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Um dos pesquisadores responsáveis pelo experimento é Dana Nau, professor do Instituto de Sistemas de Computação da Universidade de Maryland, que contou com a parceria de Michele Gelfand, professora de psicologia da instituição. Ele explica que o trabalho dos dois começou com dúvidas e hipóteses sociais e psicológicas levantadas por Gelfand sobre comportamento de evolução e um conceito famoso na psicologia, a punição de terceiros. Esse castigo é diferente do realizado pela polícia e pelos tribunais, que dão penas oficiais a criminosos. Nesse caso, é algo informal, feito com base na decisão de um indivíduo para corrigir um erro percebido.
Para estudar esse conceito, os pesquisadores criaram um jogo de computador baseado em um modelo abstrato de situações em que um indivíduo precisava decidir se punia pessoalmente um terceiro e se laços sociais interfeririam nessa penalidade. “Nós não estudamos especificamente o que acontece quando o punidor conhece o indivíduo que se comporta mal. Em vez disso, temos um modelo da intensidade dos laços sociais — o que é relacionado, mas mais geral. Por exemplo, você mora em uma cidade grande ou em uma cidade pequena, onde a maioria das pessoas tem proximidade? Isso pode fazer diferença”, explica Nau.
O jogo foi desenvolvido por alunos de Nau e teve como base a teoria dos jogos evolucionários, conceito utilizado na matemática há vários anos. “Ele foi originalmente desenvolvido por biólogos evolutivos para estudar as interações entre diferentes tipos de animais, mas também pode ser usado para estudar o comportamento de pessoas em diferentes culturas, que foi o que fizemos”, diz o professor de ciência da computação.
O modelo matemático incorporou as hipóteses de Gelfand. Nele, os voluntários interagiam em um jogo de cooperação e tinham opções de punir participantes que não cooperavam nas tarefas propostas. Parte dos julgados pelos jogadores eram vizinhos, e outra parte, desconhecidos. Os pesquisadores comprovaram a suspeita inicial: perceberam que os vizinhos receberam penas mais brandas. “Os resultados sugerem que, quando você não tem laços, mora, por exemplo, em uma cidade grande em que não tem contato com vizinhos, são maiores as chances de punir alguém que se comporta de uma maneira que considera errada”, destaca Nau.
Pela comunidade
Para os pesquisadores, os resultados refletem que, ao abrandar a pena de conhecidos, os vizinhos estariam prezando pelo bem do grupo, e que essa reação não seria observada em populações com fracos laços sociais ou alta mobilidade. Segundo Cláudia Basso, psicóloga e doutoranda em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o estudo reflete um senso de comunidade. “Em trabalhos com grupos sociais, vínculos ou laços sociais são pesquisados e revelam que, quanto mais coesos forem, permeados por comportamentos éticos, com valores morais, de solidariedade e cooperação, há mais comportamentos de cidadania e lealdade”, declara.
Basso também acredita que essa punição abrandada reflete o desejo de manter uma situação e um ambiente agradável para a comunidade em que o julgador vive. “Em todo e qualquer laço social grupal, normas e regras devem ser estabelecidas visando a harmonização e a boa convivência. No entanto, quando elas não são cumpridas, geralmente aplicam-se punições”, explica. Mas a psicóloga também frisa que a punição pode ter resultados negativos. “Ela busca diminuir a probabilidade de o comportamento ocorrer novamente, mas pode acuar uma pessoa ou deixá-la agressiva. Temos que refletir sobre esse ponto também”, complementa.
Para Basso, estudos como o de Maryland podem ter reflexos nas relações profissionais. “Compreender como os laços sociais se estabelecem e de que modo constituem os indivíduos é importante para entendermos o comportamento de grupos, por exemplo, em ambientes organizacionais, buscando que normas e regras sejam cumpridas, evitando a punição, já que ela pode ser eficaz em algumas situações, mas também provocar efeitos colaterais indesejáveis, como ansiedade, agressividade e desmotivação”, destaca.
Gilson Pinheiro, professor do Centro Universitário Iesb de Brasília, acredita que o estudo instiga discussões sobre questões éticas. “Se a pessoa avalia de forma diferente quem possui laços afetivos com ela, onde está a ética? É uma questão que pode ser observada de vários ângulos e que auxilia muito o entendimento de como vivem os grupos sociais”, destaca o psicólogo.
Nau adianta que o próximo passo do trabalho será estudar como os conflitos surgem com pessoas reais e não por meio de jogos. Ele e a equipe também pretendem desvendar como esses problemas são resolvidos em sociedades distintas. “Queremos analisar como culturas diferentes têm atitudes distintas em relação à vingança. Existem várias outras coisas que podem ser relevantes. Nós gostaríamos de entender quais são essas coisas e como elas funcionam”, destaca.