade ou mais, de repente, esse índice foi reduzido para 30”, estima o médico Edgar Hamann, professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB). Segundo ele, muitos países, como Burundi, Malawi e Zimbábue, perderam boa parte da população. Alguns tiveram mais de 30% dos habitantes infectados. “Era uma situação limite. O vírus atingiu as nações em ondas e o Brasil foi afetado logo na primeira delas com os Estados Unidos e países da Europa.”
Surge o coquetel
A corrida por uma terapia eficaz, capaz de frear essa avalanche acelerada de infectados, movimentou centenas de milhões de dólares, investidos na pesquisa científica e no desenvolvimento de medicamentos. No entanto, somente em 1996, a ciência apresentou uma resposta efetiva ao devastador inimigo. Sob a abreviação de HAART (em inglês) e a alcunha, no Brasil, de coquetel, a terapia antirretroviral altamente ativa impactou a qualidade de vida e aumentou o tempo de sobrevivência dos pacientes. O sucesso está na associação de um novo medicamento à época, o inibidor de protease. Nos poucos anos que se seguiram, foi possível notar uma queda significativa nos óbitos por Aids no mundo. Se em 1996 foram mais de 15 mil mortes no Brasil, já no ano seguinte, o índice caiu para 12.078 e para 10.770 em 1998.
“Isso mudou a história da epidemia. Em vez de ser uma enfermidade que matava todo mundo, passou a ser uma doença controlada com os remédios”, define Kallás. Segundo o infectologista, hoje, nos casos dos pacientes que fazem o tratamento adequado e seguem as orientações médicas, a Aids pode ser considerada um mal crônico controlável. “Mas, nos parâmetros de saúde pública, estamos longe de ter a doença sob controle porque tem muita gente ainda que não tem acesso ao remédio e que não o toma direito.” Para Kallás, apesar dos esforços, ainda é alto e crescente o número de óbitos por Aids no Brasil. De acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, foram 12.044 mortes pela doença em 2011. A taxa está entre as 10 mais altas desde o primeiro caso no país, em 1980.
Exército de defesa
Os linfócitos T ou células T pertencem a um grupo de glóbulos brancos do sangue e são os principais atores da imunidade. Contêm o receptor de células T que lhes permite uma grande variedade de reconhecimento a antígenos. Há vários subgrupos, entre eles os CD4+, que coordena a defesa imunológica contra micro-organismos principalmente pela produção e pela liberação de substâncias chamadas citocinas. Na Aids, a destruição do CD4+ pelo vírus HIV dá início à deficiência imunológica.
Disputa acadêmica
A autoria da descoberta do HIV é cercada de controvérsias entre dois grupos de cientistas. De um lado, o de Luc Montagnier, do Instituto Pasteur, na França; e, do outro, o de Robert Gallo, do National Cancer Institute, nos EUA. Ao surgirem os primeiros casos de Aids em São Francisco e Nova York, Gallo suspeitou que um retrovírus fosse o responsável pela infecção, mesma opinião de Montagnier. Os dois chegaram a trocar amostras dos experimentos. Gallo anunciou, em abril de 1984, que havia descoberto o vírus causador da Aids, que seria diferente do identificado pelos pesquisadores franceses. Depois, soube-se que Gallo trabalhava com uma amostra contaminada no laboratório de Montagnier, e, só anos depois, as duas instituições concordaram em dividir o mérito da descoberta. Ainda assim, o Prêmio Nobel de Medicina de 2008 foi dado aos cientistas franceses Luc Montagnier e Françoise Barre-Sinoussi pela descoberta do HIV.