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Filho de pai militar e de mãe servidora federal, Tadeu é um exemplo de força de vontade. A paralisia parcial comprometeu o seu crescimento: a perna esquerda cresceu menos que a direita. Foram 10 anos seguidos de fisioterapia. Ecoterapia e 15 cirurgias também fazem parte da trajetória do jovem estudante. “Sempre fui uma pessoa ativa, nunca deixei de praticar meus esportes. Eu fazia a cirurgia, parava e depois voltava a jogar bola”, diz.
Paralelas ao tratamento estavam as mudanças de cidade em decorrência da carreira do patriarca da família. Independentemente do endereço, Tadeu acompanhou a satisfação dos pais, corredores, em praticar atividades físicas. Isso fez com que ele começasse a questionar a própria capacidade. “Foi aí que decidi correr também. Meu pai me apresentou ao pessoal do Corredores do Distrito Federal e, agora, corremos todo fim de semana. Só neste ano eu já fiz 31 corridas”, orgulha-se.
A força de vontade, o apoio familiar e a autoconfiança fazem com que Tadeu encare sua condição com “naturalidade”. “Toda essa situação foi extremamente positiva para mim e para a minha família. É um aprendizado diário de que problemas graves têm, sim, solução. Eu deixo de reclamar de muita coisa porque sei o que eu passei”, garante. Para ele, é uma simples questão de encarar as adversidades da vida, sem se sentir diminuído ou desfavorecido. “Eu nunca fui tratado como um deficiente físico. Meus pais sempre fizeram questão de me tratar como o meu irmão.”
Segundo o psicólogo Luiz Eduardo Peri Andrade, o apoio e o modo como a família trata a pessoa que tem a vida modificada por uma situação inesperada são fundamentais para uma eventual superação. “Existe uma necessidade eminente de que a pessoa que tenha passado por um trauma como esse possa contar com apoios e confiar nos outros”, diz. “O bem-estar e o convívio saudável entre quem sofreu o trauma e seus responsáveis são praticamente necessários para que uma pessoa supere suas limitações”, analisa.
Vitórias
Aos 15 anos, a vida de Guilherme Marcião da Costa, hoje com 23, mudou completamente. Ele atravessava a avenida que corta o Parque da Cidade quando foi atingido por um carro em alta velocidade. Não se lembra do acidente, mas, de acordo com a perícia, estava cruzando a faixa de pedestres na hora do impacto. A partir daí, passou seis meses sem sair do hospital. Quando teve alta, foi encaminhado ao Hospital Sarah para a reabilitação. Guilherme ficou tetraplégico. “A ficha foi caindo devagarinho. Até que chegou um dia em que eu acordei e entendi tudo que estava acontecendo. Consegui compreender graças à minha base familiar, que é muito sólida. Três coisas me ajudaram muito: Deus, a minha família, a consanguínea e os amigos, e a vontade de melhorar”, conta.
O Sarah oferece, dentro do processo de reabilitação, atividades que facilitam a inclusão dos pacientes na sociedade. Uma delas, para a qual Guilherme foi apresentado, é o tênis de mesa. Ali, praticando esportes e tendo todo o apoio possível, ele foi se encontrando. Dois anos depois, teve alta do hospital e foi explorar o potencial como atleta. Entrou na equipe de treinamento da seleção paralímpica. Desde então, já foi bicampeão brasileiro adulto, campeão pan-americano juvenil, conquistou medalha em diversos campeonatos nas américas e na Europa, e planeja representar o Brasil na Paralimpíada do Rio de 2016.
“Hoje, eu já olho para trás e agradeço por tudo que aconteceu. É como uma frase de uma música de que eu gosto muito: fortes são aqueles que transformam em luz o que é escuridão. Isso é o que eu tento fazer todo dia, transformar isso tudo em coisa boa”, afirma.
Guilherme diz ter mudado muito o jeito de pensar, as atitudes e as ações. O acidente, segundo ele, o tornou mais forte. “Não que eu queria que isso tudo tivesse acontecido, mas aconteceu. E eu me tornei uma pessoa muito melhor depois do acidente, então, não tem por que não agradecer”, diz. Ele carrega o aprendizado e as lembranças daquilo que mudou a sua vida, sempre com fé e confiança de que, no fim, ficará tudo bem. “Eu aprendi tanta coisa: paciência, uma força interna que eu não sabia que tinha, o foco em entender que é um dia de cada vez, um passo de cada vez. É muito melhor dar passos curtos, porém firmes, do que acabar tropeçando”, ensina.
Disputas adaptadas
No caso dos campeonatos esportivos como a Paralimpíadas, as deficiências são divididas em classe, que variam de acordo com a modalidade, para que as competições ocorram de maneira justa. No caso do tênis de mesa, podem participar atletas do sexo masculino e do feminino com paralisia cerebral, amputados e cadeirantes. Os jogos podem ser individuais, em duplas ou por equipes. O Brasil é representados por atletas dessa modalidade desde 1996, em Atlanta, nos Estados Unidos.
Lutando também contra o preconceito
A sobreposição de surpresas pode tornar a superação ainda mais complicada, mas não impossível. Basta ver Isis, 35 anos, e Victória Dantas, 15, juntas. Uma gravidez na juventude, apesar de muito desejada, acabou exigindo mais do que Isis esperava. Victória nasceu quando ela tinha 19 anos. O pai era ainda mais novo. Passados seis meses do nascimento, a mãe começou a desconfiar que havia algo errado com a bebê. Dois meses depois, se separou do então companheiro. “Quando ela fez 1 ano, consegui que fosse atendida pelo Hospital Sarah, onde constataram um afrouxamento dos ligamentos. Era como se ela fosse adaptada para ser contorcionista”, explica.
Após um longo acompanhamento e vários questionamentos aos laudos apresentados, Isis conseguiu que os médicos encontrassem o problema de Victória. A criança sofria de uma deficiência cognitiva, que demandaria cuidado e atenção até então impensados por Isis. “Era tudo muito complexo porque eu tinha que conciliar minha vida com as dificuldades que estavam aparecendo. Eu parei de estudar, mas, depois, consegui voltar. Mesmo assim, até hoje, ela depende completamente de mim.”
Victória tem 15 anos e consegue se comunicar somente com a mãe e uma cuidadora que a acompanha desde bebê. “Ela me ensinou a ser uma pessoa melhor. Às vezes, a gente olha e julga o diferente sem analisar. Eu amadureci muito. E eu aprendo muito mais, todo dia”, diz, emocionada. “Eu queria muito ser mãe, mas o difícil não é a deficiência, são as pessoas, o preconceito. Porque você sai e as pessoas apontam, olham quando ela fala de um jeito diferente. Mas a gente tem que ser forte. Muitas vezes, tive de engolir o choro e seguir”, diz. A filha também não parou diante das dificuldade. “A Victória sai, almoça fora. Ela tem as coisas que as outras meninas têm, convive socialmente.”
O psicoterapeuta Flávio Couto, professor da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, considera o preconceito como a principal barreira entre as pessoas com deficiência e a sociedade. Para ele, uma sociedade em que o respeito pelo diferente é mútuo e generalizado contribui para uma melhoria de vida não só daqueles que precisam de cuidados especiais. “O preconceito fere até aquele que não entende o que está acontecendo. A rejeição é, por natureza, motivo para o ostracismo. E, quanto mais enrustido, quanto mais sozinho o indivíduo, mais difícil se torna o convívio social. E ninguém é capaz de viver, no mundo de hoje, fora de uma sociedade”, analisa.
A ciência comprova
Uma pesquisa realizada na Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) comprovou a importância de fatores além das questões médicas para a superação de problemas de saúde. Ao entrevistar 10 mulheres que foram curadas de um câncer de mama, a psicóloga Mariana Forgerini concluiu que a família, os amigos, a fé e o trabalho as ajudaram a enfrentar a situação inesperada.
Bom humor, envolvimento afetivo, amadurecimento, coragem, solidariedade e flexibilidade foram alguns dos sinais de resiliência detectados pela pesquisadora. Forgerini percebeu ainda que o apoio dos profissionais de saúde, o atendimento psicológico e/ou psiquiátrico e a convivência com pacientes com outros tipos de câncer dentro do hospital também ajudaram nesse processo de recuperação.
A ausência de pensamentos que tratam os tumores como punição por atitudes tomadas pela paciente também facilitou o processo, segundo Forgerini. “São crendices como a ideia de que o câncer é um castigo divino, consequência de traumas e da recusa em amamentar. O grupo estudado mostrou que não ter esses pensamentos só ajuda na recuperação.” As mulheres tinham entre 53 e 78 anos e estavam livres da doença há pelo menos cinco anos.